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Bulletin

Vida monástica hoje

125

Bulletin

“Toda a vida como liturgia”

124

Bulletin

Capítulos Gerais cistercienses
(OCSO e OCist, Set. e Out. 2022)

123

Bulletin

Vida monástica e sinodalidade

122

Bulletin

A gestão da Casa comum

121

Bulletin

Fratelli tutti,
A fraternidade na vida monástica

Capítulos Gerais cistercienses
(OCSO e OCist, Set. e Out. 2022)

Boletim da AIM • 2023 - No 124

Índice

Editorial

Dom Jean-Pierre Longeat, OSB, Presidente da AIM


Lectio Divina

Lc 17,15-16 

Dom Mauro-Giuseppe Lepori, Abade Geral OCist


Perspectivas

• Conferência de Abertura do Capítulo Geral dos Trapistas Dom Bernardus Peeters, Abade Geral


• Discurso aos participantes no Capítulo geral da OCSO 

Papa Francisco


• O que tem mais vida na Ordem hoje 

Irmã Ainzane Juanicotena, OCSO


• Discurso de abertura do Capítulo Geral da Ordem cisterciense 

Dom M-G Lepori, Abade Geral


Meditação

O carácter exemplar da vida monástica na história 

Papa Bento XVI


Questões actuais

Prevenir os abusos nas comunidades de mulheres 

Isabelle Jonveaux, Socióloga


Testemunho

A graça de uma fundação e a experiência do retorno 

Dom Robert Igo, OSB


Grandes figuras da vida monástica 

• Irmã Josephine Mary Miller 

Irmã Marie-Paule, OCBE


• O Bem-aventurado Dom Columba Marmion 

Pe. Réginald-Ferdinand Poswick, OSB


História e patrimônio

O Mosteiro de Tautra 

Irmã Hanne-Marie Berentzen, OCSO


Meditação

Homilia pela Memória de Santo Elredo 

Dom Henry Wansbrough, OSB


Notícias

• Relatório sobre a sessão Ananie 2022 a partir das crônicas de Ananie


• O DIMMID 

Pe. William Skudlarek, OSB


• A associação AMTM 

Secretaria da AIM


• Alguns projetos apoiados pela AIM 

Secretaria da AIM

Sommaire

Editorial

A Família Beneditina tem a riqueza de ter 3 entidades com múltiplas facetas: a Confederação beneditina com suas 80 congregações, masculinas e femininas, a Ordem Cisterciense (O Cist) que tem várias Congregações, e a Ordem Trapista (OCSO). Como acontece em todas as famílias religiosas, estas três entidades têm suas reuniões gerais: Congresso dos Abades e Simpósio da CIB (para a primeira), Capítulos Gerais para as duas outras. São momentos importantes em que todos os Superiores e Superioras, e eventualmente delegados (as) das regiões e comunidades se encontram para tempos intensos de partilha.

Depois de terem sido adiados por causa do confinamento do Covid, os Capítulos Gerais das duas Ordens Cistercienses aconteceram no Outono do ano passado. Este número do Boletim é o eco de suas reflexões, projetos e perspetivas.

Quisemos também dar a palavra a uma socióloga sobre o fenómeno tão grave dos abusos sofridos na vida religiosa feminina. Estes casos, denunciados há tanto tempo, não foram suficientemente levados em conta. Talvez esta palavra suscite comentários, ou permita que as pessoas possam se exprimir mais livremente. A AIM quer estar atenta a isto, e acompanhar, tanto quanto possível, tudo o que está sendo posto em ação para enfrentar tais comportamentos.

O Padre Robert Igo, por sua vez, partilha sua experiência do que é, depois de muitos anos no Zimbabwe, ter se tornado abade de Ampleforth, a casa fundadora, num contexto bem diferente do da África. O Abade Robert tira desta reconversão muitos ensinamentos úteis para cada um de nós.

A rubrica “Grandes testemunhas da vida monástica” poe em relevo a grande figura do bem-aventurado Columba Marmion, que desde a sua beatificação é de novo admirado na Igreja e no monaquismo. Também a Madre Josephine Mary Miller, antiga prioresa geral das Bernardinas de Esquermes, e que durante tantos anos participou do Conselho e do Comité executivo da AIM, pode ser reconhecida como uma grande figura, que deu toda a sua vida a serviço da causa evangélica e monástica.

Também queremos fazer descobrir a bela história e a notável arquitetura do mosteiro de Tautra, na Noruega. Finalmente da mos notícias do DIM, da sessão de formação Ananias e de alguns projetos ajudados pela AIM.

Que todas estas propostas nos ajudem a caminhar para a frente.

Dom Jean-Pierre Longeat, OSB

Presidente da AIM

Artigos

O Cenobitismo, equilíbrios comunitários

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Dom Jean-Pierre Longeat, OSB Presidente da AIM


O Cenobitismo

Equilíbrios comunitários



Uma das principais características da nossa vida é o ser cenobítica. Vivemos em comunidade e damos testemunho, juntos, da realidade do Corpo de Cristo. Há, aqui, algo de profundamente misterioso, pois mesmo que o homem seja um animal social, temos que reconhecer que a vida comum não é fácil. São Bento fala disto a que dá muita importância.

“Os cenobitas são os que vivem em comum, num mosteiro, e combatem sob uma Regra e um abade; através de provação diuturna no mosteiro, instruídos na companhia de muitos, aprendem a lutar contra o demónio. São bem adestrados nas fileiras fraternas. São livres diante dos costumes do mundo e de sua conduta. Não estão encerrados nos seus próprios apriscos, mas nos do Senhor. A satisfação dos desejos não é para eles lei” (RB 1).

Passam a vida num lugar estável, com sua comunidade e, salvo por razão especial, no próprio mosteiro. É assim que se pode fazer um primeiro retrato do projeto cenobítico, segundo São Bento, e segundo o cap. 1 da Regra.

No começo da Regra, a preocupação de São Bento é a da conversão  pessoal. A comunidade seria como um meio para esta conversão, para fazer a experiência do caminho da caridade. Mas ao longo da Regra, e sobretudo no fim, percebe-se uma abertura para a dimensão propriamente comunitária, como um bem em si. Se este projeto comunitário é tão importante, precisamos de alguns meios para caminhar e sobretudo para conseguir viver os equilíbrios difíceis, que fazem que cada um possa se sentir no seu lugar nesta comunidade, segundo sua personalidade.


As funções e as pessoas

Numa comunidade o abade tem uma função quase impossível. É como o vigário de Cristo. Isto quer dizer que ele deve apontar aquele que é o abade verdadeiro, o Cristo, que se dá como Palavra de Deus, por meio do seu ensinamento e por seu exemplo. É a mesma coisa para outros que exercem responsabilidades na comunidade. Uma das dificuldades da nossa vida comunitária, está em confundir a função com a pessoa. E isto a tal ponto que os que não têm um cargo grande sentem-se complexados e vivem, conscientemente ou inconscientemente, uma verdadeira inveja; como se não existissem aos olhos dos outros, pois a tentação de acreditar que só têm valor pelo que fazem, é muito grande. Mas pode haver a tentação oposta: querer existir pelo que se é, sem coincidir com a função que se deve exercer. Quer dizer, querer sentir-se realizado primeiro, e depois exercer uma responsabilidade. Este é o melhor modo de atribuir a si mesmo um poder subjetivo, chegando à sedução. É uma grande ilusão situar-se diante do abade e da comunidade neste registro. Parece-me que uma das qualidades mais importantes dos responsáveis seja a honestidade em assumir sua responsabilidade, sem negar o que se é, mas pondo-o a serviço do que se deve realizar. A atitude do abade deve continuamente apontar ao Cristo. Por causa desta honestidade o abade pode agir segundo a natureza que o Senhor lhe deu, sem se preocupar demais com os comentários de todo o tipo, que inevitavelmente são feitos à sua atuação ou comportamento. Assim pode não haver desequilíbrio entre as aspirações pessoais de quem assume o cargo, e as aspirações legítimas dos outros membros da comunidade, porque todos são chamados a se pôr a serviço uns dos outros, sem se esconderem  atrás da função, ou sem impor o peso de sua subjetividade.

Precisa definir em que consiste a honestidade; São Bento aponta alguns aspetos: alimentar um duplo ensinamento mais por atos do que por palavras. Aliás São Bento diz que o abade deve ser o primeiro a aplicar a Regra na sua totalidade. Que seja casto, sóbrio, misericordioso: terá sempre diante dos olhos sua própria fraqueza, e se lembrará de não quebrar a cana já rachada. Não seja turbulento, nem inquieto; não seja excessivo nem obstinado; não seja ciumento, nem muito desconfiado. Assim, poderá talvez não fazer aceção de pessoas, nem amar mais o nascido livre, do que o originário de condição servil, ou de outras categorias sociais ou culturais: porque servos ou livres somos todos um em Cristo e sob um só Senhor caminhamos submissos na mesma milícia de servidão… Mostrará a todos a mesma caridade. E saiba que coisa difícil e árdua recebeu: reger almas e servir aos temperamentos de muitos. Na distribuição dos cargos se conduzirá com discernimento e moderação, lembrando-se da discrição do Santo Jacó, que dizia: se fizer meus rebanhos trabalhar andando demais, morrerão todos num só dia. (cf RB 64 e 2)

Esta vida honesta é um projeto difícil, mas é também a chave de uma vida livre segundo a vontade de Deus. Se, como abade, me acontecer sentir algumas dificuldades nesta liberdade, é porque o enraizamento não é bastante “honesto”. Esta palavra honestidade pode parecer insuficiente, mas vem de São Bento, no cap. 73.

“Escrevemos esta Regra para demonstrar que os que a observamos nos mosteiros, temos alguma honestidade de costumes ou de início de vida monástica… Tu, porém, quem quer que sejas, que te apressas para a Pátria celeste, realiza com a auxílio de Cristo esta mínima regra de iniciação, e, então, chegarás, com a proteção de Deus aos maiores cumes de doutrina e das virtudes de que falamos acima. Amém.”


O Diálogo

São Bento quer que cada um encontre seu lugar na comunidade, podendo falar. É este o sentido do cap. 3 “Da Convocação dos irmãos a Conselho”. Dissemos que todos fossem chamados a conselho, porque muitas vezes o Senhor revela ao mais moço o que é melhor. Mas esta fala deve ser feita com muita sabedoria: “Deem pois os irmãos o seu conselho com toda a submissão da humildade”. De fato, isto nem sempre é fácil. Por um lado as questões que dizem respeito à vida do mosteiro são numerosas, e nem todas podem ser objeto de debate; aliás é por isso que existe um conselho. Por outro lado, infelizmente, é raro encontrar uma comunidade em que todos saibam escutar-se mutuamente. Já se sabe de antemão o que pensar das palavras de tal ou tal. A tal ponto que certas palavras não são levadas suficientemente em conta.

E no entanto, no mosteiro, cada um tem um lugar único. Cada um tem uma inteligência única alimentada por sua experiência particular. Um é perfeitamente natural e sem complexos, e fala como lhe vem à ideia, sem se interrogar muito. Um outro é capaz de trazer uma reflexão sobre os princípios abstratos de uma ação; outro, ao contrário, falará sobre o modo prático de pôr a coisa em ação. Esta escuta mútua é capital para se viver em comunidade, e não acontece só em reuniões do capítulo, deve estar presente em todos os momentos da nossa vida. Percebe-se muitas vezes que alguns se afastam da vida comunitária porque não se leva em conta o que dizem. Cada um quer expressar alguma coisa, isso está mesmo na originalidade da natureza humana; se não pode fazê-lo no grupo em que vive, definha, e às vezes procura noutro lugar um espaço mais propício. Aqueles que pensam ter algo mais interessante a dizer que os outros, façam um esforço de paciência para escutar. Pode parecer menos apropriado, e no entanto é útil. Assim cada um poderá existir neste diálogo, que é uma componente essencial do amor. Tudo se faça, porém, com discrição, discernimento. Não se trata de dizer qualquer coisa, seja de que modo for, ou seja a quem for, sob o pretexto que se precisa falar.


Obediência

Como consequência da escuta mútua, vem a obediência, essa qualidade de atenção uns aos outros.

“Não só ao abade deve ser tributado por todos o bem da obediência, mas da mesma forma, obedeçam também os irmãos uns aos outros, sabendo que por este caminho da obediência irão a Deus” (RB 71).

Que há de mais belo do que uma comunidade em que os irmãos, as irmãs, independentemente de sua idade, de sua função, de sua origem e de sua formação, se obedecem uns aos outros! Em vez de se picarem uns aos outros, exercendo essa tentação de poder que só leva a incompreensões, conflitos, injustiças profundas! Como é maravilhoso fazer tudo para se compreenderem, em todo o sentido do termo, de se servirem, de se encontrarem num verdadeiro serviço mútuo!

É triste que muitas vezes nossa maneira de olhar o outro leve marcas de inveja. Todos temos dons diferentes, por que querer ter os dons dos outros em vez de fazer frutificar os nossos, que são sempre infinitamente preciosos para todos? Um sabe acolher magnificamente. Outro sabe contar ou organizar. Outro sabe cantar, ou ensinar. Outro sabe acompanhar os outros em caminhos difíceis. Outro sabe viver um silêncio frutuoso, ou ainda suportar santamente a doença, ou dizer uma boa palavra, guiar um trator, consertar um carro, ou dirigir na perfeição. Alguns sabem escrever livros, outros cozinhar admiravelmente, ou manter um lugar numa ordem perfeita, ou perfeitamente limpa! Que mais? Não há ninguém sem dons ou qualidades, mas só estão verdadeiramente a serviço da comunidade, se a pessoa aceitar pô-los a serviço e desenvolvê-los, e a comunidade os acolhe e obedece a eles.

Isto significa que não pode haver ideias feitas sobre os outros na vida comum. Escutam-se muitas vezes julgamentos sobre os outros, até mesmo rejeições; quanto mais se rejeita, mais o outro se sente incapaz. O amor é a esperança imensa da confiança, apesar de todas as tentações de rejeição que se pode sentir dentro de si mesmo.

Assim pode-se obedecer positivamente, acolher-se mutuamente, amar-se, reconhecer-se, perdoar-se, construir-se, edificar-se mutuamente, e encontrar aquele equilíbrio bom numa comunidade aberta, onde o impossível pode tornar-se testemunho para uma difusão da Boa Nova: Cristo quebrou o muro do ódio.

Eis a verdadeira alegria na conversão do coração.

“Quando um deles viu que tinha sido curado,…” (Lc 17,15-16)

2

Lectio divina

Dom Mauro-Giuseppe Lepori

Abade Geral OCist

 

“Quando um deles viu que tinha sido curado, voltou, louvando a Deus em voz alta, e prostrou-se diante de Jesus, aos seus pés, para lhe agradecer”

(Lc 17,15-16)[1]


 

Talvez seja esta frase que possa sugerir com qual espírito somos chamados a iniciar o nosso Capítulo Geral, sete anos após o último, enquanto o mundo sofreu e sofre uma grave pandemia, uma guerra fratricida que põe em perigo o mundo inteiro, e uma grande instabilidade política e econômica. Todos terão razões diferentes, todos terão a sua “doença incurável”, a sua “lepra”, o seu “espinho na carne”, não importa o quê. O que nos deve unir é que cada um de nós tem razões para voltar para Jesus, para o adorar e agradecer. E é isto que nos une.

Voltar, adorar, agradecer. Aprendemos com o leproso curado estas três grandes dimensões da vida e da fé na Salvação. Jesus, no fim, lhe diz: “Levanta-te e vai; a tua fé te salvou!” (Lc 17,19). É como se dissesse que o retorno a Ele, a adoração e a gratidão são as dimensões de uma fé que nos salva, que recebe de Cristo não só a saúde, a que antes ou depois, se perde de novo, não só a solução dos nossos problemas imediatos, mas a salvação da vida, a salvação para sempre.

Ao leproso curado, não basta a saúde: compreendeu que o milagre era um sinal de algo muito maior e mais precioso: era sinal de Cristo Salvador, era sinal de que o Salvador estava presente e o amava. Por isso que voltou a Ele. A saúde não era suficiente: desejava Cristo, desejava encontrar de novo e cada vez mais o Senhor e Salvador da vida.

Os outros nove leprosos curados regressaram às suas vidas normais, certamente com alegria. Mas será este o único sentido da vida? Vale a pena ser saudável só para sobreviver à doença e à morte por algum tempo? Cristo nos oferece muito mais. Cristo nos oferece não só a saúde, só a solução para os nossos problemas, as nossas dificuldades e sofrimentos. Cristo se oferece!

Por isso a fé nos salva, porque a fé nos leva a aderir a Cristo, a regressar sempre a Ele, à sua presença, ao seu amor; a reconhecê-lo nosso Deus na adoração; a reconhecê-lo como fonte inesgotável da nossa alegria, aquilo que nos faz louvar e agradecer a Deus sempre e por tudo.

Voltar a Cristo, recomeçar de Cristo, significa também reconhecer que a sua presença que nos cura e salva, está associada a um lugar, e que se queremos realmente encontrá-lo, temos que ir onde Ele está. Até Naamã, o comandante pagão que Deus curou da lepra através da intervenção do profeta Eliseu, compreende que deve levar consigo a terra de Israel, sobre a qual deve rezar ao verdadeiro Deus.

Esta terra é para nós símbolo da Igreja, da comunidade de pessoas e comunidades nas quais regressar para nos encontrarmos, adorarmos e louvarmos o Senhor. Esta terra santa é o lugar da nossa vocação, é a nossa comunidade, é a Ordem. Os nossos pais cistercienses compreenderam desde o início que o carisma cisterciense, alimentado pelo carisma de São Bento, estaria sempre associado à terra santa da comunhão entre os mosteiros que nasceram do novo mosteiro de Cîteaux. E que a principal forma de regressar a Cristo nesta terra, era a reunião do Capítulo Geral.

Por isso que não devemos voltar a reunir o Capítulo Geral como se estivéssemos reunindo um parlamento ou organizando um congresso, mas com a consciência de estarmos juntos na terra sagrada do encontro com o Senhor Jesus que nos salva, que nos dá o seu Espírito Santo e nos renova na fraternidade universal dos filhos de Deus Pai.


[1] Missa votiva do Espírito Santo na abertura do Capítulo Geral da Ordem Cisterciense (9 de octubre 2022).

Conferência de Abertura do Capítulo Geral dos Trapistas

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Perspectivas

Dom Bernardus Peeters, OCSO

Abade Geral

 

Conferência de Abertura do Capítulo Geral dos Trapistas

(Assis, 2 de fevereiro de 2022)


 

Após a primeira parte do Capítulo Geral da OCSO, o novo Abade Geral pediu aos abades e abadessas da Ordem que expressassem seus sonhos de uma vida monástica como a que o Papa pede. Em resposta, 138 sonhos de superiores e comunidades chegaram à Casa Geral, provenientes de 157 mosteiros da Ordem. Isto representa uma taxa de participação de 87%, o que é muito notável. Dom Bernardus abriu a segunda parte do Capítulo Geral com uma apresentação dessas respostas. Eis um grande extrato. Trata-se, em primeiro lugar, da Ordem Trapista, mas, mais amplamente, pode ser aplicada à família beneditina em geral.

 

[…]

Depois de ter lido todos os sonhos de vocês, senti-me como São Bento na torre de Monte Cassino, procurando e à espera do que a voz de Deus, na sua bondade, quer nos dizer: o caminho da vida! (RB Prol. 19-20) Ao olhar todos os lugares do mundo, penso: o Senhor abriu quatro janelas para nós. Estas 4 janelas nos ajudarão a realizar os nossos sonhos.

