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Formação monástica hoje
(Primeira parte)
Boletim da AIM • 2020 - No 119
Índice
Editorial
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB, Presidente da AIM
Lectio Divina
As Bem-aventuranças, Programa de Formação Monástica
Madre Anna Chiara Meli, OCSO
Perspectivas
• Formação teológica e renovação monástica Dom Bernhard A. Eckerstorfer, OSB
• Experientia, uma experiência de formação contínua
Dom Eamon Fitzgerald, OCSO
• "Parar, olhar, escutar" - A vida monástica depois do Covid 19
Dom Robert Igo, OSB
• O discernimento vocacional segundo a Regra de São Bento
Dom Bernardo Olivera, OCSO
• A formação dos beneditinos e das beneditinas na Coreia do Sul
Irmã Marie-Enosh Cho, OSB
• Programa para formadores monásticos
Dom Brendan Thomas, OSB
• A formação para os formadores e formadoras dos mosteiros de Madagascar e do Oceano Índico
Irmã Agnès Bruyère, OCSO
• A Estrutura “Sainte-Anne”
Dom Olivier-Marie Sarr, OSB
• O programa Wisdom Connections T4
Irmã Michelle Sinkhorn, OSB
Meditação
Extrato da conferência de Bento XVI no Collège des Bernardins
Trabalho e vida monástica
A economia monástica como motor de mudança
Isabelle Jonveaux
Artes e cultura
O novo mosteiro de Santa Maria da Assunção, Envigado (Colômbia) Dom Guillermo Arboleda, OSB
Uma página de história
As irmãs beneditinas missionárias de Tutzing
A partir do site da web da Congregação de Tutzing
Monges e monjas, testemunhas para o nosso tempo
• Madre Bénigne
Madre Marie-Madeleine Caseau e irmã Lazare de Seilhac, OSB
• Dom Basílio Penido
Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB
Notícias
• O Secretariado da AIM Dom
Jean-Pierre Longeat, OSB
• Os meus anos na AIM (2005-2020)
Madre Mary Placid Dolores, OSB
• Viagem à Argentina, outubro de 2019 (continuação)
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Editorial
É importante para a AIM ver, regularmente, como estão as propostas de formação monástica no mundo. Estas evoluem inevitavelmente com o desenvolvimento e as iniciativas dos mosteiros de cada região.
As iniciativas são numerosas. Parece-nos útil olhar com atenção um assunto tão importante e consagrar-lhe dois números, o nº 119 e o nº 120. Se alguma comunidade, ao ler o boletim 119, quiser dar informações sobre este ou aquele seu projeto, que nos escreva e veremos como acrescentar sua contribuição no Boletim 120.
A formação de que se trata aqui diz respeito sobretudo à vida monástica e às condições necessárias para o seu desenvolvimento. A questão dos estudos de filosofia, de teologia e das especialidades de tipo universitário, poderia ser tratada à parte; não entra diretamente no tema destes nºs do Boletim.
Para a formação inicial cadaPresidente da AIM comunidade guarda sua parte de responsabilidade. Como vimos no documento “Espelho da vida monástica”, é a comunidade toda que é formadora; mas é importante alargar o horizonte dos membros com os tempos de formação contínua; também deve-se ter cuidado para que cada comunidade possa suscitar e formar responsáveis.
As Ordens, Congregações e Regiões monásticas têm propostas próprias de formação tanto a nível de internoviciados, como de sessões para jovens professos, para formadores, para superiores e outros responsáveis.
São Bento diz, na sua Regra, que quer fundar uma escola do serviço do Senhor. É um projeto evocador. Somos convidados a permanecer em estado de escuta e de troca de conhecimentos e de experiências, ao longo de toda a vida. Conforme uma outra imagem usada por São Bento, a formação adquire-se em “fileiras fraternas” (RB 1), quer dizer com choques, tensões, encorajamentos, luta de todos contra os obstáculos, em vista de uma verdadeira conversão para viver o mandamento do amor. Isto se realiza na oficina (RB 4) aonde se aprende a usar todos os instrumentos espirituais postos à nossa disposição.
Todo a ideia da formação monástica visa permitir aos irmãos, e às irmãs, das nossas comunidades, fazerem a experiência do caminho que nos conduz, juntos, para a verdadeira vida, segundo a inspiração do amor de Deus. Assim, “guiados pelo Evangelho”, “Não nos afastando nunca do ensinamento de Cristo e perseverando até à morte na sua doutrina, na comunidade, participaremos pela paciência nos sofrimentos de Cristo, para merecer ter parte no seu Reino” (cf. Prol. e Cap. 72). As Bem-aventuranças que estão no começo do Evangelho de São Mateus, são uma bela ilustração desta proposta de formação.