Tentei reler os sonhos de vocês a partir das três palavras do Sínodo dos Bispos: comunhão, participação e missão. Acrescentei uma quarta: formação. Esta última vou explicá-la mais tarde, por agora mostra simplesmente que a sinodalidade pertence à essência da vida religiosa e que esta obediência à palavra de Deus, e uns aos outros, não somente funda a comunhão, convida à participação e leva à missão, e pede também uma conversão contínua, mas exige uma formação sólida permanente. Estes sonhos foram um pequeno começo do processo sinodal na nossa Ordem. Contudo a sinodalidade não é um acontecimento pontual, mas um estilo de vida.

Um de vocês desejou “sem demasiadas ilusões” que na próxima parte do Capítulo Geral a palavra “sinodalidade” não apareça a cada frase nos relatórios e nas intervenções. Uma coisa me parece importante: na vida concreta das nossas comunidades a tal sinodalidade não vai abafar o que ainda resta da obediência beneditina nas nossas comunidades?” De fato, cuidemos para que a sinodalidade não se torne uma palavra na moda, sem nenhuma substância. Diz o cardeal Grech:

“Falar de estilo sinodal é tomar consciência que a renovação eclesial de que se fala tanto…toca as profundezas da experiência da Igreja e não se limita a intervenções que parecem uma maquilhagem eclesiástica…Trata-se da expressão da necessidade de uma reforma profunda na Igreja, da nossa maneira de ser e de viver, como Igreja, face a uma verdadeira mudança de época para o cristianismo e para o mundo inteiro”[1].

Esta reforma profunda não pode fazer-se sem uma conversão permanente fundamentada na nossa obediência a Deus e aos outros.

Antes de olhar as janelas destes quatro sonhos, quero sublinhar que nenhuma torre pode ser construída sem um bom alicerce. Sobre este alicerce estamos todos de acordo. Ninguém deseja um outro fundamento. Graças a Deus! Um superior expressa muito justamente que alicerce é este:

“Sonho com uma Ordem Cristocêntrica, apaixonada pelo absoluto de Cristo. Uma Ordem que se mexa e desinstale seguindo o Cristo” (América Latina).

A torre da nossa Ordem está construída sobre este alicerce, e as quatro janelas abrem-se e por elas entra a luz na qual podemos ver irradiar a luz de Deus. Sobre este fundamento repousam 4 sonhos, que resumo aqui e que desenvolverei depois:

1. Sonhamos com uma Ordem em que os monges e as monjas, de diversas culturas, partilhem uma visão comum da identidade contemplativa, “cooperem entre si e ajudem-se mutuamente, de diversos modos, respeitando as diferenças sadias e a complementaridade dos dons. Amamos a unidade na diversidade.

2. Sonhamos com uma Ordem na qual todos sejam capazes e desejosos de participar, que seja flexível na sua estrutura, com uma comunicação aberta e transparente a todos os níveis, e com um grande respeito pela vocação batismal dos irmãos e das irmãs, das comunidades locais, e das Regiões, sem perder de vista o conjunto.

3. Sonhamos com uma Ordem na qual todos os seus membros, e todas as suas comunidades, sejam pessoas e lugares onde há um compromisso generoso para com Deus, a Igreja e o Mundo, e que torne verdadeira “essa fecundidade apostólica secreta”. E que se expresse num humilde respeito pelos dons da criação de Deus. Assim, em tudo Deus será glorificado (1Pe 4,11).

4. Sonhamos com uma Ordem que seja capaz de formar seus membros com entusiasmo para a filosofia de Cristo (Ratio Institutionis) e para a linguagem de Cristo, e lhes dê meios adequados para realizarem plenamente sua vocação.


Sonho de Comunhão

“A forma de vida cisterciense é cenobítica” (Cst 3, 1). Chamados juntos pela voz de Deus, vivemos esta comunhão na forma concreta da vida comum, na qual a procura da união com Deus e com tudo o que vive e respira é central. Cada membro da Ordem é importante! Cada irmão e irmã é portador do mesmo selo batismal recebido e confirmado na profissão monástica. Em virtude deste dom, somos todos, sem exceção coresponsáveis pela comunhão com Deus e entre nós. Olhando por esta janela, escutamos os sonhos sobre relações mútuas nas comunidades, nas Regiões, entre os homens e as mulheres da nossa Ordem, e também sobre relações entre anciãos e jovens, entre o Norte e o Sul, o Este e o Oeste.

* “Sonho com uma comunidade em que ninguém condene o outro, mas todos sejam escutados. Sonho com uma comunidade em que todos nos estimemos uns aos outros pelo que somos – filhos de Deus – mais do que usarmo-nos uns aos outros para nós mesmos ou para a sobrevivência das estruturas.” (Europa)

* “Sonhamos que haja mais relações entre os mosteiros para que a Ordem se pareça com uma grande família. Desde há alguns anos fazemos a experiência de enviar um, ou outro de nós para o Mosteiro fundador, e gostaríamos de continuar esta experiência, talvez com outras comunidades? E em forma de trocas: um de nós vai viver um ano, e um ancião vem viver conosco alguns meses para ajudar na formação.” (Africa)

* “A questão é saber como transmitir este desejo pessoal à comunidade, à Ordem. Reconheço que é um desafio, pois somos pessoas de culturas diferentes e de formação diferente. Mas temos uma força comum, nossa identidade cisterciense, ou carisma, que não é uma peça de museu, mas uma realidade viva. Uma realidade que nos interpela de vários lados, e para citar só alguns: envelhecimento, diminuição de vocações, fechamento de casas. O sonho nos ultrapassa, nos surpreende, e sem cair em falsas ilusões, somos chamados a criar comunidades em que a simplicidade, a fraternidade alegre, a alegria da oração viva, o encontro com o Senhor na sua Palavra e nos sacramentos, nos fazem sentir e viver em plenitude a misericórdia de Deus, à maneira de Maria, rainha e mãe de misericórdia.” (América Latina)

* “Uma Ordem: Fiquei impressionado, desde o começo, como os monges e as monjas colaboravam, agora, com um só Capítulo Geral, o modo único como a nossa Ordem funciona.. É algo que devemos agradecer, que é preciso manter e desenvolver, tanto para nós, como talvez para a Igreja.” (América do Norte)

* “Meu sonho: relações evangélicas. A nível do ministério da AG para a Ordem haveria uma comissão de anciãos (sempectae RB 27) que seria nomeada pela AG para o aconselhar sobre questões pastorais mais complicadas, que chegam à nossa mesa. Esta comissão não residiria em Roma, mas se reuniria regularmente on line. Seriam escolhidos para este serviço e sua resposta criativa sobre numerosas questões pastorais e poderia ser composta por superiores em atividade, ou aposentados. O fim principal da Casa Generalícia seria facilitar e oferecer recursos às comissões pastorais das Regiões. Nos casos mais difíceis, essas comissões poderiam fazer apelo à comissão dos anciãos. O movimento de consulta, de autoridade e de responsabilidade se tornaria menos linear e mais circular (Obediência mútua RB 71) fazendo apelo aos membros da Ordem para a pastoral das comunidades que têm necessidades particulares.” (América do Norte)

* “Sonho com uma grande atenção pastoral mútua. Reagimos como casas autónomas. Não podemos nos ajudar, ou não estamos dispostos a nos ajudar mutuamente. Não pedimos ajuda. Quando há um verdadeiro problema, é-nos difícil ajudar.” (Ásia)


Sonho de participação

Todos temos o direito de participar na vida das comunidades, das Regiões e na vida da Ordem com suas diversas estruturas (cf. Cst 16, 1). Uma participação enraizada na tradição beneditina do voto de obediência. As estruturas foram-nos dadas ao longo da tradição, não como peças de museu, mas para permitirem estar a serviço da vida do povo de Deus (cf. Evangelii gaudium 95). Temos de ter a coragem de nos escutarmos realmente uns aos outros para discernir o que o Espírito nos diz. É só desta maneira que pode nascer a coragem de agir segundo o Espírito.

Olhando por esta janela, escutamos os sonhos sobre o funcionamento das comunidades, das Regiões e do Capítulo Geral. Às vezes são sonhos criativos sobre novas formas de fazer, que querem ficar fiéis ao antigo e ao mesmo tempo ser inteiramente novas.

* “Penso que a nível do Capítulo, se seguiria um dialogo mais pensado sobre os assuntos, cada um tendo escutado as opiniões de muitos outros, e assim poderíamos escutar melhor o que o Espírito diz ás Igrejas.” (Ásia)

* “Sonho que o Capítulo Geral se torne um fórum com clima pastoral e teológico.” (Europa)

* “Poderíamos confiar a aprovação das leis às Regiões mais do que passar tempo a fazer isso no Capítulo Geral? Será que um sínodo de representantes das regiões poderia aprovar coisas que as regiões trataram? As decisões importantes que dizem respeito às casas da Região não poderiam ser tratadas em nível local?” (África)

* “Gostaria que nossas reuniões regionais e nossos Capítulos Gerais se centrassem menos em questões legislativas e práticas, e mais sobre a partilha das nossas experiências, das nossas lutas, das nossas esperanças, da nossa visão e dos nossos desejos – tentando em tudo isso ver os sinais dos tempos.” (América Latina)

* “Sonho que seja possível rever o funcionamento do Capítulo Geral, para que se torne verdadeiramente um aqueduto para o Espírito Santo e um veículo vivificante para revitalizar a nossa Ordem Cisterciense e permitir-lhe viver sua vocação e sua função dadas por Deus, no seio da Igreja e, ao mesmo tempo, dar esperança ao nosso mundo que luta e sofre.” (América Latina)

* “Sonho com uma Ordem que se inscreva numa tal imagem da Igreja e que opte radicalmente pela igualdade entre monges e monjas, e que de forma coerente, vá neste sentido e procure novas formas (Matres immediatae), denuncie a desigualdade (conseguirá chegar à legislação dos monges, sem nenhuma isenção de Cor Orans, serão eles solidários?) e que isso seja um ponto de atenção permanente no Capítulo Geral… Sonho com encontros regionais como santuários para partilhar juntos, para pensar, para sonhar com a vida monástica, com honestidade e vulnerabilidade… com atenção e tempo para este processo…” (Europa).


Sonho da Missão

A missão da nossa vida cisterciense está descrita nas Constituições como “fecundidade apostólica escondida”. “O seu modo de participar na missão de Cristo e da sua Igreja, assim como da inserção numa Igreja local, é a própria vida contemplativa” (Cst 31).

Olhando por esta janela, escutamos os desejos de um sentido renovado da nossa vida para a Igreja e para o mundo. Sonho que está centrado na preocupação pela casa comum (Laudato Si’) e por todos os irmãos e irmãs, “peregrinos que partilham a mesma carne” (Fratelli tutti, 8).

* “Sonhos que as abadias se tornem pioneiras no campo da durabilidade e da vida ecológica e que escolhas audaciosas sejam feitas neste domínio.” (Europa)

* “A nível ecológico, o meio rural em que vivemos, oferece um quadro propício para este processo de conversão ecológica, que é urgente, e para o qual devemos encontrar meios concretos para o realizar nos nossos comportamentos. Encorajamentos e sugestões práticas são bem-vindos, agora que a pandemia parece (?) ter passado, o que nos permitirá rever detalhes nas práticas comunitárias e nas hospedarias, onde os nossos hóspedes sejam também motivados para este campo. É preciso implicar-se pessoalmente e sem dúvida junto com o serviço diocesano de ecologia integral nesta abertura, correndo o risco de mudanças, de ser desalojado, de aceitar novidades, quer dizer de fazer confiança à obra do Espírito Santo no ‘Sim’ de cada dia.” (Europa)

* “Uma Igreja em saída, de que nos fala o Papa Francisco, evitando ser auto referência. Penso que nós, cistercienses, podemos traduzir isto assim: que antes de mais o nosso olhar, a nossa atenção, o nosso pensamento estejam voltados para Deus, para o mistério pascal de Cristo e tudo o que isso implica (lectio, oração, contemplação) e depois para as pessoas, para a humanidade (desejo intercessão). Também não ser autoreferenciais como comunidade. Temos tendência de nos concentrarmos na nossa comunidade, e de consagrar mais tempo e energia para nos vermos ao espelho, e isso, às vezes, é encorajado por certas estruturas, por exemplo pelas visitas regulares a cada dois anos.” (América Latina)

 

A ecologia, no entanto, é mais do que o cuidado pela criação. É também o cuidado pelo ecossistema, totalmente diferente, que é a nossa vida cisterciense. O silêncio e a solidão da nossa vida cisterciense são uma característica totalmente diferente, e muitos sentem a pressão que os meios de comunicação modernos exercem sobre este ecossistema. Sonham tornar-se mais conscientes e melhor usar desses meios, para proteger e preservar o ecosistema da casa comum, que é a nossa vida cisterciense.

* “Sonho com um mosteiro eco digital; um mosteiro em que haja um equilíbrio entre abertura e a solidão; um eco sistema de silêncio, de imagens e de palavras; um mosteiro com um ambiente monástico sem más influências do excesso de sons, de palavras e de imagens. Sonho com uma reflexão sincera, na Ordem, sobre a influência da Internet nas nossas vidas. Que nos ponhamos de acordo para enfrentar a dependência. Sonho com uma vida contemplativa no mundo, mas não do mundo.” (Europa)


Sonho de formação

Embora a formação não seja uma palavra chave do próximo sínodo, acrescento este tema. Muitos sonhos abordaram este assunto e também nos relatórios da síntese da fase diocesana do processo sinodal, que as conferências episcopais do mundo inteiro enviaram ao secretariado do sínodo. É impressionante constatar como o desejo de formação no seio do povo de Deus é grande. A transmissão da fé entre as gerações numa família, ou numa comunidade religiosa não é mais uma coisa evidente. Falta-nos discernimento, vocabulário, formação e mesmo fé para transmitir a vida. Isto afeta igualmente a transmissão do carisma cisterciense.

O papel da comunidade, da Região e da Ordem no processo de formação é ajudar cada irmão, cada irmã “a integrar os elementos essenciais da vida cisterciense” (Cst 45,3) Devemos ser generosos em oferecer uma ajuda mútua para tornar esta formação uma realidade para todos (cf Cst 45.3.B).

Olhando por esta janela escutamos os desejos de uma boa formação para todos na Ordem, não somente para os que estão na formação inicial, mas para todos, incluindo os superiores. Uma formação que seja mais do que a filosofia e a teologia, mas que ajude também as comunidades em nível material e económico.

* “Uma boa formação monástica desenvolve-se na, ou nas comunidades, que valorizam a tradição e o diálogo com a nossa sociedade atual. Isto pode, certamente, acontecer no quadro da cooperação entre as comunidades da Ordem ou com outras instituições, religiosas, ou não.” (Europa)

* “Lembro-me de um programa de formação entre uma comunidade de monjas e de monges. Sonho que isso possa acontecer de novo. Uma partilha das nossas experiências – como o programa . Duas ou várias comunidades podem enviar-se mutuamente suas experiências por correio, ou por mail. Desejo um programa comum de formação para todas as comunidades da Ordem. Desejo aprofundar meu conhecimento do carisma cisterciense.” (Asia)

* “Temos acesso à história e ao património da Ordem como nenhuma geração anterior. Uma grande parte do trabalho de base que torna isto possível é o resultado de uma colaboração no seio da família cisterciense e com especialistas leigos. A riqueza de material disponível hoje, para a educação/formação é admirável. Uma certa atitude anti-intelectual, que encontrei quando entrei na Ordem, diminuiu. Apesar de tudo existe ainda uma tendência para considerar o interesse neste campo como secundário em relação às necessidades da vida cotidiana.” (América do Norte)

* “Falamos de uma crise de liderança na Ordem. Meu sonho é que continuemos a explorar os meios para desenvolver as qualidades da liderança por meio de programas de formação, qualidades de consciência de si mesmo, de co responsabilidade, de continuidade, de bom zelo, de sacrifício de si mesmo e de competências em comunicação que deem vida. Os padres do deserto eram especialistas nisto. Meu sonho é que cada membro da Ordem seja entusiasta e desejoso de uma formação inicial e contínua, dinâmica para reforçar a nossa visão comum para dar vida às nossas comunidades e à Igreja.” (América do Norte)

* “Na nossa Ordem Cisterciense conhecemos, hoje, duas formas grandes de precaridade: A falta de vocações e o envelhecimento no Ocidente, e a falta de pessoal bem formado sobre as raízes cistercienses na África onde as vocações para a vida monástica crescem. Estas duas realidades ameaçam a existência e a fidelidade da nossa Ordem; por outras palavras, favorecem a extinção e o enfraquecimento da nossa Ordem. A solução para esta precaridade é a formação de uma sinergia entre o Ocidente e a África… Reconheço a importância da sinergia para a sobrevivência e o crescimento da nossa Ordem no processo sinodal no seio de cada comunidade, nas comunidades intermonásticas e entre o ocidente e a África. O Ocidente deveria poder ajudar para a formação pessoal na Africa e os africanos deveriam poder alimentar as vocações no Ocidente, apesar das deceções de certos africanos, que foram enviados para estudos, ou para cumular falta de vocações no passado. Não devemos desanimar. A formação da sinergia… pressupõe o que Luke Timothy Johnson chama a ‘comunicação’ em oposição ao ‘fechamento’ quando um mundo simbólico interage com um outro numa sociedade pluralista, em que a identidade própria de cada grupo é respeitada. A comunidade monástica que se fecha, morrerá.” (Africa)

* “Ajudar as comunidades da Africa. Formação contínua e inicial. Conseguir professores locais de outras congregações que estimularão a nossa vida cristã e portanto integrar a nossa vida monástica. Podemos ter uma escola (padres cistercienses, padres beneditinos e outros estudos?) Isso permitiria o processo sinodal.” (Africa)

* “Que os cursos e as conferências e outras fontes de formação na Ordem sejam traduzidos nas diferentes línguas e oferecidos às diferentes regiões.” (América Latina)

* “Sonho com a criação de uma mesma mentalidade favorecendo cursos, troca de professores e de formandos nas diferentes comunidades. Sonho com a criação de uma escola monástica – on line – acessível a todos os monges e monjas, para reforçar a nossa formação permanente.” (América Latina)


Conclusões

Mais uma vez, isto é apenas uma amostra de todos os nossos sonhos! Não mostra a riqueza do conteúdo, mas me mostra a mim, pessoalmente, aonde a voz de Deus se faz ouvir. No final desta conferência, permitam-me que trace algumas linhas para o futuro. O sonho era necessário para ouvir a voz de Deus, para fazer a experiência de para onde Deus quer nos levar. Depois de ter visto, discernido, vem o tempo da ação.

Os sonhos de vocês são um desafio para o tempo futuro:

– dar prioridade à revitalização da dimensão contemplativa do nosso carisma. Tudo nas nossas vidas deveria ser expressão desta dimensão, incluindo mesmo uma estrutura como o Capítulo Geral. Esta dimensão contemplativa deveria levar a consequências na comunhão, na participação, na missão e na formação. (Vou examinar as propostas sobre o funcionamento do Capítulo Geral. Uma reflexão renovada sobre a separação do mundo, o uso dos meios de comunicação, o uso do dinheiro e dos bens etc.)

– dar prioridade à promoção da comunhão entre nós por meio de uma comunicação aberta e transparente a todos os níveis, usando os meios de comunicação modernos. (Propostas relativas à partilha on line de informações, à vida espiritual, ao trabalho, à estre ajuda, à ecologia etc.)

– dar prioridade à promoção da participação de todos os membros da Ordem. Encontrar, com fidelidade criativa à tradição, novos caminhos que tornarão as estruturas de governo na Ordem mais abertas e flexíveis, buscando uma melhor representação e mais igual de todas as partes do mundo e entre monges e monjas. (Propostas relativas ao Abade Geral e a seu Conselho, às Mães Imediatas, ao estatuto para acompanhamento das comunidades frágeis, para o funcionamento das reuniões regionais, para a comissão central, para o conselho dos anciãos etc.)

- dar prioridade a uma melhor compreensão da nossa missão na Igreja e no mundo. (Propostas de partilha de informações sobre as melhores práticas; promover o estudo da nossa tradição cisterciense e seu significado para hoje; procurar o laço com a Igreja universal e local).

– dar prioridade ao aprofundamento da formação integral no conjunto da Ordem, reavivar a chama do nosso primeiro amor, dar mais atenção às necessidades das diferentes regiões. Uma cooperação estreita entre o Abade Geral, seu Conselho e o Secretário Geral para a Formação é de grande importância (propostas para uma escola on line da vida cisterciense, oferecendo cursos on line, uma formação específica para os superiores, os celeireiros, os mestres de noviços, os capelães mais atenção à formação sobre os abusos, as dependências etc.).

 

Lá, na torre, com São Bento, aproveitando deste único raio de luz, para onde convergiam todos os sonhos do mundo, gemi: “a messe é grande, mas os operários são poucos”. Mas não vou desanimar e peço a todos que trabalhem comigo, para realizarem estas prioridades. Como disse, é tempo de agir e de ver como podemos transformar as prioridades em ações concretas. Conto com a ajuda de todos, na oração e na ação.

O sonho de vocês, como superiores, foi um pequeno começo do caminho sinodal na Ordem. O processo continua e deve tornar-se um estilo de vida a todos os níveis. Alguns responderam ao meu pedido de sonhar nas próprias comunidades. Espero que muitos sigam este caminho. Deixem vossos irmãos e irmãs sonhar! Que sonhem sobre sua própria vida, sobre a vida da comunidade e sobre a vida da Ordem. Sonhem para ouvir a voz de Deus para poderem discernir o importante e o que vos pedem para fazer.

Mas o que é mais importante ainda, – e é afinal o objetivo do processo sinodal – são as palavras de São Bernardo:

“Fizemos, caros irmãos uma reunião, ou sínodo dos corpos (synodum corporum) mas resta-nos formar um sínodo maior: a união das almas (Coniunctio animarum). De fato não é louvável estar unidos de corpo, se estivermos divididos de espírito; é inútil reunir-se num lugar se estamos em desacordo nas nossas almas… ‘Quando dois ou três estão reunidos em meu nome, estou no meio deles’ (Mat 18, 20); se estiverem bem reunidos em nome de Jesus, quer dizer com o amor de Deus e do próximo, então com eles é bom habitar juntos” (sal 132, 1)[2].

 

Possamos nós fazê-lo sob a proteção de Maria, a Rainha de Cister!




[1] Mario Cardinal Grech, La synodalité comme style. In : Sequela Christi, XLVII 2021/02, p. 72-73.

[2] Bernard de Clarivaux, Sententiæ III, 108 (para esta citação, agradeço a D. Yvon-Joseph, de Val Notre-Dame, que me chamou a atenção para ela!).

Discurso aos participantes no Capítulo geral da OCSO

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Perspectivas

Papa Francisco

Discurso aos participantes

no Capítulo geral da OCSO

16 de setembro de 2022


 

Estimados irmãos e irmãs, bom dia e bem-vindos!

Agradeço ao Abade-Geral as suas palavras de saudação e introdução. Sei que estais a realizar a segunda parte do vosso Capítulo Geral, na Porciúncula de Santa Maria dos Anjos: um lugar tão rico de graça que certamente terá ajudado a inspirar os vossos dias.

Regozijo-me convosco pelo sucesso da primeira parte do Capítulo, realizada no mesmo lugar, durante a qual também foi eleito o novo Abade-Geral. O Senhor, Padre, pôs-se imediatamente a caminho para visitar as doze regiões nas quais se encontram os vossos mosteiros. Apraz-me pensar que esta “visitação” teve lugar com o cuidado sagrado que a Virgem Maria nos mostra no Evangelho. “Levantou-se e foi apressadamente”, diz Lucas (1, 39), e esta expressão merece sempre ser contemplada, para que possamos imitá-la, com a graça do Espírito Santo. Gosto de rezar a Nossa Senhora que está “com pressa”: “Senhora, vós estais com pressa, não é?”. E Ela compreende esta linguagem.

O Padre Abade diz que nesta viagem “recolheu os sonhos dos superiores”. Fiquei impressionado com esta forma de expressão, e partilho-a de todo o coração. Quer porque, como sabeis, também eu entendo o “sonhar” neste sentido positivo, não utópico, mas projetual; quer porque aqui não se trata dos sonhos de um indivíduo, mesmo que seja o superior-geral, mas de uma partilha, de uma “coleta” de sonhos que emergem das comunidades, e que imagino sejam objeto de discernimento nesta segunda parte do Capítulo.

Eles resumem-se da seguinte forma: sonho de comunhão, sonho de participação, sonho de missão e sonho de formação. Gostaria de vos propor algumas reflexões sobre estas quatro “estradas”.

Antes de mais, gostaria de fazer uma nota, por assim dizer, sobre o método. É uma indicação que me vem da abordagem inaciana, mas que, no fundo, penso que tenho em comum convosco, homens chamados à contemplação na escola de São Bento e de São Bernardo. Ou seja, trata-se de interpretar todos estes “sonhos” através de Cristo, identificando-nos com Ele através do Evangelho e imaginando – num sentido objetivo, contemplativo – como sonhou Jesus estas realidades: a comunhão, a participação, a missão e a formação. De facto, estes sonhos constroem-nos como pessoas e como comunidade, na medida em que não são nossos, mas os seus, e nós assimilamo-los no Espírito Santo. Os seus sonhos.

E aqui abre-se então o espaço para uma bela e gratificante busca espiritual: a busca dos “sonhos de Jesus”, ou seja, dos seus maiores desejos, que o Pai suscitava no seu coração divino-humano. Eis, nesta chave de contemplação evangélica, gostaria de me pôr em “ressonância” com os vossos quatro grandes sonhos.

O Evangelho de João entrega-nos esta oração de Jesus ao Pai: “Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um: eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (17, 22-23). Esta Palavra santa permite-nos sonhar com Jesus a comunhão dos seus discípulos, a nossa comunhão enquanto “seus” (cf. Exort. ap. Gaudete et exsultate, 146). Esta comunhão – é importante esclarecer – não consiste numa nossa uniformidade, homogeneidade, compatibilidade, mais ou menos espontânea ou forçada, não; consiste na nossa relação comum com Cristo, e n’Ele com o Pai no Espírito. Jesus não teve medo da diversidade que existia entre os Doze, e por isso também não devemos temer a diversidade, porque o Espírito Santo gosta de despertar as diferenças e de fazer delas harmonia. Em vez disso, devemos temer os nossos particularismos, os nossos exclusivismos, esses sim, porque provocam divisões (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 131). Portanto, o sonho de comunhão de Jesus liberta-nos da uniformidade e das divisões, que são ambas aspetos negativos.

Outra palavra que tiramos do Evangelho de Mateus. Em controvérsia com os escribas e fariseus, Jesus diz aos seus discípulos: “Mas vós não vos façais chamar rabi, porque um só é o vosso mestre, e vós sois todos irmãos. E a ninguém chameis pai sobre a terra, pois um só é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem vos façais chamar mestres, porque só tendes um Mestre, Cristo” (23, 8-10). Aqui podemos contemplar o sonho de Jesus de uma comunidade fraterna, onde todos participam na base de uma relação filial comum com o Pai e como discípulos de Jesus. Em particular, uma comunidade de vida consagrada pode ser um sinal do Reino de Deus dando testemunho de um estilo de fraternidade participativa entre pessoas reais e concretas que, com as suas limitações, escolhem cada dia, confiando na graça de Cristo, viver juntas. Também hoje os instrumentos de comunicação podem e devem estar ao serviço da participação real – não apenas virtual – na vida concreta da comunidade (cf. Evangelii gaudium, 87).

O Evangelho também nos entrega o sonho de Jesus de uma Igreja toda missionária: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28, 19-20). Este mandato diz respeito a todos os membros da Igreja. Não há carismas missionários e outros que não o são. Todos os carismas, na medida em que são dados à Igreja, são para a evangelização do povo, ou seja, missionários; naturalmente de modos diferentes, muito diferentes, de acordo com a “fantasia” de Deus. Um monge que reza no seu mosteiro contribui para levar o Evangelho àquela terra, para ensinar às pessoas que lá vivem que temos um Pai que nos ama e que neste mundo estamos a caminho do Céu. Então, a questão é: como se pode ser Cisterciense de estrita observância e fazer parte de “uma Igreja em saída” (Evangelii gaudium, 20)? A caminho, mas é um caminho de saída. Como viveis a “doce e reconfortante alegria de evangelizar” (São Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 75)? Seria bom ouvi-lo de vós, contemplativos. Por enquanto, basta lembrar que “em qualquer forma de evangelização a primazia é sempre de Deus” e que “em toda a vida da Igreja se deve manifestar sempre que a iniciativa é de Deus, que ‘foi Ele que nos amou’ (1 Jo 4, 10)” (Evangelii gaudium, 12).

Por fim, os Evangelhos mostram-nos Jesus que cuida dos seus discípulos, educando-os com paciência, explicando-lhes, separadamente, o significado de algumas parábolas; e iluminando com palavras o testemunho do seu modo de viver, dos seus gestos. Por exemplo, quando Jesus, depois de ter lavado os pés dos discípulos, lhes diz: “Dei-vos um exemplo para que também vós façais como eu vos fiz” (Jo 13, 15), o Mestre sonha com a formação dos seus amigos segundo o caminho de Deus, que é a humildade e o serviço. E quando, mais tarde, ele diz: “Muitas coisas tenho ainda para vos dizer, mas de momento não sois capazes de suportar o fardo delas” (Jo 16, 12), Jesus deixa claro que os discípulos têm um caminho a fazer, uma formação a receber; e promete que o Formador será o Espírito Santo: “Quando ele, o Espírito da verdade, vier, guiarvos- á para toda a verdade” (v. 13). E poderia haver muitas referências evangélicas que atestam o sonho de formação no coração do Senhor. Gosto de os resumir como um sonho de santidade, renovando este convite: “Deixa que a graça do teu Batismo frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e, para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a força do Espírito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o fruto do Espírito Santo na tua vida (cf. Gl 5, 22-23)” (Exort. ap. Gaudete et exsultate, 15).

Prezados irmãos e irmãs, agradeço-vos por terdes vindo e desejo-vos que a conclusão do vosso Capítulo seja realizada do melhor modo. Que Nossa Senhora vos acompanhe. De coração abençoo-vos e a todos os vossos confrades em todo o mundo. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim!

O que tem mais vida na Ordem hoje

5

Perspectivas

Irmã Ainzane Juanicotena, OCSO

Mosteiro de Quilvo (Chile)

 

O que tem mais vida na Ordem hoje

 

“Recebemos o Espírito de filhos,

e dizemos Abba, Pai”

(Rom. 8, 15)

 


Tudo o que é vivificante é um presente imerecido, e o maior presente que recebi da Ordem, o mais vivificante, é o dom da filiação.

Como todo o dom que vem da mão de Deus, saboreamo-lo com a consciência de que somos pecadores, pobres, perdoados e resgatados. Somos acolhidos como o filho pródigo, quando volta para o Pai (Luc 15, 11-32), ou como a menina a quem ele disse “Talitha Kumi” (Mat 5, 41, ou como Lázaro saído do túmulo (Jo 11, 44). O Pai acolhe-nos por meio do Filho que, nos seus dias mortais exclamou: “Ninguém me tira a vida, eu a dou livremente” e que aprendeu a obediência pelo sofrimento (cf 10, 18; Heb 5, 8).

Ora vivemos no centro de uma crise global em que a vida é arrastada quase de forma impercetível para uma desolação terrível: um mundo de guerra, de pandemia, de fome, de morte, de ódio, um mundo de egoísmo extremo, desintegrado e desintegrante.

O mundo da comunicação tecnológica também abriu suas asas e atrai instantaneamente, a informação é rápida, abundante e variada. Ainda não tivemos tempo para cuidar de tudo o que é oferecido, e já outras propostas chegam; e entramos pouco a pouco num modo pré-estabelecido de comportamento na sociedade. Deixamos de pensar, de nos interrogar sobre o além, sobre o porquê das coisas, tornamo-nos como que anestesiados, deixamo-nos entrar na sociedade cansados, tornamo-nos indiferentes, perdemos o gosto pela vida, preferimos não ter problemas, não arriscar, e fechamo-nos à ideia de que a vida é algo que se recebe. E no entanto, ao mesmo tempo há no coração humano um desejo que aspira ardentemente e que grita, procurando o encontro com Deus. Um desejo que reconhece que recebemos a vida, e que por causa disso podemos transmiti-la, pois ninguém pode dar o que não tem, e é somente transmitindo a vida que ela se mantém em nós e passa para os outros. Porque somos à imagem e semelhança de Deus (cf. Gen 1, 26) temos em nós uma marca que grita, desejando o encontro com o seu Criador, um movimento contínuo nos habita que caminha para o encontro entre Deus e eu, através de uma relação entre um Tu e um Eu. Por isso a nossa vida é feita para os outros, e é somente através dos outros que podemos nos encontrar.

Concretamente somos chamados a olhar, a lutar pela vida de Deus e a servi-la nos outros, em cada irmão da comunidade, com esse otimismo antropológico cisterciense, que afirma energicamente que a última palavra sobre o homem nunca será o pecado, mas o dom de Deus, o fato de ser feito à sua imagem e semelhança.

Quer tenhamos consciência, ou não, cada ser humano tem em si a marca daquilo para que Deus o criou, e que somos seus filhos. Pois o desejo mais profundo do coração humano é ficar diante da face de Deus, aderir a ele com toda a liberdade.

A vida começada por um desejo lancinante, situada num espaço e num tempo concretos, no hoje, começa a tomar forma por meio do despertar da íntima relação com Deus, do dom da filiação que temos com Ele. A filiação recebida por meio do Filho Jesus Cristo, que deixou sua marca em nós, impressa em cada átomo do nosso ser e em toda a criação. Uma marca que procura o seu Criador e nos faz filhos para sempre.

Comunidade de Quilvo. © AIM.

Somos filhos de Deus, marca que não se apaga, mas a relação que temos com Deus, o dom da filiação, forma-se através da relação com pessoas concretas, e num lugar concreto. A contemplação de Cristo, a relação direta com Ele na escuta, como no encontro com a Palavra viva é a base para poder viver com fé e obediência a relação com a comunidade, o abade e a Ordem. Apoiados sobre a tradição da Ordem, os costumes da casa na continuidade da vida, sobre testemunhas concretas  que deram sua vida por nós, e que a dão hoje, vivemos o dom de dar a nossa vida a Deus na relação com os outros. Minha vida dada a Deus concretiza-se amando minhas irmãs e o dom que recebo de Deus recebe-se das mãos delas. Minha relação com os outros reflete a minha relação com Deus e vice-versa.

A gratuidade do dom recebido, o fato de me saber amada é a minha garantia, nada se perde quando tudo é oferecido; é somente por meio da ação de graças que minha vida tem gosto e côr. Reconhecer- me como filha amada, livre, pobre, pecadora que precisa de perdão e de amor.

A vida comunitária, com os olhos fixos num fim único, Cristo, é uma escola de sabedoria e de energia poderosa, e a nova resposta ao individualismo que tanto nos afeta hoje. É a expressão mais autêntica do fato que somos criados para a relação: é somente através dos outros que posso ver quem sou e caminhar assim para Cristo; o espelho dos outros permite-me reconhecer-me, situar-me numa realidade, ver meu caminho para saber onde estou, ter a luz que preciso para viver a conversão que Deus me pede, e que não consigo sem os outros.

A força para este elan de conversão está em reconhecer-me miserável e me saber objeto de misericórdia, sustentada pelo Cristo através de minhas irmãs de comunidade, reconhecê-lo no concreto da vida, que serve de trampolim para me levar a viver o dom da obediência, como resposta ao amor recebido.

Este caminho da obediência cristifica-me, pois é o modo de ser do Filho Jesus Cristo. É o nosso modo de amar, a condição da realização plena. A obediência é a nossa oração, e para que isso seja possível é necessário ajoelhar-se diante do mistério de Cristo feito carne, quer vivendo-o no Ofício, quer escutando-o na lectio, quer ficando em silêncio, quer no serviço que me é pedido cada dia. É o caminho, o sustentáculo, a fonte da nossa fé no Filho de Deus que se fez homem.

Para que isso seja possível, é necessário que a obediência seja acompanhada pela alegria, uma alegria nem artificial, nem fingida, me mostrando feliz mas machucada por dentro, ou isenta de sofrimento. Mas uma alegria que seja sempre pascal, feita da cruz e da glória de cada dia. Se a obediência não for vivida com alegria, não é verdadeira obediência; deve partir da raiz de ser filhos, herdeiros e amados; e como filhos somos livres, felizes e desejosos de responder a este amor da forma mais plena, como Cristo o fez e nos ensinou com sua obediência.

A confiança, a certeza de ser filha de Deus, vivendo num tempo e num espaço concretos, em que cada segundo é um novo nascimento para a vida plena com Cristo. Isto é a respiração do nosso organismo, a batida do nosso coração. É viver na sua presença, alegrar-se com o desenrolar do dia e com a comunidade que Deus me deu. É cultivar  a alegria em nós e naqueles que vêm, ajudando-os a reconhecer o desejo pessoal e comunitário de felicidade e de verdade, e isto não está nas observâncias nem num número maior de irmãs. Mas vai mais longe, está na procura e na qualidade e na profundidade da relação com Cristo, fruto do modo comum do sentir e da vontade para andar no caminho da plenitude presente, e assim ir todas juntas para a vida eterna (RB 72, 12).

Não se trata de alcançar ou de depender dos frutos espirituais do caminho da comunidade, nem da morte ou da vida da comunidade, mas da perfeita conformidade com a vontade de Deus. Sem esta consciência da alegria de viver com Deus, tornamo-nos áridas, sem gosto e sem entusiasmo. Perdemos a chama que nos fez querer a vida e viver como verdadeiros cristãos; enchemo-nos de amargura, que é a inimiga da vida. Quem vive verdadeiramente está pronto para dar a vida. Quantas vezes nos agarramos às nossas seguranças, aos nossos esquemas para não dar a vida, e esquecemo-nos de viver? Devemos viver com o desejo de acompanhar o Cristo na sua paixão até à ressurreição.

Devia haver nos nossos corações uma alegria pronta para jorrar para a vida aberta para a novidade, para nos reconhecermos livres e abertas para receber e dar o perdão. Devia me abrir a formas novas, objetivos novos, devia examinar-me e ver que coisas outrora davam vida e agora não dão. Devia eliminar preconceitos, arriscar, ousar, inovar, nunca me limitar, identificar-me com os outros, ser jovem com os jovens, criança com as crianças, venerar os anciãos. Procurar sempre a vida… deixar que os outros nos atrapalhem!

Quantas vezes nos agarramos aos nossos critérios e não deixamos entrar a graça nova que Deus nos oferece a cada instante? Quantas vezes nos agarramos a nós mesmos e não sabemos reconhecer o bem nas ações dos outros? Quantas vezes nos agarramos às estruturas e esquecemos que as estruturas devem estar a serviço da vida nova dada pelo Espírito Santo no nosso caminho? Há tanto sofrimento no mundo… e eu não sou capaz de ter compaixão pela irmã que está a meu lado?