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
Artigos
As Bem-aventuranças
1
Lectio divina
Madre Anna Chiara Meli, OCSO
Prioresa de Mvanda (RDC)
As Bem-aventuranças
Programa de formação monástica
“Muitos se perguntam: quem nos dá a felicidade?
Sobre nós fazei brilhar o esplendor da vossa face”
(Sl 4,7)
Este versículo do salmo 4 é, sem dúvida, uma chave excelente para entrar na meditação das Bem-aventuranças. De fato trata-se da procura da felicidade. E isso é um desejo universal: toda a pessoa quer ser feliz. Mas de que felicidade se trata?
Oito vezes São Mateus nos propõe um caminho para a felicidade: “felizes”, mas uma felicidade bastante afastada dos critérios humanos. Quem, hoje, ousaria proclamar felizes os que choram, os que têm fome, e até mesmo os mansos? Nosso mundo nos remete imagens opostas, felizes são os que riem, os saciados, os fortes, etc.
O caminho proposto pelas Bem-aventuranças leva à mesma resposta que o versículo do salmo 4: a face de Cristo. De fato, parece que as bem-aventuranças de São Mateus nos dão, antes de mais, um retrato interior de Jesus, o pobre por excelência, e que nos permitem assim descobrir a sua face.
Como diz M. Dumais : “Jesus pôde proclamar as Bem-aventuranças, porque ele foi a primeiro a vivê-las. Elas refletem a sua experiência, na prática concreta da fé e da esperança, atravessada pelo sofrimento e pela perspectiva da morte. Jesus é assim, a garantia e o modelo de uma existência feliz”[1]. Jesus inaugura sua pregação, em Mateus, com um apelo à felicidade.
Chouraqui vê por trás da palavra “Felizes” uma expressão aramaica, que é um convite para se pôr em movimento: “Vamos…” A felicidade, a que Jesus nos chama, é algo a construir com Ele. Recebe-se de Deus, mas depende das nossas escolhas, dos nossos engajamentos. Isto vê-se ao longo das Escrituras. Por exemplo no Salmo 1, a felicidade é prometida “àquele que não anda conforme os conselhos dos perversos, nem junto aos zombadores vai sentar-se, mas encontra seu prazer na lei de Deus, e a medita dia e noite”. É preciso mudar “de conselhos”, mudar a disposição interior e fazer calar “os projetos vãos das nações” (Sal 2,1), que entram tão facilmente em nós, para nos enraizarmos na Torah, como árvore plantada à beira da torrente. O salmo 2, aliás, termina com uma bem-aventurança, “felizes todos aqueles que põem sua esperança no Senhor”. Se quisermos resumir as Bem-aventuranças podemos dizer simplesmente “felizes aqueles que se assemelham a Jesus. Feliz quem encontra sua alegria em estar, simplesmente, perto do Pai”.
Um outro aspecto interessante das Bem-aventuranças, é que o conjunto das sete últimas é uma “declinação” da primeira. Todas são um aspecto da verdadeira pobreza de coração. Temos, então, de compreender bem a primeira bem-aventurança.
Se a expressão « pobres em espírito” é única em toda a Escritura, ela tem, no entanto um fundo bíblico, e pode ser aproximada de outras expressões semelhantes no evangelho de Mateus: “os puros de coração” (5,8) e Jesus “manso e humilde de coração” (11,29). A pobreza de coração é um estado de espírito que marca todas as atitudes da pessoa. “Um espírito qualificado pela pobreza não é autossuficiente, mas sabe reconhecer sua indigência, sua necessidade dos outros para viver e crescer”. Daí a interpretação hoje bastante aceita “Felizes os que se reconhecem totalmente dependentes de Deus e se entregam a Ele”[2]. Esta primeira bem-aventurança é o oposto do poder, do ser dono de si, de se entregar a Deus. É a sorte cotidiana daqueles que o Antigo Testamento chama de anawim (da raiz “encurvar-se”, daí a tradução proposta por E. De Luca para esta bem-aventurança dos pobres: “Felizes os encurvados pelo vento”). Os anawim são os oprimidos socialmente, incapazes de fazerem respeitar seus direitos, obrigados a encurvarem-se diante dos ricos e poderosos. O termo foi depois usado para designar os que “se curvam diante do Senhor” e esperam tudo dele, pois reconhecem sua indigência. De fato, o anaw, o pobre de coração, “reconhece-se como é: uma criatura que tem em Deus sua riqueza. É aberto e acolhedor… para ele a salvação é um dom a receber, antes de ser uma tarefa a cumprir. A primeira bem-aventurança é a bem-aventurança de base, pois expressa a atitude fundamental necessária para pertencer ao Reino: receber. Sem ela, é impossível enriquecer, viver e crescer na comunhão com Deus e com os outros”[3].