Devemos aprender (como o Filho aprendeu cf. Heb 5, 8-9) de cada acontecimento, e dos outros, com toda a novidade e particularidade que o distingue, que o outro traz algo à minha vida. Devo ser uma fonte disponível para todos, ser recetiva e receber, vivendo aberta aos outros, amando-os a cada instante, sem essas fantasias românticas sobre o bem, que canonizam o nosso mal, e dissimulam a necessidade de conversão, mas com realismo. Para amar e aceitar plenamente como são, aqueles que Deus pôs perto de mim, sem criticar, sem queixas, nem resistências, mas com uma misericórdia lúcida, valorizando-os, sem me deixar levar pelo mal que cometeram, mas acreditando na boa vontade e no bem que se encontra em cada um.

Assim me deixo fazer e formar pelos outros. É somente por meio de pessoas concretas, com nomes e rostos concretos que posso me deixar formar por Deus. É somente por meio da mediação humana dos outros que posso deixar Deus agir em mim e encarnar em mim. O outro é o sacramento da vontade de Deus na minha vida.

A regra de vida nos nossos mosteiros é viver na obediência filial, de modo concreto e segundo o carisma da nossa Ordem, numa comunidade, sob uma regra e um abade, com o olhar fixo na vida eterna e com o condimento saboroso da fé. A filiação divina faz-se carne graças a estes três pilares fundamentais:

– Comunidade: é o lugar aonde me posso deixar fazer por meio do Senhor através dos outros. É o Corpo-Igreja aonde acontece o encontro com Deus, aonde todos somos membros e o Cristo é a cabeça. Nossa comunidade é o Corpo de Cristo, é uma Igreja monástica que vive em comunhão com a Igreja universal.

É o lugar aonde recebo o perdão e a vida cotidiana, é o lugar aonde aparece a minha miséria, aonde faço a experiência das minhas fraquezas, dos meus limites, dos meus pecados, e aonde sou carregada, me reconhecendo amada apesar da minha pobreza. É o lugar onde posso abrir minhas asas e ir para Cristo através do serviço aos outros, pelo trabalho e pelo dom de mim mesma.

– Abade / abadessa: é a pessoa que faz as vezes de Cristo no mosteiro, é o abade, a abadessa da comunidade que vive para a servir; e a comunidade forma o seu abade, sua abadessa. A pureza de coração é fundamental na minha relação com meu abade / abadessa, a verdade comigo mesma para viver essa relação, reconhecer minhas amarguras, minhas obscuridades, minhas inconsequências, minha luzes e meus sucessos, poder ser transparente com ele, saber-me filho / filha dessa pessoa concreta, que representa a Cristo.

– A Regra: é a estrutura vital da nossa vida; sua forma é cristocêntrica e dá-nos a maneira concreta para viver o evangelho. Viver, não realizar. Porque todas as nossas ações têm irradiação no mundo inteiro. Irradiação que não depende do nosso mérito, ou falta de mérito, mas do encontro com Cristo, como diz o Sal 33, 5 “olhai para ele e sereis irradiantes”.

A radicalidade da nossa vida para viver o encontro com Cristo a partir de uma humanidade, num tempo e num mundo concretos, faz o encontro com nossos irmãos concretos. No aqui e no hoje que olham para a eternidade. Todos os elementos da nossa vida se encontram nesta realidade do hoje. Fazer o que tenho que fazer, estar aonde devo estar, é a nossa oferenda, é a nossa oração.

Podemos encontrar estes aspetos na nossa Ordem. A paternidade e a maternidade espirituais são vividas e ajudam-nos nos gerando mutuamente. Mas são sempre um desafio.

A filiação que devemos oferecer a Cristo, a cada momento, é um testemunho vivo no interior da Ordem, a relação com o Abade Geral, a Casa Mãe, o Pai Imediato, as casas filhas e irmãs, a interdependência mútua, aonde a respiração e do coração comum são o Cristo. Somos filhos numa comunidade concreta, que pertence a uma Ordem concreta, regida por uma estrutura sólida, onde o que domina sempre é esta união filial de amor que temos entre nós. Isto expressa o fato real de ser gerado, de receber uma identidade, um rosto, das mãos de um outro que faz o lugar de Cristo. Esta filiação não é sentimental, mas evangélica; por isso é um caminho de fé, muito mais profundo do que as aparências.

O amor de Cristo por cada um de nós, reconhecer-se amado por Deus e reconhecer o amor de Deus nos outros, viver o eterno presente da realidade cotidiana, é o dom mais precioso que podemos experimentar, é a própria Vida. É viver enraizados na realidade presente, com a consciência de estar imersos numa vida transitória, cujo destino final é Deus.

Viemos para viver com Cristo, a morte a si mesmo é a condição para viver; a vida borbulha, renova-se, é sempre um presente que temos de agradecer, porque o maior dom de Deus é a vida, e a capacidade de a saborear dá paz para assumir conscientemente e com alegria o sentimento do nosso destino livremente escolhido, como resposta a um amor que nos ama e nos escolheu por primeiro (1 Jo 4, 19).

É somente crescendo que podemos ajudar os outros a crescer em Cristo e desenvolver uma paternidade ou maternidades espirituais, em resposta ao fato de sermos filhas e filhos de Deus.

Devemos viver num mundo do além, em que os sonhos se tornam realidade, e ver já no presente a luz do amor de Deus, que será a vida futura. Isso é viver unida a Cristo, com os olhos fixos nele, enfrentando o cotidiano à essa luz, com o olhar voltado para a cristificação total nele, com tudo e com todos.

Sejamos agradecidos pelo que não merecemos, perdoando o que já nos foi perdoado, e acima de tudo amemos sempre e a cada instante com o amor que só um filho de Deus pode entender, o de Cristo.

 

Que a Virgem Maria nos guie com seu amor de Mãe, para esta união íntima, ousada, viva, reconhecida, com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Amém.



Discurso de abertura do Capítulo Geral da Ordem cisterciense

6

Perspectivas

Dom Mauro-Giuseppe Lepori, OCist

Abade Geral OCist

 

Discurso de abertura do Capítulo Geral

da Ordem cisterciense

 


Nos encontramos depois de 7 anos desde o último Capítulo Geral. Não foram anos fáceis de atravessar, marcados pela pandemia do Covid-19, pela crescente fragilidade das nossas comunidades, por algumas demissões de superiores em seguida a graves irregularidades e abusos de poder.

Muitos rostos mudaram na formação do nosso Capítulo Geral: 7 Abades Presidentes mudaram, e temos mais uma Congregação, a de Santa Gertrudes Magna. O Abade Presidente Eugenio Romagnuolo, de Casamari, infelizmente nos deixou, vítima do Covid, já em abril de 2020. Há cerca de 43 novos superiores e superioras (a metade dos membros do Capítulo Geral), entre os quais 7 administradores. 13 comunidades perderam seu status de sui juris por vários motivos. Há apenas um superior de um novo mosteiro sui juris, o de Phuoc Hiep, no Vietnã. Grandes figuras de Superiores da Ordem terminaram seu fiel serviço. Madre Gemma Punk de Regina Mundi, renunciou após 75 anos como superiora. Agora sabemos que ela “reinou” por mais tempo que a rainha Elizabeth! Madre Rosaria Saccol, de S. Giacomo di Veglia, deixou o ofício abacial depois de 51 anos e retornou santamente ao Pai em 23 de novembro de 2021. Madre Irmengard Senoner de Mariengarten terminou há pouco o seu serviço depois de 39 anos de abaciado.

Costumo mencionar os superiores que, além dos mencionados,  retornaram à Casa do Pai nos últimos anos: o abade presidente emérito da Congregação de Maria Mediadora de Todas as Graças, Dom Gerardus Hopstaken; o abade presidente emérito da Congregação da Sagrada Família, Dom Jean Lam; o abade presidente emérito da Congregação de São Bernardo na Itália, Dom Ambrogio Luigi Rottini; Madre Consolata de Frauenthal, Madre Assunta de S. Susanna, Dom Bao de My Ca, Abade Christian de Rein, Abade Denis de Dallas, Madre Presentación Muro de Santo Domingo de la Calzada, Madre Agnes de Kismaros. Outra perda dolorosa para a Ordem foi a morte prematura do Padre Sebastiano Paciolla, ocorrida em 22 de junho de 2021.

Os membros do Capítulo Geral com direito a voto em 7 anos diminuíram de 100 para 87. Os membros da Ordem, não obstante os países como o Vietnã e algumas comunidades na Europa e Estados Unidos que tem bastante vocações, diminuíram de cerca de 2500 para 2217.

Como dizia ao Santo Padre encontrando-o no dia 13 de junho passado: “Temos mais dificuldade para caminhar, mas caminhamos mais juntos”. Francisco respondeu-me citando um ditado africano: “Se queres caminhar rápido, caminha sozinho, mas se queres caminhar seguro, caminha junto com os outros”.

Sim, penso que caminhamos mais juntos, mas nem sempre e nem com todos. No fundo, veremos com este Capítulo Geral se ao Papa eu disse a verdade ou uma mentira. Espero que não me obrigueis a ir confessar-me! Para que deve servir um Capítulo Geral? A Carta Caritatis nos repete há 903 anos: “Tratamos da salvação de suas almas; damos disposições quanto à observância da santa Regra ou da Ordem, se houvesse qualquer coisa a corrigir ou a incrementar; restaurem entre si o bem da paz e da caridade” (CC VII, 2).

Nisto, ela retoma tantas exortações apostólicas, como aquela que São Paulo dirige aos Efésios:

“Exorto-vos, pois, que leveis uma vida digna da vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e amabilidade, com grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos (...).

Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo. É por ele que todo o corpo – coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria – efetua esse crescimento, visando à sua plena edificação na caridade” (Ef 4,1-6.15-16).

O Papa Francisco, em todas as suas exortações destinadas a reavivar a natureza sinodal da Igreja, ajuda-nos a redescobrir o nosso carisma cisterciense, próprio como um «caminhar juntos» de comunidades reunidas por uma mesma vocação, por uma única esperança, uma única fé, uma única caridade. Em minhas cartas e em algumas conferências destes últimos 4 anos, procurei estimular entre nós esta consciência sinodal de nossa vocação e missão, independentemente das diferenças de observância e estilo que vivemos em nossas comunidades individuais ou Congregações. Nisto me ajudou muito o reencontrar-me para participar em vários encontros da Igreja: o Sínodo dos Bispos de 2018 dedicado aos jovens, o encontro no Vaticano em fevereiro de 2019 sobre o tema dos abusos na Igreja, depois o início do caminho sinodal de toda a Igreja nos dias 9 e 10 de outubro de 2021, caminho que culminará com o Sínodo dos Bispos do próximo ano. Também me estimulou nisto a surpresa de ser eleito para o Conselho executivo da União dos Superiores Gerais e a surpresa ainda maior de ser eleito vice-presidente desta União. Não é um serviço que me requer muito trabalho, felizmente, mas que me ajuda a estar mais atento ao que pulsa na Igreja universal e no mundo. Procurei tornar a Ordem participante desta consciência. Me dei conta de quanto as outras Ordens religiosas estão atentas a nossa experiência e sensibilidade monástica no enfrentar os problemas e sobretudo no viver a missão da Igreja. É importante que sejamos conscientes disso, porque não é tanto o papel de abade geral que me habilita para esta tarefa, quanto a vocação que partilho com cada um de vós.

Dizia o Papa no seu discurso por ocasião do início do caminho sinodal, exatamente há um ano, em 9 de outubro de 2021:

“Comunhão e missão correm o risco de permanecer termos meio abstratos, se não se cultiva uma práxis eclesial que se exprima em ações concretas de sinodalidade em cada etapa do caminho e da atividade, promovendo o efetivo envolvimento de todos e cada um. Naturalmente celebrar um Sínodo é sempre bom e importante, mas só é verdadeiramente fecundo se se tornar expressão viva do ser Igreja, dum agir caraterizado por verdadeira participação.

E isto, não por exigências de estilo, mas de fé. A participação é uma exigência da fé batismal. De facto – como afirma o apóstolo Paulo – ‘num só Espírito, fomos todos batizados para formar um só corpo’ (1 Cor 12, 13). O ponto de partida, no corpo eclesial, é este e mais nenhum: o Batismo. Dele, nossa fonte de vida, deriva a igual dignidade dos filhos de Deus, embora na diferença de ministérios e carismas. Por isso, todos somos chamados a participar na vida da Igreja e na sua missão. Se falta uma participação real de todo o Povo de Deus, os discursos sobre a comunhão arriscam-se a não passar de pias intenções.” (Momento de reflexão para o início do percurso sinodal, Discurso do Santo Padre Francisco, 9.10.2021).


Participar na missão da Igreja

“Todos somos chamados a participar na vida da Igreja e na sua missão”, disse Papa Francisco. Gostaria de sublinhar esta frase, porque nos torna conscientes que encontrar-nos e trabalhar juntos não é uma tarefa só para nós mesmos, mas deve ser animado por um sopro universal. Certo, devemos, como nos pede a Carta Caritatis, tratar da salvação de nossas almas, dar disposições acerca da observância da santa Regra ou da Ordem, corrigir ou incrementar a vida de nossas comunidades e restaurar entre nós o bem da paz e da caridade (cf. CC VII,2). Mas se em tudo isso não pensamos na missão de toda a Igreja, isto é, se não pensamos na salvação de todo o mundo, todo o trabalho sobre nós mesmos será narcísico, estéril, não dará frutos, nem mesmo para nós mesmos. Porque desde o início nossa Ordem permaneceu unida e trabalha para sua própria conversão “desejando beneficiar aos membros da Ordem e a todos os filhos da santa Igreja - prodesse illis omnibusque sanctae Ecclesiae filiis cupientes” (CC I,3). Os filhos da Igreja significam toda a humanidade. Somos chamados a ser pais e mães, irmãos e irmãs de toda a humanidade. Não a humanidade em abstrato, mas a humanidade que hoje no mundo nasce, vive, trabalha, sofre, morre. Não devemos nos sentir estéreis e inúteis se não tivermos vocações ou se devemos fechar alguns mosteiros. Devemos nos sentir estéreis e inúteis se vivemos a nossa vocação sem esta paixão por toda a humanidade.

O Papa fala sempre de «Igreja em saída», isto é, da paixão missionária que faz com que a Igreja se esforce por alcançar cada ovelha desorientada e afastada do rebanho de Cristo. Também nós, respeitando as características mais contemplativas ou mais apostólicas  de cada uma das nossas Congregações e comunidades, devemos encontrar e reavivar esta irradiação missionária, para permanecermos vivos e sobretudo felizes pela alegria do Evangelho. Como escreve ainda o Papa na Evangelii Gaudium:

“Cada cristão e cada comunidade discernirão qual o caminho que o Senhor pede, porém todos somos convidados a aceitar este chamado: sair do próprio conforto e ter a coragem de chegar a todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20).

Às vezes ficamos tristes e descontentes, sensíveis e caprichosos, simplesmente porque esquecemos o sofrimento do mundo, esquecemos a pandemia, a pobreza, a guerra, a fome, a vida sem sentido de tantos homens e mulheres, de tantos jovens. Esquecemos a dor inocente de tantas crianças, a insegurança em que vivem tantas famílias, as dificuldades econômicas e sociais que os leigos enfrentam.  Esquecemos os cristãos perseguidos, esquecemos os mártires. Esquecemos os migrantes. Esquecemos a tristeza dos pecadores que não encontram o Redentor. Em suma, esquecemos todas as ovelhas perdidas sem pastor, ou seja, esquecemos a compaixão de Cristo pela humanidade (cf. Mc 6,34).

Quantas vezes, encontrando-me confrontado, juntamente com alguns de vós, com problemas que nunca se resolvem, nos quais se reacendem continuamente os conflitos, as reivindicações, as desobediências, as infidelidades, falamos a nós mesmos: mas o que tudo isso tem a ver com a salvação do mundo e, portanto, com Cristo que veio viver, sofrer, morrer e ressuscitar para nos salvar?

Mas é reconfortante ver que a maioria das comunidades e das pessoas vivem com essa consciência missionária, e isso torna sua vida grande e irradiante, mesmo e sobretudo quando as circunstâncias, as condições, a saúde, os obrigam a reduzir a ação. Quem ama muito, mesmo que não possa fazer nada, age como Deus!

Muitos irmãos e irmãs têm, por assim dizer, um “coração em saída”, isto é, um coração eclesial, missionário, mesmo e sobretudo se só podem rezar, e sobretudo oferecer tudo pela salvação do mundo. Fico feliz em ver um pouco em todo o mundo que tantos jovens em nossas comunidades têm esse sentido universal de nossa vocação, e isso nos enche de esperança.

É com esta esperança que dou início ao nosso Capítulo Geral, sobre o qual já invocamos o Espírito Santo e continuaremos a invocá-lo, fazendo epíclese sobre tudo aquilo que viveremos, diremos, pensaremos, experimentaremos nestes dias, afim de que tudo seja oferecido ao Espírito para que em tudo encarne Cristo Redentor, Misericórdia do Pai, como no seio de Maria, Mãe da Igreja, Mãe de Cîteaux.

Trecho do discurso do Papa Bento XVI (2008)

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Méditation

Em homenagem ao Papa Bento XVI (1927-2022)

 

O carácter exemplar da vida monástica

na história


Trecho do discurso do Papa Bento XVI

à Congregação para os Institutos de Vida Consagrada

e as Sociedades de Vida Apostólica (20/11/2008)

 

 

[…] Também recentemente (cf. Discurso ao mundo da cultura, Paris, 12 de Setembro de 2008), desejei evidenciar a exemplaridade da vida monástica na história, sublinhando o modo como a sua finalidade é simples e ao mesmo tempo essencial: quaerere Deum, buscar Deus e procurá-lo através de Jesus Cristo, que O revelou (cf. Jo 1, 18), procurá-lo fixando o olhar nas realidades invisíveis, que são eternas (cf. 2 Cor 4, 18), na expectativa da manifestação gloriosa do Salvador (cf. Tt 2, 13).

Christo omnino nihil praeponere (cf. RB 72, 11; Santo Agostinho Enarr. in Ps. 29, 9; Cipriano, Ad Fort 4). Esta expressão, que a Regra de São Bento retoma da tradição precedente, exprime oportunamente o tesouro precioso da vida monástica praticada até hoje, tanto no Ocidente como no Oriente cristão. Trata-se de um convite urgente a plasmar a vida monástica, a ponto de fazer dela a memória evangélica da Igreja e, quando é autenticamente vivida, «exemplaridade de vida baptismal» (cf. João Paulo II, Orientale lumen, 9). Em virtude do primado absoluto reservado a Cristo, os mosteiros são chamados a torna-se lugares onde se cria espaço para a celebração da glória de Deus, se adora e se canta a misteriosa mas real presença divina no mundo, onde se procura viver o mandamento novo do amor e do serviço recíproco, preparando deste modo a final “manifestação dos filhos de Deus” (Rm 8, 19). Quando os monges vivem o Evangelho de modo radical, quando aqueles que se dedicam a uma vida integralmente contemplativa cultivam em profundidade a união esponsal com Cristo, sobre a qual reflectiu amplamente a Instrução desta Congregação Verbi Sponsa (13 de Maio de 1999), o monaquismo pode constituir para todas as formas de vida religiosa e de consagração uma memória daquilo que é essencial e tem o primado em cada vida baptismal: buscar Deus e nada antepor ao seu amor.

A vida indicada por Deus para esta busca e para este amor é a sua própria Palavra, que nos livros das Sagradas Escrituras se oferece generosamente à reflexão dos homens. Portanto, o desejo de Deus e o amor pela sua Palavra alimentam-se reciprocamente e geram na vida monástica a exigência insuprimível do opus Dei, do studium orationis e da lectio divina, que é escuta da Palavra de Deus, acompanhada pelas grandes vozes da tradição dos Padres e dos Santos, e depois oração orientada e sustentada por esta Palavra. A recente Assembleia geral do Sínodo dos Bispos, celebrada em Roma no mês passado sobre o tema: A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, renovando o apelo a todos os cristãos, a arraigarem a sua existência na escuta da Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras, convidou especialmente as comunidades religiosas, assim como cada homem e cada mulher consagrados, a fazer da Palavra de Deus o alimento quotidiano, de modo particular através da prática da lectio divina (cf. Elenchus praepositionum, n. 4).

Chers frères et sœurs, celui qui entre dans un monastère y cherche une oasis spirituelle où apprendre à vivre en véritable disciple de Jésus dans une communion fraternelle sereine et persévérante, en accueillant également des hôtes éventuels comme le Christ lui-même (cf. RB 53, 1). Tel est le témoignage que l’Église demande au monachisme également à notre époque.

Prezados irmãos e irmãs, quem entra no mosteiro procura aí um oásis espiritual onde aprender a viver como verdadeiro discípulo de Jesus em serena e perseverante comunhão fraterna, acolhendo também eventuais hóspedes como o próprio Cristo (cf. RB 53, 1). Este é o testemunho que a Igreja pede ao monaquismo também nesta nossa época. Invoquemos Maria, a Mãe do Senhor, a “mulher da escuta”, que nada antepôs ao amor pelo Filho de Deus que dela nascera, a fim de que ajude as comunidades de vida consagrada, e especialmente as monásticas, a serem fiéis à sua vocação e missão. Possam os mosteiros ser cada vez mais oásis de vida ascética, onde se sente a fascinação da união esponsal com Cristo e onde a opção do Absoluto de Deus é envolvida por um constante clima de silêncio e de contemplação. Enquanto por isso asseguro a minha prece, concedo de coração a Bênção Apostólica a todos vós que participais na Plenária, a quantos trabalham na vossa Congregação e aos membros dos vários Institutos de vida consagrada, de forma especial aos de vida integralmente contemplativa. Que o Senhor derrame sobre cada um a abundância das suas consolações.


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Prevenir os abusos nas comunidades de mulheres

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Questões actuais

Isabelle Jonveaux

Socióloga

 

Prevenir os abusos nas comunidades de mulheres

Questionar as estruturas comunitárias

 


O tema dos abusos, especialmente por parte de padres contra crianças, é atualmente onipresente nas notícias eclesiásticas. A questão dos abusos contra monjas e religiosas demorou mais para ganhar visibilidade na mídia. Na Europa, foi principalmente com o documentário da Arte[1] em 2019 que esse tema entrou na consciência do público em geral. No entanto, a luta das religiosas contra esses abusos e para trazê-los à atenção da Igreja começou muito antes, enfrentando muitas dificuldades. Como socióloga da vida monástica, tenho me deparado, ao longo das minhas investigações desde 2004 na Europa e desde 2013 na África, com várias situações de abuso. Mas os abusos geralmente não começam com agressões sexuais; abusos de autoridade e abusos espirituais preparam, de certa forma, o terreno.

Não sendo psicóloga, não trabalho com vítimas ou casos diretos de abuso, mas questiono as estruturas que possibilitam tais abusos. Busco destacar os elementos estruturais que abrem caminho para esses desvios, às vezes invisíveis. Naturalmente, não se trata aqui de considerar que todas as comunidades femininas apresentam indiscriminadamente os mesmos riscos, mas sim de identificar modos de funcionamento que podem favorecer abusos de autoridade, espirituais ou sexuais.

 

1. Questionar as estruturas das comunidades femininas

Identifico aqui cinco níveis de estruturas, cuja combinação pode permitir formas de abuso e eventualmente promover o silêncio das vítimas.

            • Estrutura interna de autoridade nas comunidades femininas

Ficou claro durante as minhas investigações que as estruturas de autoridade são, em média, mais rígidas nas comunidades femininas em comparação com as comunidades masculinas. A autoridade nessas comunidades está muito mais centrada na figura da superiora. Muitas vezes, quando pedia algo a uma irmã em uma comunidade de monjas, como uma entrevista, a resposta era: “Você precisa perguntar à Madre Abadessa”, enquanto os homens frequentemente eram capazes de me dar sua própria resposta. Essa estrutura de autoridade leva ao que a cisterciense Michaela Pfeifer chama de “mentalidade hospitalar”, onde as irmãs não se responsabilizam mais, mas abandonam toda a sua vontade adulta à superiora. Por que a obediência é vivenciada de forma diferente em comunidades que, no entanto, seguem a mesma regra, como as beneditinas? A irmã beneditina americana Shawn Carruth destaca que a obediência foi desenvolvida na Igreja como uma virtude propriamente feminina, associada à humildade, em uma estrutura patriarcal: “A obediência é dada à estrutura patriarcal ao ser dada àqueles que entendem o poder como controle. O silêncio impede as mulheres de expressar nossa própria realidade e nossa própria compreensão da realidade do mundo. [...] A humildade imposta às mulheres nos ensina a aceitar uma posição subordinada e o rótulo de incapacidade que nos é imposto pelas pressuposições patriarcais”. As estruturas de autoridade mais rígidas nas comunidades femininas seriam, nesse sentido, um resquício da autoridade masculina sobre os mosteiros femininos.

     • Estruturas hierárquicas institucionais  e sistemas de acompanhamento

Devido às estruturas hierárquicas institucionais existentes, a maioria das comunidades femininas está sob a autoridade de figuras masculinas. Muitas delas estão diretamente sob a jurisdição do bispo. Em algumas ordens mistas, as comunidades femininas estão sistematicamente acompanhadas por comunidades masculinas, enquanto as comunidades masculinas são sempre acompanhadas por comunidades masculinas. As estruturas de autoridade também se relacionam com a tomada de decisões e a gestão de bens. Além disso, em algumas dioceses, o emprego de religiosas é regulado por contratos específicos nos quais a irmã receberá um salário menor do que um leigo ou um irmão em posição igual.

      • Relações entre comunidades masculinas e femininas

As relações de gênero entre comunidades masculinas e femininas se manifestam nos eventos do cotidiano, especialmente nas diferenças  de status atribuídas aos superiores masculinos. Por exemplo, em uma celebração em um mosteiro beneditino na Áustria, onde representantes de mosteiros vizinhos foram convidados, os abades estavam sentados no coro com os monges, enquanto a priora do mosteiro de beneditinas vizinho estava com algumas irmãs na assembleia. Ainda é raro, como lamentou um beneditino austríaco em uma entrevista, que irmãs preguem retiros para os monges, enquanto a maioria dos retiros para as monjas é pregada por homens. Além disso, é comum, mesmo na Europa, que irmãs apostólicas sirvam padres ou comunidades masculinas, por exemplo, para tarefas de limpeza e cozinha, o que implica diretamente em uma relação não igualitária. Algumas comunidades femininas até foram fundadas com esse propósito.

        • Relações entre comunidades de irmãs e padres

Em algumas comunidades femininas, especialmente em comunidades novas, a figura do padre permanece uma autoridade incontestável.  Isso significa que um padre que tenha se comportado de maneira inadequada em relação a uma irmã, não será questionado. Assim, uma irmã austríaca de uma comunidade nova – que já saiu desde então – me contou que quando um padre visitava a comunidade, as irmãs tinham que interromper tudo o que estavam fazendo para servi-lo.

         • Estruturas espaciais e organização do espaço

As estruturas espaciais às vezes podem favorecer os abusos ou o silêncio que os segue, especialmente em relação aos locais onde as irmãs encontram os padres, bem como a maneira como a autoridade do padre é encenada na igreja. Pude observar, por exemplo, numa nova comunidade uma elevação de cerca de dois metros do presbitério acima do coro das estalas das irmãs, enquanto outras comunidades femininas, pelo contrário, reorganizam a sua capela para induzir uma maior igualdade entre o padre e as irmãs, bem como entre a Liturgia da Palavra e a da Eucaristia no altar durante a Missa.

 

2. A irmã na estrutura religiosa

O segundo nível de questionamento envolve o lugar da irmã individual nessas estruturas. As estruturas de autoridade e obediência operam em três níveis: intelectual, espiritual e corporal.

            a. Nível intelectual

O abuso de autoridade é mais fácil quando a distribuição do conhecimento é desigual. Identifiquei em minhas investigações uma desigualdade significativa no acesso de monges e monjas aos estudos. O acesso mais amplo dos irmãos aos estudos está inicialmente relacionado à função de padre, que envolve pelo menos cinco anos de filosofia e teologia. Assim, na Áustria, 95% dos monges beneditinos têm pelo menos um mestrado. As monjas têm mais dificuldades para acessar estudos e formações, seja porque algumas ordens historicamente cultivaram uma recusa aos estudos por humildade (como as Clarissas), ou porque a clausura mais rígida das comunidades femininas dificulta o acesso a estudos fora do mosteiro. No entanto, a falta de formação intelectual e conhecimento pode levar a diferentes formas de abuso. Uma trapistina na África que havia participado de aulas ministradas por um psicólogo me disse em uma entrevista:

“Às vezes, aqui, como não conhecemos nossos direitos, há coisas que não são normais. [...] Eu vi coisas no mosteiro que às vezes são impostas pelo abade, coisas que não são normais. Às vezes, o jovem tem o direito. [...] Mas porque o abade não conhece bem os direitos dele ou porque o jovem não conhece seus direitos, o jovem sofrerá as consequências. Mas com o doutor, aí sim, vemos claramente que às vezes há coisas que suportamos, mas não deveríamos.”

A falta de conhecimento sobre os direitos definidos para os professos, noviços ou superiores pode levar a situações de abuso que não são reconhecidas como tal pela vítima. Estudos ou outras formações,  ao contrário, podem ajudar a reduzir esses desvios.

            b. Nível espiritual

Na vida religiosa feminina, a autoridade espiritual é exercida tanto pela superiora quanto pelo padre encarregado do acompanhamento espiritual das irmãs. O abuso espiritual ocorre principalmente quando desvios sectários ou abusos de autoridade são justificados de maneira religiosa. Dentro das comunidades de irmãs, esse tipo de abuso ocorre especialmente quando o padre acompanhante da comunidade ou de irmãs específicas é uma autoridade incontestável e quando o acompanhante espiritual ou confessor é imposto pela superiora. Centralizar o poder espiritual em torno de um único padre em um mosteiro de monjas apresenta um risco maior de abuso espiritual.

            c. Nível corporal e intimidade

O nível corporal de intimidade nas estruturas de autoridade da vida religiosa feminina é o que se mostra mais crítico na possibilidade de realização de diferentes formas de abuso. A renúncia à posse geralmente resulta, em grande parte dos mosteiros, na ausência de conta bancária pessoal. Dependendo da configuração, os monges e monjas recebem uma mesada para comprar o que precisam, podem se servir em uma sala de materiais ou solicitar o que precisam. As pesquisas mostraram que a configuração onde absolutamente tudo é recebido e/ou solicitado é mais frequente nos mosteiros de irmãs. Também é mais frequente que as freiras peçam por escrito ao ecónomo, e às vezes até ao superior, o que necessitam. Este sistema torna-se problemático quando aborda a privacidade de cada irmã. Assim, a irmã austríaca citada anteriormente disse que se lavou sem sabonete por dez anos, pois só havia um tipo disponível e ela não podia pedir outro. A questão se torna ainda mais íntima quando se trata da higiene menstrual. Essa irmã também contou que apenas um tipo de proteção higiênica era oferecido e que não era possível solicitar outros tipos. Da mesma forma, um beneditino no Quênia, que acompanha espiritualmente uma comunidade de irmãs que estudei, me disse que as irmãs precisam pedir por escrito tudo o que precisam. Aquelas que não ousam pedir produtos de higiene menstrual precisam se virar com o que encontram, apesar dos riscos para sua saúde. O controle dos corpos em sua intimidade está atualmente se tornando uma forma de ascese que não apenas não é mais plausível, mas também se assemelha a um abuso de autoridade. O corpo e a intimidade são, portanto, locais particularmente centrais para observar os riscos de abuso de autoridade nos mosteiros femininos, que levam as monjas a uma perda de posse de seus corpos que pode abrir espaço para outros tipos de abuso.

 

Conclusão

Isso representa um rápido panorama dos diferentes níveis de estrutura das comunidades femininas que podem - novamente, não se trata de considerá-los sistemáticos, uma vez que o abuso é perpetrado por indivíduos específicos - levar a abusos de autoridade, espirituais ou sexuais. A prevenção de vários tipos de abuso, ocorridos internamente nas comunidades ou por padres ou religiosos contra irmãs, deve, portanto, passar pelo questionamento dessas estruturas. Muitas dessas estruturas são heranças de séculos de dominação masculina na Igreja, bem como de espiritualidades de obediência e humildade exacerbada nos mosteiros femininos, que tendem a diminuir o livre arbítrio. Questionar essas estruturas significa, por um lado, destacar o que pode favorecer os desvios, e que em parte pode ter efeitos no recrutamento, mas também evidenciar o trabalho de algumas comunidades para ajustar essas estruturas e, assim, reduzir os riscos.


[1] Arte: canal de televisão cultural franco-alemão. [Nota do editor].

[2] Michaela PFEIFER, « Le renoncement conduit-il à la liberté ? Réflexion systématique sur l’ascèse dans la RB », Revue de spiritualité monastique, vol. 68 (1), 2006, p. 11.

[3] Shawn CARRUTH, “The monastic virtues of obedience, silence and humility : a feminist perspective”, The American Benedictine Review, 51(2), 2000, p. 126.

A graça de uma fundação e a experiência do retorno

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Testemunho

Dom Robert Igo, OSB

Abade de Ampleforth (Reino Unido)

 

A graça de uma fundação

e a experiência do retorno

 


Quando me pediram em 1995 para ir ao Zimbábue e estabelecer uma fundação monástica, eu tinha cinco boas razões pelas quais não era a pessoa certa. Felizmente, ouvi a voz do Espírito Santo e disse “sim”. Se tivesse ouvido a voz da dúvida e do medo, teria perdido a maior graça da minha vida. Quatro anos de investigação minuciosa pela comunidade de Ampleforth levaram os irmãos a dar um passo de fé, mas poucos provavelmente entenderam completamente o que essa decisão significaria, especialmente aqueles aos quais foi pedido para fazer a fundação. Não existem livros que descrevam claramente as regras básicas para estabelecer uma fundação monástica. É verdadeiramente uma jornada de fé.

As fundações estão longe de serem fáceis e, como o parto, são desordenadas, dolorosas, cheias de medo e ansiedade, mas ao mesmo tempo, transformam a vida. O que vinte e cinco anos me ensinaram? A resposta simples e verdadeira é que aprendi mais do que posso expressar  em uma breve reflexão. Minha estada no Zimbábue abriu minha mente e coração, aprofundou minha fé cristã e minha compreensão da vida monástica.

Desde o início, fomos ao Zimbábue respeitando a nova cultura que estávamos adotando. Aprendemos muito cedo a ser flexíveis e criativos, mantendo-nos abertos ao que a experiência diária nos apresentava. No entanto, estávamos convencidos de que precisávamos ser muito claros sobre a essência da vocação monástica que queríamos compartilhar com os outros: uma vida de fé, fundamentada na Palavra de Deus e guiada pela Regra. Uma vida nutrida pelo Ofício Divino e vivida em uma comunidade forte que subsistia do trabalho de suas próprias mãos. Sentíamos que tínhamos uma semente para plantar, chamada “sabedoria monástica”, e que nossa prioridade era ouvir e aprender no solo onde essa semente deveria ser lançada. A escuta e a vontade de aprender eram valores essenciais.

Antes mesmo de colocar os pés no solo zimbabuense, começamos a voltar ao essencial e revisar os diferentes elementos da Regra de São Bento. Essa reflexão coletiva nos levou à convicção de que precisávamos ser uma comunidade “em formação” para nos tornarmos uma comunidade capaz de formar os outros. Por isso, demos grande importância a construir uma verdadeira comunidade de irmãos, uma família que não apenas rezava junta, mas também trabalhava junta, assumindo a responsabilidade pela cozinha, limpeza, manutenção, etc. Acreditávamos que nossa vida junto era a maior ferramenta de evangelização. Decidimos não aceitar postulantes em nossa comunidade por dez anos, dando-nos tempo para aprender o idioma, a cultura e construir uma família na qual outros pudessem se integrar.


Capela do Mosteiro Christ the Word, Macheke, Zimbábue. © AIM.

Ao tentar nos tornar tal comunidade, enquanto nos adaptávamos a uma cultura diferente, o clima nem sempre era agradável ou confortável. Isso envolveu tempo, tolerância, erros, mal-entendidos e perseverança. As pessoas não se tornam necessariamente uma comunidade simplesmente porque vivem lado a lado no mesmo prédio. Lembrávamos constantemente que a dimensão comunitária era prioritária e que dela surgiria nosso apostolado.

Pensar e refletir sobre a formação foi um presente adicional. Através de nossa reflexão, percebemos que queríamos transmitir principalmente a vida e não apenas costumes. Aprendi de forma concreta o risco de convidar as pessoas a se tornarem membros de um grupo em vez de orientá-las no caminho do discipulado. Essa reflexão coletiva foi em si mesma uma formação vital para a comunidade. Finalmente, nosso documento de formação, “Uma Vida de Transformação”, nasceu e, de fato, toda a comunidade incorporou essa formação;  certamente fomos enriquecidos por toda essa experiência.

A terceira experiência seminal foi o relacionamento com a Igreja em sentido amplo e com a localidade em que vivíamos. Através de retiros no mosteiro e em outros lugares, compartilhando com nossos visitantes e com a confiança que os bispos depositaram em nós, sentimo-nos parte integrante da Igreja local e, portanto, apreciamos muito melhor os desafios e problemas que outros enfrentavam. Isso também era verdade para as pessoas da região. Nossa ação de caridade (ajudar a financiar a educação das crianças, alimentar as famílias necessitadas, prestar um pouco de assistência médica) que pudemos oferecer permitiu um relacionamento real com a população local. As pessoas da região conheciam o mosteiro e conheciam os irmãos. Fazíamos parte de suas vidas.

Uma jornada de fé viva em um ambiente onde a fé era vibrante, viva e crescente era empolgante e cheia de desafios, mas não estava isenta de problemas. Todos os dias tínhamos que confiar em Deus. O que encontrei ao retornar à Europa é uma Igreja que frequentemente parece cansada e envelhecida. Uma Igreja que muitas vezes parece amarrada à sua infraestrutura, que com muita frequência se dá a sua própria missão. Uma Igreja onde a conversa gira em torno da diminuição dos números em vez das oportunidades futuras. Voltar a um mosteiro de longa tradição sedentária, de maior porte e enfrentando um período de transição não foi sempre simples. O contraste entre uma pequena comunidade em crescimento que permitia espontaneidade e senso de família e uma comunidade imersa em estilos de vida institucionais exigia paciência, humildade e sensibilidade. A comparação nunca é útil se levar a favorecer uma coisa em detrimento de outra. Aprendi a respeitar a diferença e a vê-la como uma oportunidade, não como uma ameaça. Sempre amei minha comunidade, quer no Zimbábue, quer em Ampleforth. Na verdade, uma das maiores lições que aprendi é que a qualidade de nossa vida juntos é o que importa, não importa onde estejamos. O testemunho que damos à fé e o cuidado que temos um pelo outro são nosso testemunho do Evangelho da vida. Minha estadia no Zimbábue em um mosteiro jovem e em crescimento, no entanto, me permitiu sonhar.

Portanto, sonho com uma família monástica, não apenas um grupo de monges que vivem no mesmo edifício. Uma família apaixonada pelo Evangelho e que valoriza um encontro vivo com Jesus. Discípulos de Jesus cuja vida de oração é uma porta que os atrai, a eles e aos outros, para a grande sede de Deus e do serviço ao mundo. Uma comunidade de irmãos que reconhece os dons individuais, as necessidades e limitações de cada membro de sua família, cuidando criativamente e de maneira prática uns dos outros, trabalhando na construção de entendimento e confiança mútuos. Uma comunidade onde o amor não é apenas uma palavra piedosa, mas uma experiência vivida e sentida. Uma comunidade onde trabalhamos para criar um senso de pertencimento.