Esta primeira bem-aventurança, já o dissemos, contém todas as outras. É como a matriz. Tudo o que vem depois descreve um aspecto do verdadeiro pobre de coração. E já dissemos, igualmente, que este verdadeiro pobre de coração é o próprio Jesus. Vamos vê-lo nas outras três: a dos mansos, dos aflitos e dos misericordiosos.
“Bem-aventurados os mansos”: o termo usado (praüs) não está nos outros evangelhos e só aparece duas vezes em Mt 11,29 “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” e em Mt 21,5 (citando Zac 9,9) “Eis o teu rei que vem a ti, manso e montado num jumento, filho de uma jumenta”.
As duas citações têm a ver com o abaixamento de Cristo. Ele é O manso. Os mansos são aqueles que, como ele, encontram sua alegria ao trabalhar na obra de Deus.
“O manso não procura forçar Deus a fazer o que ele deseja (…) aceita o tempo de Deus e o modo como Deus age. Não é um fraco, mas pelo contrário, tem uma grande força de alma.”[4]
"Bem-aventurados os aflitos": se compararmos esta bem aventurança com a de Lc 6,21, pode-se pensar em todos os pobres que a vida não poupa. Mas pode-se acrescentar que o termo Penthos (aflição) vem de um verbo que só se encontra uma vez em Mt 9,15 “Podem os convidados das bodas chorar enquanto o esposo está com eles?” De fato, os aflitos são os que a ausência, ou o desprezo de Deus entristece profundamente. Jesus também se afligiu vendo a casa de seu Pai tornar-se um centro de comércio e de ladrões; vendo a lei de amor de seu Pai ser usada para pôr fardos pesados sobre os ombros dos simples; vendo essa mesma Torah ser usada contra o homem e não para ele. Em resumo, afligiu-se diante desta desfiguração do rosto do Pai!
“Bem-aventurados os misericordiosos”: no Antigo Testamento a misericórdia é, antes de mais, um atributo de Deus. Sua misericórdia consiste em perdoar as faltas e a agir em favor das pessoas que estão na necessidade. O termo que é traduzido na Bíblia por misericórdia é “rehem” que de fato designa o útero, o seio materno.
“Ser misericordioso é “senti-lo no ventre” diante de uma situação de mal ou de miséria (…) Os misericordiosos são aqueles que abrem seus corações aos outros e agem para aliviar seus sofrimentos (…) A partir dos exemplos dados em Mateus 25 pode-se alargar e concluir que a bem-aventurança da misericórdia abraça todos os serviços a prestar ao próximo em situação de necessidade”.
A parábola de Mateus 18,23-35 revela, por seu lado, que “o perdão dado aos outros vem do perdão recebido de Deus (…) A experiência de ser perdoado por Deus leva-nos normalmente a ser capazes de perdoar aos que nos fizeram mal. A acolhida do perdão é real, autêntica, quando aquele que o recebe dá frutos, perdoando por sua vez”. Como não ouvir aqui o eco das palavras de Jesus na cruz “Pai perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”?
Pode-se aplicar a mesma releitura cristológica a cada uma das outras bem-aventuranças. Isso nos permite ver um pouco da beleza do rosto do “mais belo dentre os filhos dos homens”. E através dele ter um reflexo da beleza do Pai.
[1] M. Dumais, Le sermon sur la Montagne (Mat 5-7), CE 94 Paris, Cerf, 1995 pág 18.
[2] Idem, pág 18.
[3] M. Dumais, Le Sermon sur la Montagne (Mat 5-7), CE 94, Paris, Cerf, 1995 pág. 18-19.
[4] Idem pág 20.
[5] Idem pág 23.
Formação teológica e renovação monástica
2
Perspectivas
Dom Bernhard A. Eckerstorfer, OSB
Reitor do Ateneu Santo Anselmo, Roma
Formação teológica
e renovação monástica
Lendo as novas publicações teológicas e monásticas, impressiona constatar que uma grande parte toca os desafios do nosso tempo. Não há dúvida de que estamos sendo confrontados com uma mudança, e até mesmo, para muitos, uma mudança para uma nova época. Como a Igreja no seu conjunto, também os mosteiros se esforçam por encontrar novos caminhos para o futuro. Esta procura é mesmo urgente quando a sobrevivência da comunidade depende disso. Nesta perspetiva a questão da formação para os beneditinos é de grande atualidade e por isso, explosiva. Mostra se, e como, a renovação monástica pode dar certo.
Este nº da AIM usa a palavra chave “hoje” para apresentar a temática da formação. A formação monástica sempre se esforçou por transmitir a vida beneditina numa consciência desperta para a realidade de cada época. Houve, evidentemente, muitas vezes, um modelo único, considerado duradouro, pois os modelos de igreja e de sociedade também perduravam por várias gerações. Mas a nossa situação atual é muito confusa: em pleno meio de mudança de época, as coisas que antes eram evidentes, agora não o são mais; mas os novos paradigmas ainda não se impuseram, ninguém sabe como vai ser o futuro. Todos pressentimos que é preciso engajar-se em novos caminhos. Mas quais para chegar a novos horizontes?