Conselho da AIM em Ampleforth em novembro de 2022. © AIM.

Sonho com uma fraternidade monástica acolhedora e aberta aos outros, especialmente àqueles que estão em busca de fé, significado e propósito. Filhos de São Bento que veem na prática fiel dos votos a primeira ferramenta de evangelização e que têm uma verdadeira missão de introduzir os outros a um relacionamento com Cristo. Uma comunidade que é um recurso espiritual dinâmico para a diocese e além, buscando oportunidades para celebrar a fé com uma variedade de pessoas. Uma comunidade que deseja ser santa e incentivar os outros a fazer o mesmo. Uma comunidade que deseja viver plenamente a sua vida.

Isso é o que minha experiência em uma fundação me trouxe: a capacidade de sonhar com algo diferente; minha experiência de retorno ao lugar onde minha vocação começou, agora como abade, é compartilhar humildemente esse sonho com os outros.



Irmã Josephine Mary Miller

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Grandes figuras da vida monástica

Irmã Marie-Paule Bart, OCBE

Cisterciense Bernardina de Esquermes

 

Irmã Josephine Mary Miller

(1948-2022)


Josephine Miller nasceu em 16 de abril de 1948, em Exeter, Devon. Quando ainda era muito jovem, seus pais se mudaram para a costa leste e se estabeleceram em Southend-on-Sea, Essex. Essa cidade, na foz do rio Tâmisa, ela consideraria sua terra natal. Ao longo de sua vida, ela manteve um profundo apego a essa cidade.

A família era composta por três filhas: Josephine era a segunda, precedida por Elizabeth e seguida por Anne. Todas as três frequentaram a St. Bernard’s Convent High School em Westcliff-on-Sea. Esta escola era administrada pelas Cistercienses Bernardinas de Esquermes.

O primeiro contato de Josephine com as Bernardinas ocorreu quando ela tinha apenas quatro anos, quando se tornou aluna na Lindisfarne Preparatory School, uma pequena escola primária também dirigida pelas Bernardinas. Segundo suas próprias palavras, foi muito jovem quando começou a desejar ser religiosa. Aos 18 anos, em setembro de 1966, ela ingressou no noviciado das Bernardinas no Mosteiro Notre-Dame de La Plaine, na França. Uma experiência fundamental que ela descreveu assim:

“Eu entrei no noviciado na França logo após o Concílio, quando mal se começava a falar de aggiornamento, muito menos de inculturação. Sendo inglesa e muito jovem, eu era incapaz de discernir o que era monástico e cisterciense, o que era estilo de vida francês, o que poderia e deveria mudar, eu estava perdida; com uma mestra de noviças muito sábia e muito santa, mas que tinha mais do que três vezes a minha idade. Nossas conversas eram bastante curtas! No entanto, o Senhor assumiu o controle; Ele me fez descobrir as antífonas do Advento, depois as antífonas do ‘O’, depois os responsórios das Vigílias de Natal, em latim, e eu estava no caminho. Meu amor pela liturgia, depois pela Bíblia, depois pela vida monástica, data dessa experiência.

Na minha opinião, o que descrevi foi uma experiência muito cisterciense, mesmo que eu absolutamente não soubesse disso na época. O Senhor tomou a iniciativa, reacendeu uma fé que começava a vacilar, proporcionou uma primeira experiência de alegria espiritual, ensinou-me a saborear a Palavra de Deus sem negligenciar a inteligência, mesmo que esta fosse apenas o ponto de partida. Foi uma experiência cisterciense: humana, espiritual e muito simples”[1].

Essa experiência seria a base de sua vida, e ela aprofundaria esse sulco com paciência, perseverança e simplicidade.

De fato, Irmã Josephine Mary amava a vida monástica, que vivia com o coração, simplicidade e autenticidade. Ela amava a liturgia, da qual se alimentava diariamente: as leituras, as antífonas e as orações estavam firmemente ancorados em sua memória e moldavam sua vida cotidiana. Ela participava dessa liturgia comunitária como cantora (tinha uma bela voz) e como responsável. Foi por isso que desempenhou um papel determinante na renovação da liturgia das Bernardinas inglesas nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II. Sua fé era profunda e sua vida espiritual era alimentada por sua paixão pelos escritos de São Bernardo.

Embora mantivesse uma certa reserva na comunidade, Irmã Josephine Mary possuía uma autoridade moral natural, apreciada e respeitada por suas irmãs. Ela prestava muita atenção às pessoas e sabia ouvir. Assim, irmãs, oblatos, amigos, outros superiores monásticos, clérigos de outras confissões buscavam seus conselhos, apreciavam seu acompanhamento e valorizavam seu apoio. Ela desejava o melhor para cada um, incentivando-os em seu crescimento espiritual e humano.

Com grande habilidade para idiomas, ela ensinou inicialmente na St. Bernard’s Convent em Westcliff-on-Sea, depois em Slough, até sua eleição como Priora Geral em 1990. Grande pedagoga, excelente professora, ótima guia, ela sabia extrair o melhor das pessoas, confiando nelas, mas também sendo exigente. A partir de 1978, ela serviu a Ordem como mestra das noviças em Slough, de 1978 a 1990, Priora Geral de 1990 a 2008 e Priora em Hyning de 2008 a 2020.

Como Priora Geral, ela liderou o delicado processo de reestruturação na França, devido à diminuição das vocações: o fechamento de uma escola profissional, a retirada da comunidade de Cambrai e a transferência da escola para a tutela diocesana. Na Inglaterra, também foi necessário acompanhar o discernimento que resultou na retirada da comunidade da St. Bernard’s Convent Grammar School em Slough, transferida para a diocese, e no estabelecimento de uma comunidade em Brownshill, Gloucestershire. No Japão, com a comunidade envelhecendo, chegou o momento de transferir as escolas para outra congregação e estabelecer a comunidade em um novo local.

A situação das comunidades de Goma e Buhimba durante os eventos de 1994 em Ruanda foi ainda mais difícil, seguida pela fuga das irmãs de Buhimba em 1996, algumas das quais não puderam ser localizadas por semanas, tão longe da Casa Geral... Ela também acompanhou e apoiou a busca por um novo local na África e a fundação do Mosteiro Notre-Dame de Bafor, em Burkina Faso.

Ao final de seu mandato, ela acolheu o desejo das irmãs do Japão de que a Ordem fundasse outro mosteiro na Ásia, para que o carisma das Cistercienses Bernardinas permanecesse neste continente e que o mosteiro do Japão, ao desaparecer, desse ainda origem a um novo broto. Isso foi plenamente implementado pela Priora Geral seguinte.

Irmã Josephine Mary escreveu, ao reler esses anos:

“Eles foram um período muito agitado... Nossa fé e esperança foram testadas, às vezes de maneira muito dura, e temos quase certeza de que isso continuará... Temos que procurar, descobrir progressivamente e juntos os caminhos que teremos que seguir. Poderíamos facilmente desistir e ficar desanimados; parece-me que o Senhor nos convida, em vez disso, a perseverar, a orar mais, a purificar nossa fé, a confiar, a construir juntos algo muito modesto, mas autêntico”[2].

Os diferentes serviços que lhe foram solicitados, primeiro na comunidade e na Ordem, depois no exterior, além das fronteiras, permitiram-lhe compartilhar amplamente e fraternalmente os frutos de sua experiência com o mundo monástico: palestrante em conferências e sessões, facilitadora de discernimento comunitário, acompanhante em muitas visitas regulares tanto aos Cistercienses quanto aos Beneditinos, membro de várias “comissões de ajuda”, palestrante na sessão de formadores OSB e Cistercienses em Roma, dez anos no Conselho da AIM, incluindo cinco anos no Comitê Executivo...

Para ela, as comunidades deveriam viver abertas à diocese, à Igreja universal, atentas às transformações do mundo: mulher de fé, profundamente enraizada em Cristo, ela olhava com clareza para as mudanças de nosso tempo, sem pessimismo. Em 2003, ela disse aos superiores monásticos da Região das Ilhas:

“Essa situação em constante mudança, que nos parece ameaçadora, é, na verdade, uma grande graça, desde que tenhamos fé suficiente para vê-la dessa maneira. Somos obrigados a redefinir nossas prioridades e a nos perguntar como, concretamente, colocaremos nossa busca por Deus em primeiro lugar em nossas vidas diárias.

Em outras palavras, é reconhecer que, através do que experimentamos como ‘diminuição’, Deus nos convida a dar um testemunho mais explícito dos valores do Reino, valores de que nosso mundo precisa ver”.[3]

Após dezoito anos como Priora Geral, ela foi nomeada Priora de Hyning, na Inglaterra. Lá, ela continuou a prestar os mesmos tipos de serviços: responsável pela Comissão encarregada de revisar as Constituições da Ordem, presidente da União dos Superiores Monásticos do Reino Unido e Irlanda (UMS), acompanhante de várias comunidades em processo de discernimento para um novo futuro, visitadora apostólica de uma comunidade belga, etc.

Em 2018, enquanto ainda era priora e continuava ativa em serviço de sua comunidade, da Ordem e da Igreja, um câncer foi diagnosticado. Desde o início, foi-lhe informado que não era curável. Ela enfrentou essa realidade com lucidez durante seus últimos quatro anos de vida. Corajosa e firmemente apoiada pelo Senhor quando estava sobrecarregada com pesadas responsabilidades, ela permaneceu a mesma durante a doença. Sua forte fé na Ressurreição e sua aceitação pacífica da vontade de Deus ao longo de sua vida a ajudaram nas últimas semanas. Sua personalidade rica e forte se suavizou e simplificou durante seu último mandato, o ponto culminante de uma vida generosamente dedicada à escola do serviço ao Senhor. Ela faleceu pacificamente em 16 de fevereiro de 2022 no Hospital St. John, em Lancaster, pronta para encontrar o Senhor a quem ela amou, desejou e serviu tão fielmente.


[1] Conferência proferida em maio de 2000 em Lérins sobre o tema da “Formação”.

[2] Introdução ao Relatório elaborado no Capítulo em 2002.

[3] “Caos e Paz”, conferência proferida na reunião de superiores monásticos da Região das Ilhas Hawkstone Hall – Inglaterra, outubro de 2003.

O Bem-aventurado Dom Columba Marmion

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Grandes figuras da vida monástica

Padre Réginald-Ferdinand Poswick, OSB

Abadia de Maredsous. Vice-postulador da Causa do Bem-aventurado

 

O Bem-aventurado Dom Columba Marmion

(1858-1923)

 

A comunidade beneditina de Maredsous teve o privilégio de ter entre seus membros o seu 3º abade (1909-1923) reconhecido como “Bem-aventurado” pela Igreja universal durante o Grande Jubileu do ano 2000.

Joseph Marmion, irlandês nascido em Dublin em 1858, foi primeiro padre da diocese de Dublin após realizar brilhantes estudos de teologia em Roma. Atraído para o mosteiro de Maredsous por um de seus colegas de estudos belgas, ele se encantou com o mosteiro que concretizava o renascimento católico do final do século XIX. Ele entrou em Maredsous em 1886.

Já em 1899, ele foi enviado para fortalecer a equipe fundadora da Abadia de Mont-César em Louvain (Leuven). Lá, desenvolveu seus talentos como pregador e diretor espiritual, tornando-se, entre outras coisas, o confessor, confidente e amigo daquele que se tornaria o Cardeal Mercier, Primaz da Bélgica.

Como abade de Maredsous (eleito em setembro de 1909), ele teve que administrar com prudência todos os problemas de um grande mosteiro em plena expansão.

A partir de 1917, suas palestras espirituais foram publicadas sob o título Cristo, Vida da Alma. Este compêndio foi seguido por outros dois: Cristo em seus Mistérios e Cristo, Ideal do Monge. Esses escritos tiveram uma influência considerável na formação espiritual de seminaristas, clero, religiosos, religiosas e leigos comprometidos, apresentando a fé cristã centrada na pessoa de Jesus Cristo e fundamentada nas Sagradas Escrituras.

O cerne de sua mensagem era fazer com que os batizados tomassem  consciência de que poderiam se tornar, imediatamente e verdadeiramente, filhos de Deus em Jesus Cristo.

Após a Primeira Guerra Mundial, ele fundou, junto com a Abadia de Mont-César (Louvain) e a Abadia de São André (Bruges), a Congregação Beneditina Belga da Anunciação, distinta da Congregação Alemã de Beuron, que fundou Maredsous (1920-1922).

Dom Marmion presidiu as celebrações do cinquentenário da fundação de Maredsous em 15 de outubro de 1922. Entretanto, ele faleceu durante uma epidemia de gripe em 30 de janeiro de 1923.

Seu processo de beatificação foi iniciado na diocese de Namur em 1957. Seus restos mortais foram transferidos do cemitério monástico para uma das capelas laterais da basílica abacial em 1963. Foi durante uma visita a essa tumba em 1965 que uma mulher americana recebeu a graça miraculosa da cura de um câncer.

A beatificação de Dom Columba Marmion pelo Papa João Paulo II ocorreu em Roma em 3 de setembro de 2000. A celebração litúrgica de sua festa foi estabelecida em 3 de outubro pela Santa Sé.

Um número cada vez maior de peregrinos vem invocá-lo em seu túmulo ou orar a ele em todo o mundo.

Uma publicação anual (Le Courrier du Bienheureux dom Columba Marmion) mantém informadas as pessoas interessadas sobre informações, publicações e eventos relacionados a essa personalidade agora proposta ao culto público da Igreja Católica.

 

EXTRATOS

            Cristo, Vida da Alma

“Eu vos enviarei o Espírito Santo”, prometeu-nos Jesus; “Ele mesmo vos lembrará tudo o que Eu vos disse” (Jo 14, 26). O Espírito da Verdade nos “lembra as palavras” de Jesus. O que isso significa? Quando contemplamos as ações de Cristo Jesus, seus mistérios, há momentos em que uma palavra, que lemos e relemos muitas vezes sem que ela nos tenha chamado a atenção, de repente ganha um relevo sobrenatural que antes não lhe conhecíamos. Essa palavra divina, o Espírito Santo, que a liturgia chama de “o dedo de Deus”, a grava, a entalha na alma; ela permanece ali para ser uma luz e um princípio de ação; se a alma for humilde e atenta, essa palavra divina realiza seu trabalho silencioso, mas fecundo.

 

            A Fonte da Paz Interior

Desejo sinceramente que você possa adquirir a calma e a paz. O melhor meio de adquirir essa calma é uma resignação absoluta à santa Vontade de Deus; é nessa região que a paz se encontra... Tente não desejar nada, não apegar o seu coração a nada sem antes apresentá-lo a Deus e colocá-lo no Sagrado Coração de Jesus, a fim de querê-lo nele e com ele.

Uma das principais razões pelas quais perdemos a paz da alma é que desejamos algo, que prendemos nosso coração a algum objeto, sem saber se Deus o quer ou não; então, quando um obstáculo se opõe aos nossos desejos, ficamos perturbados, saímos da conformidade com a santa Vontade e perdemos a paz.

Quando somos fiéis em dedicar todos os dias um tempo maior ou menor, de acordo com nossas habilidades e deveres, para conversar com nosso Pai celestial, recolher essas inspirações e ouvir esses “lembretes” do Espírito, então as palavras de Cristo, as Verba Verbi (as palavras daquele que é a Palavra), como Santo Agostinho as chama, multiplicar-se-ão, inundando a alma com Luz divina e abrindo fontes de Vida nela, para que ela possa sempre se saciar. Assim se cumpre a promessa de Jesus Cristo: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba; aquele que crê em mim, do seu interior fluirão rios de água viva”. E, acrescenta São João, “Ele disse isso a respeito do Espírito que aqueles que nele cressem iriam receber” (Jo 7, 37-38).

O Mosteiro de Tautra

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História e patrimônio

Irmã Hanne-Maria Berentzen, OCSO

Mosteiro de Tautra (Noruega)

 

O Mosteiro de Tautra, Mariakloster:

das antigas ruinas do Mosteiro moderno

 

“Bem vindo de volta”, declararam os habitantes da cidade quando chegamos à antiga ilha monástica de Tautra em fevereiro de 1999 para fundar o primeiro mosteiro cisterciense da Noruega, desde a reforma de 1537.

“Não sabemos o que é um mosteiro, mas se ele deve existir, deve ser aqui”, declarou o prefeito de nossa cidade, quando em 1992 ele ouviu falar de um grupo de apoio para um futuro mosteiro cisterciense na Noruega, rezando todo dia às 18 horas, para a sua realização.

Irmã Ina Andersen, ocso, da Abadia de La Coudre em Laval (França) tinha passado um ano na Noruega, sentindo-se chamada a levar a vida cisterciense em seu país de origem. Durante um curto retiro para a solenidade de Santo Olavo, o santo nacional da Noruega, em 29 de julho de 1991, ela partilhou sua visão quando muitas pessoas se perguntaram como ela havia sido autorizada a deixar a vida de clausura para aquela ocasião. Todo mundo respondeu com o desejo de rezar toda tarde às 18 horas, por uma fundação cisterciense no futuro, se Deus quiser.

Para a solenidade de Santo Olavo no ano seguinte, o novo rei e a rainha vieram em nossa cidade, Frosta, para começar a segunda metade de sua viagem à costa, cumprimentando as pessoas (Frosta era o centro de uma de nossas mais antigas assembleias legislativas, desde, pelo menos o século VIII). O prefeito devia fazer o discurso e, abrindo o jornal naquela manhã, ele viu nas manchetes: “Um novo mosteiro em Tautra”. Nenhuma grande novidade, apenas a escolha do local de uma estudante de arquitetura para seu trabalho de conclusão de curso. Mas em nossa região, era um sucesso. Um novo mosteiro em Tautra? Realmente? O jornal citou a líder do grupo de apoio rezando pelo mosteiro: “Não sabemos o que é um mosteiro, mas simplesmente rezamos para que ele seja um dia”, ela declarou. Isto bastava para o prefeito.

Um mês depois Irmã Ina veio morar numa antiga fazenda ao lado das ruínas do antigo mosteiro cieterciense de Tautra, fundado em 1207 em Lyse, perto de Bergen (Lyse era uma antiga fundação de Fountains na Inglaterra a partir de 1146). No verão seguinte, Irmã Marjoe Backhus da Abadia de Nossa Senhora do Mississipi, Dubuque, Iowa (Estados Unidos) veio encontrá-la. Sua pequena experiência monástica terminou um ano mais tarde, quando Irmã Ina caiu doente. Mas um grão foi semeado. O grupo de apoio contava agora com uma centena de membros que continuavam a rezar. A Abadessa de Marjoe, Madre Gail Fitzpatrick havia visitado Tautra e acreditava que Deus queria algo na Noruega. Antes de sua Comunidade votar por unanimidade, em 1998, para uma fundação na Noruega, o Conselho Municipal de Frosta decidiu igualmente por unanimidade apoiar as religiosas se elas voltassem para a sua cidade.

Com sua ajuda compramos a propriedade com pequenas fazendas nessa ilha, no meio do largo fjord de Trondheim, a vinte minutos a pé das ruínas medievais, apoiadas ao mesmo tempo pelo bispo católico e pelo biso luterano de Trondheim.

Vista de conjunto do Mosteiro de Tautra.

Éramos sete fundadoras, cinco da Casa mãe de Dubuque. Irmã Ina de Laval e eu, igualmente norueguesas de nascimento, da Abadia Mount Saint Mary, Wrentham (Estados Unidos). Madre Gail nos pediu para esperarmos um ano antes de escolhermos um arquiteto e de começarmos o processo de construção. Isto era importante. Viver em casas norueguesas tradicionais de madeira nos fez compreender, a todas, que não queríamos construir com tijolo e concreto, mas com madeira – e com pedra, se possível. As belas pedras róseas que vimos nas paredes das ruínas eram muito caras.