Na situação atual estou convencido que a teologia é um fator decisivo para a formação dos beneditinos e para a nova orientação das nossas comunidades. Mas há que ter em conta outra coisa: o monaquismo poderá igualmente ter um papel importante na renovação da teologia. Como na vida política, social e cultural em que se constata uma desorientação, até mesmo uma ruptura com as antigas instituições e os modos de pensar, até então globalmente bem recebidos, há uma transição na Igreja e na teologia. Neste domínio a palavra “crise” está em todas as bocas. A etimologia da palavra pode ter um papel revelador: crise significa discernimento, decisão, e exige mesmo as duas coisas.
Gostaria de tratar do assunto que me foi pedido em três pontos. Abordaria primeiro a iniciação monástica, seu sentido e formas. Fui Mestre de noviços durante doze anos, e ao longo desse tempo experimentei a necessidade de iniciações fundamentais. Depois gostaria de reler a prática monástica como um lugar teológico. Finalmente gostaria de apresentar o papel da universidade na renovação da vida monástica.
A formação monástica como processo teológico
Nos mosteiros constatamos que a transmissão da fé se faz essencialmente pela prática de um certo tipo de vida. Estando numa sociedade religiosa homogênea, seus pontos de vista, seus usos e costumes são considerados como evidentes – pois que são partilhados e sustentados pela maioria. A partir do momento que entramos num mundo pluralista, em que a fé é uma opção, como qualquer outra, é preciso refletir sobre os atos feitos até então de maneira automática, não para os perder, mas para os traduzir de outra maneira, para que sejam compreendidos no contexto atual.
Quando alguém entra no mosteiro, começa um processo de aprendizado complexo. Integrados nas práticas comunitárias, muitos elementos são conscientizados ao longo dos primeiros anos; conscientizados quer dizer pensados e, portanto, postos em questão. Este trabalho é importante para a pessoa se apropriar dos modos de fazer, que estão enraizados na comunidade. E é assim, que pela entrada de cada novo membro na comunidade, a vida monástica se renova, atualizada no processo de apropriação comunitária e individual, vivificado pelo sentimento de viver no hoje. Assim a vida monástica se mantém viva.
A introdução à vida beneditina é um processo teológico. O monaquismo sempre viu o monge como uma pessoa que procura a Deus, e isso exige um modo de pensar bem ajustado ao modo de vida. Para se ser teólogo, no primeiro sentido do termo, não precisa fazer um doutorado em teologia. São as pessoas espiritualmente competentes que levam uma vida “teológica” e que aí introduzem os outros. Gostaria de ilustrar com um testemunho pessoal como a iniciação de base é essencial. Entrei no mosteiro com 29 anos, depois de longos estudos no meu país e no estrangeiro. O Abade e o mestre de noviços me disseram: “já tens um doutorado em teologia, o que poderemos ensinar-te ainda?” Eles pensaram que poderia ajudar uma missa pontifical, sem dificuldade. Ora eu nunca fui coroinha, e nunca me ensinaram nada sobre cerimônias pontificais durante meu curso de teologia protestante, na América do Norte…estava bem mais atrapalhado e desajeitado do que meu co-noviço, que tinha vindo diretamente da escola monástica para o noviciado.
Meu mosteiro superestimou a importância dos meus estudos universitários para a vida monástica; por outro lado subestimou a necessidade de uma iniciação monástica para um jovem teólogo. Esta iniciação faz-se por osmose. Em todos os mosteiros há irmãos e irmãs que vivem sua vida monástica fielmente há anos. Estão espiritualmente bem modelados, e tornam-se modelos para a geração seguinte, mais pelo que são, do que pelo que fazem, mais pelo seu ser do que pelos seus discursos. Quando penso nos meus primeiros anos monásticos, foram eles os meus mestres, incluindo o abade e o mestre de noviços, de quem já falei, que não se consideravam grandes teólogos.
É evidente que tive de aprender a minha nova identidade; tive de entendê-la refletindo. Durante o noviciado foi-me dada a oportunidade de ler, entre outras obras de base, uma boa parte das obras do meu novo padroeiro São Bernardo de Claraval. Foi uma nova experiência de aprendizado. Pude saborear a leitura sem estar sob a pressão de valorizar o que tinha lido em provas ou deveres acadêmicos. Aprender a ler os grandes textos do monaquismo e da história da espiritualidade não foi fácil nem evidente. Foi uma bênção que logo após o noviciado fui enviado para Santo Anselmo por dois anos, ali onde já mais de 100 de meus irmãos tinham estudado durante decênios. O Credo do nosso abade na época era: “Cada um dos irmãos deveria ter a possibilidade, se quiser, de passar pelo menos um semestre em Santo Anselmo”.