Depois de termos trabalhado com três arquitetos durante vários anos, Jan Olav Jensen, que concebeu o mosteiro, escolheu cobrir a fachada com ardósia, o que nos podia permitir: um mosteiro de madeira com fachada de ardósia. Sete anos amontoadas em velhas casas foram difíceis de viver, mas fizeram de nós uma comunidade única. Atravessar o pátio entre as casas para cada escritório ao longo do dia nos fez descobrir o clima e os ventos fortes da ilha.

Quando nosso arquiteto propôs onze jardins interiores no mosteiro, pensamos que era uma excelente ideia. A economia reduziu o projeto a sete, dando mais luz na casa e mantendo-nos conectadas. Trabalhando só na cozinha ou na costura, você pode, através do jardim, ver outras irmãs em seu local de trabalho.

Trabalhamos longamente para entrarmos em acordo sobre a proposta de concepção da igreja. Dissemos mais de uma vez: “Este projeto, não”, até que o arquiteto propusesse uma igreja cuja forma fosse próxima da das granjas de nossos vizinhos, mas com uma vidraça com travas cruzadas, dando sombras quadriculadas. E dissemos: “Sim”. Nosso encarregado de projeto nos preveniu que faria frio no inverno e calor no verão, mas, mesmo assim, dissemos sim. Queríamos que a igreja se destacasse claramente, que fosse um farol nesta ilha plana. Com o teto de vidro, reflete as muitas estufas de nossa cidade, como uma estufa espiritual. Principalmente durante os mais sombrios meses de inverno, o jogo da luz através das vigas nos lembra a arquitetura cisterciense medieval.

Interior da igreja das irmãs, em madeira e vidro.

A rainha Sonja a Noruega estava interessada em nossa fundação e veio colocar a pedra fundamental em maio de 2003. “Sabem porque é que eu estou aqui hoje?” perguntou uma das nossas amigas do grupo de apoio. “Éramos seis mulheres juntas em agosto de 1991, a pensar no que fazer como grupo de apoio. Alguém disse: ‘Elas vão certamente precisar de dinheiro’. Então, cada uma de nós pôs dez coroas norueguesas em cima da mesa e abriu uma conta bancária”. A rainha veio para a consagração da nossa igreja em 2007. Seu apoio e a boa vontade dos vizinhos e das pessoas, de perto e de longe, assim como de nossos fiéis amigos do grupo de apoio, foram importantes para nos enraizarmos na cidade e no país.

Quando nos tornamos autônomas e que seis de nós mudaram sua estabilidade para Tautra, irmã Ina descobriu que sua vocação era voltar para Laval. Uma das fundadoras voltou para a Casa mãe antes, e ao longo dos anos elas mandaram duas outras irmãs nos encontrarem. Três das que entraram em Tautra fizeram sua profissão solene e nossa atual prioresa, irmã Brigitte Pinot, da França, mudou sua estabilidade para Trauta em 2017; então, agora, somos onze irmãs professas solenes de seis países diferentes. Sete outras, de sete países entraram, mas não perseveraram. Graças ao tempo que passaram conosco, elas contribuíram enormemente para o que somos hoje, e esperamos que nos tenham aberto mais para uma sociedade multicultural. Contando nossa postulante, viemos de sete países diferentes.

Quando éramos 12 na comunidade, e que quatro pediram para refletirem sobre sua vocação, irmã Gilchrist Lavigne que era prioresa na época, concluiu que nosso mosteiro concebido para 16-18 irmãs, não era suficientemente grande. Quando construímos o mosteiro, recebemos, ao mesmo tempo, uma ajuda entusiasta de nossa Ordem, da coleta de fundos de nossas irmãs da Casa mãe e, principalmente de vários doadores católicos alemães, Bonifatiuswerk, sendo o mais importante deles, e pudemos concluir a construção sem fazer nenhum empréstimo. Quando surgiu a ideia de um acréscimo para uma enfermaria e algumas celas suplementares, nossos conselheiros financeiros disseram que seria muito difícil obter fundos para isso. Rezamos como antes e tivemos confiança em Deus que nos ajudaria, se isso fosse o que deveríamos fazer. Em janeiro de 2021 começamos o novo edifício escavado no solo da colina em direção ao fiorde, com um teto de erva protegendo nossa grama e a bela vista do fiorde e das colinas. Ele foi totalmente financiado. O arquiteto Runa Bjerk realizou cuidadosamente esta ala adaptada e a parte mais antiga do mosteiro, mas claramente nova e diferente com uma fachada em madeira de Kebony. Enquanto Jan Olav havia escolhido corredores longos e estreitos ligando diferentes cômodos, Runa Bjerke criou corredores largos e curtos, com um teto muito alto e poços de luz. Isto dava uma ideia de espaço na pequena extensão de quatro quartos de enfermaria (de acordo com as normas de casa de retiro), dispensário, capela, quatro celas comuns, um salão como jamais tivemos, com uma pequena cozinha, uma lavanderia, uma sala de exercício e o que nunca temos o suficiente – despensa!

É interessante ver como essa nova ala mudou a vida da comunidade. Não temos muito trabalho em comum numa pequena comunidade; no entanto, esse gênero de atividade é um bom meio de nos conhecermos melhor. Desde o começo compreendemos que devíamos estender a mão aos nossos visitantes, convidá-los para o café após a missa dominical, e que nós mesmas, enquanto comunidade teríamos um café comum com eles na igreja nas solenidades e no dia da festa das irmãs.

Nosso refeitório é comprido e estreito, porque todas nós queremos nos assentar de frente para o fiorde, amando essa visão extraordinária e versátil. Quando tínhamos nossas pausas para o café de pé, era difícil nos reunirmos em uma conversa única. Herdamos um sofá de seis lugares e uma mesa para o novo salão. Agora é onde nos reunimos para tomar café depois da missa, todas incluídas no círculo e todas participando da conversa.

Desde o primeiro ano de nossa fundação, nossa produção de sabão, ampliada posteriormente com produtos para a pele, cobriu grande parte de nossas despesas. As vendas pela internet nos ajudaram a atravessar o período da COVID sem perdas perigosas, embora a hospedaria tenha sido fechada por períodos. Ao longo dos dezoito últimos anos tivemos voluntárias do mundo inteiro vivendo em nossa hospedaria durante alguns meses, trazendo-nos preciosa ajuda em nosso trabalho. Uma de nossas irmãs as acompanha durante a sua estada e elas são profundamente agradecidas pelo tempo passado no meio monástico. O voluntariado também nos deu vocações.

Nosso capelão, o Pe. Anthony de Roscrea (Irlanda), fez uma bela horta, fornecendo-nos legumes frescos o ano todo. Prezamos também o pomar e os muitos arbustos de bagas da propriedade.

A beleza do nosso mosteiro e a interação com a beleza que nos cerca é uma fonte cotidiana de alegria e de encorajamento e somos felizes em compartilhar isso com nossos benévolos convidados e visitantes. Poucas igrejas na Noruega, dominada por luteranos, são abertas, exceto para os Ofícios, e muitos são agradecidos por encontrarem uma igreja aberta de 4 horas da manhã às 8 horas da noite, ao ponto de nosso Conselho municipal ter escolhido o mosteiro, em 2011, como a coisa mais importante que aconteceu em nossa municipalidade, desde a Segunda Guerra Mundial. E sua razão invocada era, principalmente que a igreja está sempre aberta aos visitantes para virem rezar. Somos agradecidas por vermos quantas pessoas vêm compartilhar nossa liturgia e usam a igreja para a oração silenciosa durante todo o dia.





Homilia pela Memória de Santo Elredo

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Meditação

Homilia pela Memória de Santo Elredo


Dom Henry Wansbrough, OSB

(Ampleforth, Reino Unido)

 

 

Hoje, celebramos a Memória de Santo Elredo. Todos nós, suponho, temos particular afeto por Elredo, por causa de Rievaulx, que conhecemos tão bem. Sua maior realização arquitetônica é a sala capitular de Rievaulx, onde podemos imaginá-lo, pronunciando homilias tão apreciadas. Quero, então, dizer algumas palavras sobre o trabalho que muitas vezes é considerado como sua realização escrita especial, “Da amizade espiritual”. No início de sua obra Elredo admite que ele é muito dependente do tratado de Cícero sobre a amizade dirigida a Hortêncio, mas a obra de Elredo é especificamente cristã. Ele começa: “Aqui estamos, você e eu, e espero que um terceiro, Cristo, esteja entre nós”, e sentimos a presença de Cristo ao longo do livro. Há diferenças fascinantes com Cícero, - ou na verdade, com qualquer diálogo antigo que li – em que o interlocutor, o parceiro de diálogo, não é feito para passar por um tolo que o chefe corrige, o que é a norma nos diálogos de Platão sobre Sócrates: Ivo, no primeiro diálogo, Walter (seu biógrafo mais tarde) e Graciano, nos segundo e terceiro, respectivamente, têm seus próprios bons pontos para fazer valer. Sentimos que Cristo está realmente presente em toda parte, olhando por cima do ombro de Elredo. Há muitos toques de humor caloroso e amigável (2.17 ou 3.1), mas principalmente uma maravilhosa doçura em todo o livro, e uma apreciação, não somente da Bíblia, de Cícero e de Agostinho, que ele lê desde a sua juventude, mas também de outras opiniões.

Ele insiste constantemente sobre o fato de que o verdadeiro amor humano é uma imagem do amor eterno de Deus. Ele vai até mesmo, adaptar o “Deus é amor” de São João, para “Deus é amizade”. Ele pensa por si mesmo; então, ele ajusta a declaração de Cícero, segundo a qual os amigos devem estar de acordo sobre todas as questões, suprimindo o “tudo”: é importante que os amigos estejam de acordo, mas não necessariamente sobre todas as questões.

Não há temor da amizade, como há em tantos escritos monásticos um temor da “amizade particular” e, na verdade, sentimos que para Elredo a amizade é uma parte vital da vida monástica. Ele diz: “Um homem deve ser comparado a um animal, se não há ninguém com quem se alegrar na adversidade, ninguém com quem descarregar seu espírito, se uma dificuldade cruza seu caminho, ou com quem partilhar uma inspiração excepcionalmente sublime ou esclarecedora”. Ele chama a amizade de “a medicina da vida” (como Ben Sira 6,16 – e uma série de citações em 3.14), e considera que ela melhoraria em muitos aspectos do comportamento fraterno: “Então, o que há de mais agradável do que unir a si o espírito do outro, e dois para formar apenas um, do que nenhum alarde seja, em seguida, para recear, nenhuma suspeita, para temer, nenhuma correção de um pelo outro, para causar dor, nenhum louvor da parte de um, para levar a acusação de anulação da parte de outro”? (2.12). Elredo resume as vantagens espirituais da amizade, assim: “um homem, sendo o amigo de seu próximo, torna-se amigo de Deus”. Há três espécies de beijos; o beijo corporal pela impressão dos lábios, o beijo espiritual, pela união dos espíritos, e o beijo de Cristo, quando “a alma se deleita somente ao beijo de Cristo, e repousa em seu abraço” (2.27).

Espero que vocês me perdoem por ter citado tanto Elredo, mesmo no dia de sua festa, mas o calor e a sabedoria de sua conversa sobre a amizade, aumentam a admiração por ele e aproximam o leitor de Deus.


Rievaulx. © AIM.

Relatório sobre a sessão Ananie 2022

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Notícias

Relatório sobre a sessão Ananie 2022

a partir das crônicas de Ananie

(cf. site web des bénédictines de Vanves)

 


De sete de setembro de 2022 (chegada) a primeiro de dezembro (partida) aconteceu o Ananie IV. A reunião fora prevista para 2021, mas a situação sanitária exigiu o adiamento.

Ficamos tocados ao ver que estas reuniões são agora conhecidas e prestam serviço às comunidades: o retorno que temos é muito positivo.

O episódio Ananie IV, muito esperado, foi um grande sucesso: as avaliações, tanto dos participantes como dos membros da Mesa, mostram isso claramente.

Os participantes são chamados a criarem uma verdadeira fraternidade entre eles durante seus três meses de vida comum: esta é a base necessária para tudo o que será vivido. As sessões são de vida e não somente de informação. Este ano, desde os primeiros dias tradicionalmente dedicados às apresentações, o grupo rapidamente se uniu: o fato de que muitos chegavam com muitas dificuldades, muitas vezes pesadas, ligadas às suas comunidades, seus países... não é, sem dúvida alguma, alheio à qualidade do espírito fraterno, muito forte durante os três meses.

O acolhimento nos mosteiros é escolhido com duplo objetivo: conservar um ambiente monástico durante os três meses, e permitir que se descubram diferentes aspectos da vida monástica na Europa. Os Ananistas foram primeiramente a Pierre-qui-Vire (tornou-se um hábito começar com os irmãos de Morvan, que não é inútil agradecer aqui novamente), depois, a Pradine, Tamié e Aiguebelle. Durante a avaliação, os irmãos e irmãs lamentaram unanimemente que a alternância habitual (mosteiros de monges/monjas, beneditinos/cistercienses) não tenha sido respeitada. Uma série de contingências a impediu. O acolhimento de cada comunidade compensou enormemente esse pesar.

Uma palavra sobre o programa: ao longo das sessões ele vai sendo aprimorado. Os pilares permanecem os mesmos:

- Vida monástica e Evangelho (o discípulo de Cristo vive com a Palavra).

- A liturgia, experiência monástica.

- São Bento.

- História do monaquismo.

- Acompanhamento espiritual.

- Desenvolvimento humano. Psicologia e vida espiritual, etc.

- Vida comunitária.

- Para finalizar: retomada dos fundamentos monásticos.

Além do mais, a preocupação com a reflexão com a ecologia, coloriu esses meses.

Os participantes são principalmente monges e monjas; desde o início de 2013, alguns professores e leigos, nem sempre os mesmos, participam da formação. Quanto ao acompanhamento do grupo, o Irmão Cipriano da Pierre-qui-Vire, o assegurou também este ano. Para a próxima edição Ananie, estamos pensando no binômio monge/monja, pedido sabiamente pelos nossos próprios Ananistas.

A participação do Pastor Pierre-Yves Brandt, que intervém três vezes ao longo da reunião, foi novamente apreciada. “Ele nos ensinou a transmitir e a ser livre, apoiando nossas escolhas sobre a Palavra”.

 

Trechos das crônicas

A reunião Ananie2022, quarta edição (após 2013, 2015, 2018) aconteceu de 8 de setembro a 29 de novembro de 2022. Ela aconteceu em quatro abadias: Pierre-qui-Vire, Pradines, Tamié e Aiguebelle, sob a responsabilidade comum do Irmão Cipriano (PQV). Irmã (Martigné) e Madre Escolástica (Pradines). Ela acolheu 24 participantes (Ananistas) (16 monjas, 8 monges): de diversos países (África do Sul 1, Benin 3, Burundi 2, Burkina Faso 2, Costa do Marfim 1, Madagascar 4, Ruanda 1, Vietnam 4, França 6. O Irmão Albérico (Maromby, Madagascar) que deveria participar desta reunião, morreu em 21 de agosto último. Irmã Elisabeth-Maria, clarissa, juntou-se ao grupo.

 

            Pierre-qui-Vire (8-29 de setembro de 2022)

Cada um trouxe produções de seu mosteiro: cartões, chaveiros, rosários, lenços, pequenos estojos, mel, licor (da montanha de Ambre, de framboesa de Madagascar), farinha de mandioca, mangas ou bananas secas, tortas com grãos de sésamo, amendoins, estamparias da Irmã Beata Winkler... Cores locais seguras!

Abadia da Pierre-qui-Vire, início da sessão.

As esperas eram variadas e suscitavam o entusiasmo além das cargas e dos fardos trazidos por cada um. No início da sessão, a projeção do documentário sobre os “40 mártires da fraternidade” de Buta (Burundi), devido à presença de dois Irmãos de Burundi, foi surpreendente e seguida de forte partilha.

Em cada mosteiro, tempos de descanso (música, dança, visitas a Vézelay, Cluny , Taizé, Autun, Paray-le-Monial, Hautecombe..., projeção de filmes) e partilhas foram preparadas e alegraram e enriqueceram todos os participantes, como também a vida comum do grupo, que é um dos elementos da formação.

Mas claro, foram as exposições e os grupos de trabalho que tiveram a maior importância. Irmã Maria (Martigné) apresentou os Padres da Capadócia, segundo Basílio Magno, para ajudar a compreender o que quer dizer “agradar a Deus”: termo importante para todos, se é que alguma vez existiu na vida monástica, mas especialmente para aqueles que estão no início e para aqueles que são responsáveis pela formação na sua comunidade.

Depois, o Irmão Patrick (PqV) apresentou uma bibliografia para a formação litúrgica e começou com: O que é a liturgia para mim? As ricas respostas dos participantes recolheram muitos tesouros. Lendo trechos de artigos da AGMR (Apresentação Geral do Missal Romano), permitiu perceber que a liturgia é uma “epifania da Igreja em oração” (Papa João Paulo II), ou referindo-se ao Tímpano de Vézelay em que a cabeça de Cristo está numa chanfradura: “Cristo, nossa cabeça já está nos céus, esperando que o corpo inteiro passe lá” (São Leão Magno, SC 62).

Então, é a vez de Pierre-Yves Brandt, pastor protestante reformado, dar alguns ensinamentos. A partir das instituições cenobíticas de Cassiano comparadas com o capítulo 58 da Regra de São Bento, ou a partir de situações concretas, tratou-se: do acolhimento reservado ao recém-chegado para fortalecer o seu desejo e preservar a sua liberdade, para ser obediente: ter por referência o olhar de Deus sobre cada um e procurar construir tanto a pessoa, como a comunidade, ou ainda: suscitar uma verdadeira autonomia de decisão. Ele apontou invariavelmente, na RB: a adaptação à diversidade das pessoas não é uma opinião, mas oferece um quadro de aprendizagem e de processo de transmissão, ao mesmo tempo, tranquilizador e responsável.

“Para sabermos onde vamos, temos que saber de onde viemos” (Provérbio africano). O Irmão João Luís (PqV) começou evocando a legitimidade do estudo da História do Monaquismo, percorrendo aspectos principais.

O Pe. Abade Lucas (PqV) conduziu o grupo no caminho da Lectio, caminho de vida, de alegria... e caminho árduo, com suas armadilhas e faróis. A palavra abrange toda a vida do discípulo. Pela ruminação saborosa é estabelecida uma relação de coração a coração. “Onde está nosso tesouro, aí está nosso coração” (Mt 6,21). “Os frutos de amanhã estão nas plantas jovens de hoje” (Provérbio africano).

A saída prevista para esta etapa fez os Ananistas descobrirem Taizé: Irmão Alois tomou seu tempo para recebê-los no próprio quarto do Irmão Roger. Ao longo dos dois dias, o grupo participou das celebrações da veneração da Cruz na sexta-feira à noite, da luz da Ressurreição, no sábado à noite e da Missa da Páscoa. O espírito profético de Irmão Roger, o desejo de simplificar a liturgia para “alargar”, acolher todos os jovens e não tão jovens, onde quer que estejam, perpetua-se desde 1957-58.


            Pradines (29 de setembro – 22 de outubro de 2022)

Madre Pierre-Marie, Abadessa de Pradines, falou sobre o desapego na Sagrada Escritura e da Tradição: a pobreza monástica na partilha e no trabalho. Ela aprofundou a questão da “sobriedade feliz” segundo Cassiano, o Papa Francisco e a RB.