Em Roma encontrei uma teologia nova para mim. De repente vi-me a rezar e a comer com os professores e os estudantes. Eis o segredo da formação dos beneditinos. O modo de viver e o modo de pensar interpenetram-se. No entanto, a reflexão teológica sobre a vida beneditina estava no primeiro plano. Acedi a essa reflexão por meio de alguns cursos, porém mais ainda pela atenção pessoal de teólogos beneditinos que me ajudaram a integrar minha formação teológica antecedente na vida monástica. É, justamente, esta mistura entre um estilo concreto de vida e uma compreensão mais profunda que caracteriza a vida monástica. Esta junção não pode resistir às exigências da vida atual, separar-se em diferentes setores sem ligação uns com os outros.
Pouco antes de minha profissão solene passei por uma crise. Outros modos de vida me atraíram e tive a impressão que os meus quatro anos de monge eram uma experiência que tinha chegado ao fim. Olhando para trás, tomei consciência que minha decisão de me engajar pela profissão monástica se deveu, em grande parte, à reflexão teológica, que pude fazer sobre meu novo gênero de vida, incluindo os contatos que fiz com o monaquismo mundial, sobretudo durante meus dois anos em Santo Anselmo.
O exercício concreto da prática monástica
O germe de uma renovação beneditina está nas práticas monásticas que é preciso redescobrir, compreender de novo e pôr em prática de modo atualizado. A formação monástica não serve para nada, quando pressupõe demais. Nada é evidente quando temos de lidar com jovens nas nossas comunidades. Partamos do mais elementar: as experiências que nos parecem banais na vida cotidiana devem ser repensadas. Que atitudes ter? Quais são os ritmos e as estruturas que nos dão estabilidade? Convém não só imitar o gênero de vida monástico, mas de o compreender a partir do interior, e – por consequência – pô-lo em questão, e mudá-lo; até mesmo transformá-lo. Para isso é preciso pôr em ação uma mistagogia das práticas monásticas, para desenvolver os elementos fundamentais na sua rica tradição – mas também transferi-los para o mundo contemporâneo: stabilitas e conversatio, a pequena cela monástica e o grande recinto claustral, a leitura e a autodisciplina, a solidão e a comunidade etc.
Um ponto essencialíssimo é aprender uma nova maneira de ler. É impossível a nível mundial, prever o impacto da revolução digital nas nossas civilizações e a mudança que isso terá na sociedade. Pode dar novas possibilidades ao monaquismo. Mas não fechemos os olhos ao fato que ela impõe uma realidade estranha ao espírito beneditino. Os media baseiam-se em mensagens concisas, com sinais e abreviações que são atuais enquanto duram e cujo acesso é temporário. A abertura numérica ao mundo não combina com o processo refletido e a redação laboriosa de escritos cuidadosamente construídos, nem com a cultura livresca tradicional, Mas será que os mosteiros podem passar sem os meios digitais?
Na lectio os jovens irmãos adquirem não só conhecimentos religiosos, mas também competência teológica: poder passar uma hora, ou pelo menos meia hora exclusivamente para ler, cada dia, e isto durante meses e anos! Na meditatio a leitura sedimenta-se e torna-se sabedoria. Sapientia vem de sapere, que se pode traduzir por “saborear”. É o fundamento da oratio. Mas quanta paciência e perseverança são precisas para chegar lá, e justamente no nosso mundo tão capaz tecnologicamente! O ensino no noviciado deve encorajar a leitura de textos teológicos, que deverão depois ser discutidos. Nesta partilha não se trata de dizer logo o que eu acho, mas “que diz o autor?” o que significa ter compreendido bem o texto.
A formação monástica deve permitir uma compreensão mais profunda da realidade e estabelecer o laço entre a leitura constante de pedaços do texto e um experiência de leitura holística. Vejamos se nossos mosteiros são viáveis: a biblioteca é ainda um lugar de vida, ou é um armazenamento, ou no melhor dos casos uma sala de exposição de um passado de uma procura viva de Deus? Uma missão teológica do monaquismo hoje não seria fazer renascer a cultura da leitura? Não seria a primeira vez que os mosteiros seriam vetores, transmissores de civilização.
Do mosteiro à universidade e vice-versa
Hoje, mais do que no passado, constatamos que os candidatos precisam de uma iniciação à fé. O monge forma-se exercitando-se a saborear a leitura e a descobrir nela todo um universo de significado religioso. Um professor de teologia experimentado, de uma universidade do Estado me dizia um dia: “ os que fizeram um noviciado estudam de maneira diferente”. Mas eu devo dizer que, pelo menos conforme minha experiência na Europa Central, alguns dos que entram nos nossos mosteiros têm aversão à teologia universitária. Isso vem, provavelmente, por causa de uma diminuição científica, quando a teologia é estudada como uma ciência sem ligação com a fé vivida. Mas por outro lado, revela também a falta de consciência do que a teologia acadêmica pode e deve fazer para os nossos mosteiros.
O ensino e a pesquisa teológicos na universidade, em diálogo com as outras disciplinas, oferece um quadro próprio para a prática e a reflexão acima descritas. Depois de ter passado vinte anos no meu mosteiro na Áustria, reencontro em Santo Anselmo a liberdade oferecida pelo quadro acadêmico, no qual os estudos são prioritários, mas não separados da vida espiritual. Assim os estudantes podem consagrar-se a uma especialização em filosofia, teologia e/ou liturgia fazendo frutificar as outras coisas que os atraem. A crise do Corona mostrou como a missão educativa pode ser realizada por meio das novas tecnologias. Continuamos com o ensino direto, que integra uma discussão pessoal no lugar e faz valorizar a cidade de Roma, e nela da Igreja universal, como experiência teológica. No entanto, alargamos sempre mais nossas possibilidades “on line” para abrir para as pessoas que não podem vir para a Cidade Eterna uma participação no ensino e na pesquisa de Santo Anselmo.
Não devemos subestimar o trabalho de colegas religiosos, ou faculdades de Estado que contribuem para vivificar e tornar plausível nossa existência beneditina. Conforme posso observar, as novas fundações monásticas vão juntamente com uma reelaboração teológica, enraizando-se nas fontes do monaquismo; como havia previsto o Vaticano II, uma volta às fontes, junto com a procura de modalidades adaptadas às condições atuais (aggiornamento). A teologia científica pode, neste domínio, dar uma grande contribuição. A fé vivida, tal como se expressa nas práticas monásticas, necessita de uma reflexão crítica e da apresentação da rica Tradição neste nosso tempo. Isto protegerá os nossos mosteiros de se fecharem no unilateralismo, no devocionismo e nas ideologias de todo o tipo.
Os mosteiros ricos de sua tradição monástica têm muito a dizer ao mundo universitário de hoje. O decano da faculdade de teologia de uma universidade do Estado declarou recentemente, que lamenta que a teologia universitária não apareça na sociedade e na cultura de hoje. Vemos que o mundo leigo está interessado no testemunho vivido da fé (no testemunho de uma fé viva). Quando se pratica a teologia como uma forma inspirada pela experiência da fé e a expressão de uma liturgia viva, então as outras disciplinas (acadêmicas) começam a interessar-se e até as pessoas que estão à procura de alternativas convincentes. Ao menos para a Europa Central, posso testemunhar que para além de todas as crises que afetam atualmente a Igreja e seu trabalho pastoral tradicional, do qual os mosteiros não estão excluídos, o interesse pela vida beneditina é grande e constante, tanto nos que creem, como nos céticos. Encontram nos mosteiros a realização de suas aspirações por uma “vida alternativa” e gostariam de se inspirar na riqueza e na força espiritual das antigas tradições. Isto deveria a nos encorajar em nossos mosteiros a ajustar nosso tipo de vida beneditina com uma maneira de pensar adequada, desde o noviciado até aos altos níveis de formação religiosa. O monaquismo poderia assim contribuir para uma teologia renovada, no seio de uma Igreja missionária, que, segundo o Papa Francisco não deveria contar só com os especialistas das universidades de teologia e os burocratas da organização eclesial.

Experientia, uma experiência de formação contínua
3
Perspectivas
Dom Eamon Fitzgerald, Abade Geral
Ordem Cisterciense da Estrita Observância
Experientia,
uma experiência de formação contínua[1]
Uma coisa que aprecio neste programa é o modo como ele surgiu. Fui, de fato, espectador interessado e testemunha de sua gênesis, desde o Capítulo Geral de 2014. E, para mim, ele parece-se com a parábola do grão de mostarda do Evangelho.
Quando da reunião da Comissão Central no fim do Capítulo Geral de 2014, a Irmã Marie Mouris do Mosteiro Val d’Igny, foi eleita Secretária Central para a Formação. Seu primeiro trabalho foi informar-se sobre o que tinha sido dito no Capítulo a respeito da formação e também sobre as necessidades das comunidades neste assunto. Para ter dados de primeira mão, ela escreveu aos abades e abadessas da Ordem para perguntar quais as necessidades e desejos, e também para saber se eles podiam indicar membros disponíveis nas suas casas, dispostos a ajudar as comunidades que precisam. Entre as respostas havia uma sugestão de uma carta circular, que pudesse ser difundida para partilhar informações sobre o que se faz, em matéria de formação, tanto nas Regiões, como nas comunidades: sessões, cursos ou outros seminários. A sugestão foi logo posta em prática e a Newsletter já circula regularmente entre as secretarias da formação na Ordem e até mais amplamente. Esta iniciativa é muito apreciada. Permite uma partilha de informações, estimula a reflexão e encoraja a comunicação, assim como a relação entre as secretarias, promovendo ao mesmo tempo a colaboração entre elas.