Irmão Bruno de Acey mostrou como se apropriar das ferramentas necessárias para abordar um texto e navegar no mundo numérico. Ela assegurou que isto não afasta da vida espiritual, apoiando-se em variados autores.

Madre Hannah, do Priorado de Loppem (Bélgica) lançou a pergunta sobre a relação que cada um mantém com a RB. Ela propôs um estudo claro, ordenado, vivido, vivo e interativo. E confrontando com a Regra do Mestre e com as Escrituras, como ouvir de novo: “Escolha a vida” (Dt 30, 19). A exegese de RB 72 orienta o olhar para o respeito mútuo, para a paciência, para a “conversatio”, vista como “um processo dinâmico, que implica a disponibilidade para se converter continuamente”. Isto compreende todas as fases e todos os aspectos concretos da vida monástica, onde só a humildade permite acolher a graça dada a todo instante.

Uma visita ao Instituto Sources chrétiennes, que comemora seu 80º aniversário, permitiu aos participantes descobrirem esta realidade: Lourenço Mellerin os fez descobrir a história e a atualidade do Instituto. Maria Laura Chaieb prosseguiu com uma apresentação de Santo Irineu de Lião, declarado doutor da unidade em 21 de janeiro de 2022 pelo Papa Francisco.

Irmã David e Irmã Bertille-Pacôme intervieram sobre: “Como transmitir ao noviço sem virar ou beber a taça com ele”? O Mestre de noviços fica na margem, mantém-se firme, incentiva com solicitude, consciente de sua própria fraqueza e confiante no agir divino e na graça do Espírito Santo. Em comunidade o caminho de Deus passa pelo mar, mas ninguém conhece sua pegada [Sl 77(76)] e cada ser é único.

Irmã Maria José Arandia e Irmão João Crisóstomo abordaram o tema da inculturação da fé. “Toda cultura é chamada à passagem de morte e de ressurreição em Cristo”, que por sua encarnação, se incultura primeiro. Nenhuma cultura sozinha esgota o mistério da Redenção (Evangelii Gaudium 118). Toda cultura é chamada a ser transfigurada até tornar-se “aperitivo do céu”, de acordo com a expressão do Irmão João Crisóstomo.

Madre Maria Madalena dedicou sua intervenção ao acompanhamento espiritual: recomeçar sempre a partir de Cristo, na liberdade e na confiança. Primeiro acompanhante, Deus encarnou-se, abrangendo toda a nossa vida num processo dinâmico de reversão. Todo acompanhamento faz parte do mistério pascal. Deus chega até nós através de mediações: sua Palavra, a RB, a comunidade e o abade... os anjos Gabriel, Rafael, ícones de acompanhamento.


            Tamié (20 de outubro – 9 de novembro de 2022)

Julie Saint-Bris, Irmã Siong e Irmão Michael Davide, de Novalesa, introduziram os participantes nas profundezas da persona, do eu, da sombra (inconsciente) e do si. Acolher as emoções, tomar consciência  delas, discernir a necessidade subjacente e reconhecer os dife-rentes mecanismos de defesa. A conversão consiste em renunciar a perfeição para estar na verdade. “Sejam perfeitos” (em grego: “Sejam completos”) significa que temos que encarnar nossa vida espiritual.

O que dizer da felicidade da vida monástica? É a solidão partilhada em comunidade, em relações castas, na esperança de uma plenitude de vida. Isto passa pela renúncia para receber o cêntuplo, que não podemos controlar, nem imaginar. Muitos termos foram esclarecidos: função paterna e materna; iniciação e formação; influência, abuso; poder e serviço de autoridade (do latim: augere: fazer crescer); imortalidade e eternidade... na confiança de que Deus é o nosso Acompanhante permanente através do seu Espírito, que sozinho, vem preencher nossa incompletude.

Abadia de Tamié.

A partir de sua vasta experiência, o Pe. Victor, Abade emérito de Tamié, evocou o que constrói ou divide uma comunidade. Em seguida, Irmão Didier partilhou a vida e a obra do Irmão Cristóvão, Bem-aventurado mártir de Tibirine, de quem ele era particularmente próximo.

Padre Abade Lucas (PqV) propôs seguir Evágrio Pôntico (346-399): irmão mais velho na fé, que em 381 participou do Concílio Niceno-Constantinopolitano com Gregório de Nazianzo, e transmitiu muitas obras com seu trabalho de copista.

Com Irmã Clara (Martigné-Briand), foi Máximo Confessor (580-662), digno descendente de Évágrio (346-399), quem recebeu as honras.

Pierre-Yves Brandt ajudou a reler uma situação de transmissão, a analisar o problema, as dificuldades, a ver o que podemos esperar de um formador cuja intenção é viver segundo o espírito do Evangelho e a regra de São Bento.

A saída conduziu o grupo à Abadia real de Hautecombe, contemporânea da de Tamié (século XII): desde 1992, é cuidada pela Comunidade Chemin Neuf, comunidade católica de vocação ecumênica. A refeição foi tomada com membros da comunidade e jovens de todos os países em formação bíblica e espiritual partilhando a sua vida durante algumas semanas ou meses. Os Ananistas ficaram impressionados com a disponibilidade no acolhimento, com a simplicidade da sua vida misturando modernidade e respeito pelo patrimônio arquitetônico e espiritual.

Os Ananistas e a Comunidade do Chemin Neuf.

            Aiguebelle (10 de novembro - 1º de dezembro de 2022)

Esta etapa deu grande espaço à vida fraterna, sob diversos aspectos.  O Irmão Cipriano compartilhou as alegrias, as dificuldades ou os atrativos ligados à vida fraterna, como o valor do silêncio. Voltaire († 1788) não tinha necessariamente razão quando dizia: “Os monges reúnem-se sem se conhecerem, vivem sem se amarem e morrem sem se lamentarem”.

O Irmão Columba (En-Calcat), através de Denis Vasse, explicou como passar do medo, à fé e à confiança (seu antídoto), e do ciúme (posse do dom) ao louvor (lugar de encontro e de unidade). Banir a comparação, reconhecer as nossas falhas, perdoar, manter o vínculo, sair de nós mesmos, perseverar: estes são os meios para nos aproximarmos da Trindade de Deus. Para Christian de Chergé, “A alegria secreta do Espírito será sempre estabelecer a unidade e restabelecer a semelhança jogando com as diferenças”.

Dom Mauro-Giuseppe Lepori (Abade Geral dos Cistercienses) interveio em torno do tema dos votos; ele nos une para além das nossas diferenças: olhando para Cristo, pela presença sagrada de Deus expressa no rito da profissão.

Igreja Abacial de Aiguebelle.

Com dinamismo e clareza, o Padre Pierre-André (Abade de Císter) expôs o delicado equilíbrio entre autoridade e obediência. Autoridade (do latim: autoritas, augere : fazer crescer) é um serviço para o crescimento dos obedientes. A autoridade autêntica é vivida num clima de caridade e motiva a verdadeira liberdade e autonomia do discípulo: ela autoriza o outro a ser ator de sua vida, libertando o seu potencial. A obediência (latim: ob-audire: ouvir, prestar atenção) é toda uma arte de ouvir.

A ecologia integral foi um fio condutor nestes três meses. No final do itinerário foi bom buscar aprofundar o vínculo com uma teologia da vida monástica: Elena Lasida, Madre Maria Madalena, Padre Lucas e Irmão Cipriano trabalharam nisso. Elena Lasida apresentou a novidade da encíclica Laudato Si’ (junho de 2015), prelúdio da COP 21 (Paris, dezembro de 2015): seu impacto além dos cristãos; seu conceito central: ecologia integral; sua aposta ambiental, humana, comunitária e espiritual. Foram propostas duas experiências de “conversão ecológica”: as dominicanas de Taulignan e as Irmãs ortodoxas de Solan.

Estes foram os principais ingredientes do ensino desta sessão. O essencial permanece escondido aos olhos das testemunhas; vive no coração de cada um.

Madre Marie-Madeleine Caseau, P. Abad Luc Cornuau, Elena Lasida.

O DIMMID

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O DIMMID

Diálogo Inter-religioso Monástico


Padre William Skudlareck, OSB

Secretário Geral

 

 

Em junho, o Padre William Skudlareck fez uma apresentação, via vídeo, à Assembleia Plenária do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso. O tema da sessão plenária deste ano foi: “Diálogo inter-religioso e convívio”. A apresentação pode ser encontrada na seção Vídeos do site do DIMMID.

O diálogo contínuo do DIMMID com os muçulmanos xiitas foi retomado em setembro na Abadia Trapista de Notre-Dame d'Acey (França).

Um novo livro sobre Shigeto Vincent Oshida, op, será lançado pela Liturgical Press em maio. Será intitulado: “Jesus nas mãos de Buda”. Seu autor é Lucien Miller, professor aposentado da Universidade de Massachusetts, Amherst.

Estão em curso planos para estabelecer comissões regionais para o DIMMID na África Oriental e Ocidental. Haverá um encontro monástico-muçulmano em Nairóbi em junho de 2023. Será dirigido principalmente às mulheres que lideram a vida monástica e às mulheres muçulmanas, e será seguido por sessões de planejamento na Tanzânia (liderada pelo Padre Maximilian Musindai) e no Senegal ( liderado pelo Padre William).

A Comissão DIMMID para a Grã-Bretanha e Irlanda foi reativada com o Irmão Justin Robinson de Glenstal como coordenador.

As Comissões Europeias planeiam retomar as suas reuniões neste verão, provavelmente na Abadia de Ligugé (França), com uma viagem de um dia ao centro da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã, nas proximidades de Bonnevaux, para discutir uma possível colaboração futura.

Mohammad Ali Shomali se reunirá em dezembro com o professor Bernhard A. Eckerstorfer, OSB, reitor do Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, para discutir a possibilidade de estudantes muçulmanos estudarem em Santo Anselmo.

Dois monges budistas da Tailândia estão morando e estudando em Saint-Anselme neste semestre. São patrocinados pelo Dicastério para o Diálogo Inter-religioso.

A Comissão Italiana continua a ser a mais activa das comissões regionais DIMMID.

Estão em curso considerações para a nomeação de um novo Secretário-Geral

A associação AMTM

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A associação AMTM

Os Amigos dos Mosteiros através do Mundo


Secretaria da AIM

 

 

A AMTM é uma associação (lei francesa de 1901), tendo por objetivo, em colaboração com a AIM, ajudar pela oração e materialmente os novos mosteiros vivendo sob a Regra de São Bento, que foram fundados e se unem através do mundo nos países dos monges favorecidos.

A implantação da vida monástica tem por efeito, em cada região onde um mosteiro é implantado, favorecer o desenvolvimento agrícola e econômico. Geralmente isso representa uma chance para os habitantes da região. Primeiro, os mosteiros irradiam espiritualmente e permitem às populações que o ignoram, fazer conhecer o cristianismo. Eles irradiam também economicamente pela capacidade de os monges e monjas  transformarem, por seu trabalho, os lugares onde são instalados e serem, assim, para a vizinhança, exemplo e apoio sobre o qual é possível apoiar-se. Assim, há 50 anos, a AMTM acompanha e encoraja o desenvolvimento.

 

A associação realizou a sua última Assembleia Geral no Priorado de Santa-Batilda de Vanves, no último 29 de janeiro. A AMTM pôde apoiar ao longo do ano passado, vários projetos interessantes na Tanzânia, na Polônia (pelo acolhimento de refugiados ucranianos) e na Costa do Marfim.

Mas desde a criação da Fundação Benedictus que recolhe fundos arrecadados pela AMTM (para permitir com toda legalidade a emissão de notas fiscais); o papel da AMTM consiste principalmente em estimular, informar e comunicar as diferentes ações realizadas, relacionadas com a Fundação.

Esta é a oportunidade de ampliação dos doadores e de maior presença na paisagem social. Os projetos apoiados serão ligados a ações de desenvolvimento: saúde, educação, ambiente.

Esse belo serviço da AMTM chama novamente associados; não hesitem em se juntarem a nós.

Alguns projetos apoiados pela AIM

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Alguns projetos apoiados pela AIM

Secretaria da AIM

 

 

A congregação das monjas beneditina  do Rei Eucarístico (Filipinas)

Falando desta Congregação, estamos felizes de dar algumas notícias de Irmã Maria Plácida que esteve presente por muito tempo em Vanves na Secretaria da AIM. Na verdade, Irmã Maria Plácida tornou-se Presidente dessa estrutura recentemente organizada em congregação de monjas.

Em 1929, com o apoio do Bispo Santiago Sancho, Madre Edeltraud Danner, proveniente da Congregação das Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing (Alemanha), abriu uma casa nas Filipinas, tendo por particularidade, reunir duas formas de vida: as Irmãs Monjas contemplativas observando a clausura, e as Irmãs exercendo atividades caritativas. Em 1986, por decreto de Roma, as Irmãs ativas ganharam autonomia. Elas se tornaram Monjas Beneditinas do Rei Eucarístico (BNEK, Benedictine Nuns of Rucharistic King) que, finalmente foram reunidas como Congregação aprovada em 2021. Ela conta com uma centena de irmãs.

A Congregação reagrupa três abadias: Vigan, Cogon, São Rafael. Em 2020, a pedido do Bispo da diocese de Tagum, a Comunidade de Cogon enviou sete irmãs, para ali, fundar um mosteiro.

A jovem Congregação realizou o seu Capítulo Geral no Mosteiro de San Rafael (Calapan) de 25 a 30 de setembro de 2022, que reuniu dezesseis participantes. A Presidente que passou em Vanves no final do ano de 2022 se sai muito bem e assume a responsabilidade com todas as qualidades que conhecemos dela.

 

O Instituto de teologia monástica da Associação BECAN (Nigéria)

A Associação BECAN (Associação Beneditina e Cisterciense da Nigéria) é um fórum para o diálogo contínuo sobre a maneira de ser dos monges e monjas beneditinos e cistercienses na Nigéria.

A Associação criou um itinerário de formação para monges e monjas, aberto a todos os mosteiros da África anglofônica, ocorrendo durante dois meses contínuos a cada dois anos.

Filiado inicialmente à Universidade privada Madonna, dirigida pelos Missionários do Espírito Santo, estando os alunos alojados no centro de peregrinação Elele destes mesmos Missionários, pareceu oportuno encontrar outro local de formação para ajudar a preservar a vida monástica durante o itinerário. Está em curso a procura de filiação num Instituto Católico em África para emissão de diplomas.

A Associação decidiu estabelecer o lugar de formação na casa de acolhimento de Ewu-Ishan.

Em agosto e setembro de 2022 aconteceu a primeira sessão de formação, que reagrupou vinte alunos e alunas. Todos os professores são membros  da Associação.

 

O Studium Teológico Inter-Congregações (STIC) Mosteiro de Mvanda (República Democrática do Congo)

O Mosteiro de Mvanda organiza o Studium Teológico Inter-Congregações (STIC) para os membros das Comunidades Cistercienses e Beneditinas da RDC, que terminaram seu noviciado. O Studium também é aberto a outros consagrados, assim como a leigos engajados que desejam aprofundar sua fé e seu conhecimento.

O itinerário de formação se estende por três anos e funciona em sessões de dez dias, na proporção de três sessões por ano. Termina com uma sessão de exames pelos estudantes regulares. Tema dos cursos: antropologia, teologia fundamental, teologia moral fundamental, direito canônico, patrologia, a revolução cristã e as tradições africanas.

Para o ano 2022-2023, as três sessões são programadas para novembro (filosofia), janeiro de 2023 (introdução a Santo Agostinho) e depois, abril de 2023 (Antigo Testamento).


A União Beneditina-Cisterciense do México (UBCM)

A União Beneditina-Cisterciense (UBCM) é composta de todas as comunidades beneditinas e cistercienses, masculinas e femininas, canonicamente estabelecidas no território nacional do México (treze comunidades) e baseada no princípio de comunhão, de solidariedade e de serviço mútuo entre as comunidades integradas. Este é, então, um organismo de colaboração para promover a vida beneditina, cooperar na construção da Igreja, mas também colaborar no desenvolvimento integral do povo mexicano.

Devido à pandemia da COVID, as sessões de formação propostas anualmente pela Associação, foram suspensas por aproximadamente três anos. Tendo sido suspensas as restrições, uma sessão de cinco dias ocorrerá em julho de 2022.

 


As Irmãs Beneditinas de Twasana (África do Sul)

A pedido de Dom Thomas Spreiter (osb), Vigário Apostólico de Eshower, as Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing, começaram a selecionar candidatas locais, para estabelecer uma Comunidade de Irmãs sob a Regra de São Bento. As primeiras candidatas foram aceitas em 29 de dezembro de 1929. Irmã Vitorina Mandl, Beneditina Missionária de Tutzing foi encarregada da formação das candidatas.

A Congregação romana Propaganda Fide deu seu reconhecimento oficial à Comunidade Beneditina das irmãs africanas recém fundada em seu texto de 5 de dezembro de 1933 que incluía a autorização para abrir um noviciado. No dia 3 de janeiro de 1985, as irmãs elegeram a primeira superiora, Irmã Johanna Ntuli, entre seus próprios membros.

A Casa Mãe, Twasana, fica a 80 km de Vryheid (Kwa - Zulu Natal). Ao lado há uma escola secundária e um internato para moças administrado pelas irmãs. As irmãs têm outras seis casas missionárias.

Muitas irmãs têm apostolado nas paróquias e nas escolas. Possuem uma fazenda que lhes permite satisfazer as suas necessidades, mas também ajudar a população local, oferecendo-lhes trabalho ou alimentação a preços baixos.

A casa de formação, construída em 1999, ameaça desmoronar-se: as paredes têm rachaduras e as fundações se deslocam da casa. As irmãs deixaram a casa, com medo de que ela se desmorone durante uma tempestade, bastante frequente no verão. As jovens em formação foram alojadas em outra construção já ocupada por outras irmãs; não há lugar suficiente para os dois grupos que elas formam. Os engenheiros e arquitetos acreditam que a casa pode ser estabilizada com escoramento e outras obras.

 

Os monges beneditinos de Makkiyad (Kerala, Índia)

O Mosteiro Beneditino de São José em Makkiyad, no norte de Kerala, foi fundado em 1962 por cinco monges indianos, que escolheram deixar Sri Lanka para estabelecerem um mosteiro na Índia. Ele faz parte da Congregação Silvestrina.

O Priorado de Makkiyad fundou seis mosteiros: Vanashram (Karnataka), Iritty (Kerala), Shivpuri (Madhya Pradesh), Teok (Assam), Navajeevan (Andhra Pradesh) e Kizhakkumbhagan (Kerala) em 2022. A Comunidade conta com 57 irmãos, dos quais, 18, professos temporais.

A comunidade é responsável por um certo número de atividades na educação através da Escola da Sagrada Face e do Instituto de Filosofia São José. A comunidade também administra um centro de retiros frequentado por milhares de pessoas todos os anos.

O Instituto de Filosofia São José é afiliado do Ateneu de Santo Anselmo (Roma), desde julho de 2018. Atualmente o Instituto conta com 50 estudantes, jovens monges beneditinos, mas também estudantes de diferentes dioceses e congregações de rito latino, siro-malabar, destinados ao sacerdócio. Os estudantes partilham a vida da comunidade beneditina. Ela oferece a eles oportunidades de aprendizagem em diferentes campos, graças às exposições do ministério pastoral e diversas outras atividades paraescolares e extraescolares.

O número crescente de estudantes obriga a aumentar a biblioteca. Não podendo ser aumentado o espaço atual, é preciso mudar a biblioteca para outro lugar. A antiga biblioteca será convertida em pequenas salas para retiros individuais. O telhado e as paredes já foram refeitos. Agora, é preciso arrumar o interior: pintura, eletricidade, sanitário, ar condicionado etc.



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