Ir. Marie escuta; pensa também rapidamente. Durante o ano de 2015 ela perguntou: “Como podemos fazer as Regiões refletirem sobre a intuição que apareceu no Capítulo de 2014 sobre a formação? A intuição a que ela se referia, tinha sido expressa em forma de pergunta por um dos Membros do Capítulo: “Como podemos promover uma formação mística integral”? Ir Marie conseguiu convencer 7 abades ou abadessas a escreverem sobre este tema a partir de suas experiências. Deste trabalho surgiu uma pequena Coletânea, que foi calorosamente recebida.
O nosso Programa de Formação (Ratio Institutionis) fala da comunidade como “formadora”. Esta afirmação, aliada à convicção pessoal de Ir. Marie, assim como à experiência de certas Reuniões regionais, levou a pensar que seria bom imaginar uma proposta simples de formação permanente dos irmãos e das irmãs de todas as idades. Isto nos daria ocasião de voltar, juntos, às nossas raízes cistercienses, de aprofundar a nossa identidade, de encorajar o estudo individual e a lectio.
A Comissão Central se reuniu em 2016 e encorajou esta ideia quando discutiram o projeto de Ir. Marie, e aconselharam a procurar uma pessoa capaz, a nível de competência e de experiência, para supervisionar tal projeto. A Comissão sugeriu o P. Michael Casey de Tarrawarra e, generosamente, ele aceitou. Foi formado um grupo que trabalhou sob sua orientação, e juntos, elaboraram o programa. Ir. Marie, no Capítulo Geral de 2017, apresentou detalhadamente o conteúdo, e também o método. Os Membros do Capítulo votaram seu apoio e encorajamento a favor do programa, como excelente para ser apresentado às comunidades da Ordem.
O programa chama-se EXPERIENTIA. Visa permitir aos monges e monjas de hoje refletirem sobre a sua experiência da vida monástica, e confrontá-la com textos escolhidos na tradição cisterciense e monástica. Desta maneira, a longa experiência destilada pela nossa tradição, poderá iluminar a nossa experiência atual, e encorajar, motivar e orientar a nossa maneira de viver a graça cisterciense no mundo contemporâneo. Nove campos de experiência foram definidos, que correspondem a aspectos importantes da vida humana e monástica. Eis alguns: “o caminho percorrido”, “o desejo libertado dos desejos”, “a comunidade”, “a oração”, ou ainda a “diminuição”. Como os títulos sugerem claramente, este programa não diz respeito somente aos monges e monjas mais dotados para o estudo, os universitários, ou os intelectuais entre nós, mas está concebido para os monges e monjas comuns. No fundo, o programa visa encorajar a reflexão sobre o experiência humana autêntica, e leva a perguntar-se como vivê-la bem, como monges e monjas que pertencem a esta tradição particular de vida evangélica, que se expressa na Regra de São Bento e na tradição cisterciense.
Quero aqui dizer minha gratidão ao P. Michael e aos membros do grupo que elaboraram o programa, assim como àqueles que tiveram um papel na sua realização. É um projeto da Ordem, tanto na sua concepção, como na sua realização. É fruto de simplicidade, sem pretensões. Nasceu de um espírito de escuta atenta, alimentou-se com o amor pelo nosso carisma cisterciense, vivido em toda a sua diversidade pelo mundo, e com a inteligência, clareza do objetivo e competência. Recomendo-o calorosamente a todas as comunidades da Ordem. Possa Experientia encontrar hospitalidade, ser acolhida, nos nossos mosteiros, não somente como algo mais para as nossas bibliotecas e arquivos, mas como um bom instrumento de trabalho, que nos permitirá viver nossas vidas no mundo de hoje, com serenidade e ardor, na comunhão do amor do Cristo. Possa este programa nos conduzir juntos à vida eterna!
monastique. De cette manière, la longue expérience distillée par notre tradition pourra éclairer notre expérience actuelle et nous prodiguer encouragement, motivation, et orientation dans notre manière de vivre la grâce cisterciennospitalité dans nos monastères, non pas seulement comme un ajout à nos bibliothèques et nos archives, mais comme un instrument du bon travail qui nous permettra de vivre nos vies dans le monde d’aujourd’hui avec sérénité et ardeur, dans la communion d’amour du Christ. Puisse-t-il nous conduire ensemble à la vie éternelle !
[1] Prefácio ao Volume 1 da Experientia, disponível no site da OCSO: https://www.ocso.org/formation/experientia. Cortesia de Dom Eamon Fitzgerald.
A vida monástica depois do Covid 19
4
Perspectivas
Dom Robert Igo, osOSBb
Prior de Christ of the Word (Macheke, Zimbábue)
Formação permanente:
“Parar, olhar, escutar”
A vida monástica depois do Covid 19
Eis algumas reflexões à leitura do documento “Transformar nossos mosteiros para uma nova era” proposto pelo Presidente da Congregação Inglesa, depois da pandemia que afetou nosso planeta.
Há alguns anos, no Reino Unido, houve uma campanha para as crianças aprenderem a atravessar a rua com segurança; a campanha chamava-se “The Green Cross Code” (Código Cruz Verde). A mensagem estava construída à volta das palavras: “Para, Olha, Espera”. Estas palavras voltaram-me à memória quando li e refleti sobre a proposta do projeto.
Me dei conta de que no seio da Congregação Inglesa há 5 comunidades monásticas que não estão no Reino Unido: elas podem ter ideias muito diferentes pelo fato de não serem de cultura inglesa. Isto é especialmente verdade para as fundações no Peru e em Zimbábue.
No Zimbábue fomos muito claros desde o início: nossa tarefa principal era semear a semente da vida monástica segundo a Regra de São Bento, e não implantar costumes, nem a cultura de um mosteiro inglês. Dito isto, anunciamos claramente que não tínhamos a intenção de julgar o que íamos encontrar, mas que queríamos simplesmente compreender uma cultura nova para nós e diferente da nossa. Foi por isso que passamos muito tempo a tentar adaptar o que pensávamos ser as chaves principais da vida beneditina, sem as quais não seriamos filhos de São Bento.
Em outras palavras não viemos fazer uma fundação com a ideia que já tínhamos resposta para tudo. Viemos com o desejo de descobrir e não de nos impormos à cultura e ao povo do Zimbábue. Acho que esse processo nunca tem fim!

Sob muitos aspectos, a vida pós Covid 19 não será muito diferente daquela de uma fundação numa cultura nova e desconhecida. A experiência das duas fundações da Congregação Inglesa poderia ter algo a mostrar em termos de flexibilidade, de engajamento e de paciência. Muitas vezes pensei ao longo destes quase 25 anos, que estamos numa caminho de fé e de confiança, mais do que num caminho de certezas absolutas.
Neste espírito me perguntei se, como etapa inicial do “Projeto”, não seria mais proveitoso se cada comunidade da Congregação fosse convidada a refletir sobre os seguintes pontos:
1 – Quais foram os dois ou três aspectos positivos do confinamento, no que toca a:
a) nossa vida de oração (comunitária e pessoal);
b) a lectio e a leitura espiritual;
c) a vida entre os irmãos;
d) um aprofundamento da Regra.
2- De que maneira a experiência reforçou nossa compreensão da identidade monástica e da nossa missão?
3- Esta experiência revelou em nossas comunidades forças ou fraquezas?
4- O que se revelou a propósito de nossos apostolados tradicionais e eventuais oportunidades futuras?
5- Na base do que precede, que desejaria construir ou reforçar ao longo dos próximos meses?
São apenas alguns pontos que poderiam fazer emergir uma experiência vivida muito útil e, que por sua vez, poderia permitir que cada mosteiro olhasse o futuro com esperança, e ajudar a Congregação facilitando o trabalho do Presidente e do Capítulo Geral.
Como as nossas Constituições o indicam claramente, a Congregação Inglesa é um conjunto de mosteiros sui júris de monges e de monjas. Não é uma empresa, que pode ser gerida a partir de cima; a Congregação precisa de um engajamento de base comprometido com um processo de renovação monástica, semelhante ao que está descrito nas duas exortações do Papa Francisco: Evangelii Gaudium e Gaudete et Exultate.
Como é que os mosteiros da nossa Congregação poderiam responder melhor à situação atual (com um sentido renovado da missão, uma fome de santidade e de partilha da alegria do Evangelho, para se conseguir um verdadeiro pôr em comum de experiências de sabedoria e de recursos) ou pelo menos seguir as três palavras do Green Cross Code?
Temos de PARAR e, para isso a obrigação do confinamento foi uma oportunidade. Para ser “positivo” cada mosteiro poderia talvez procurar dar tempo a cada um, pessoalmente, e à comunidade no seu conjunto, e engajar-se numa reflexão guiada e séria.
Isso nos levaria a OLHAR: talvez graças a uma série de perguntas, como as que coloquei, mas que poderiam facilmente ser melhoradas, para que a Congregação pudesse colocar as mesmas a todos, mas esperando receber respostas diferentes.
Mas para evitar “o espírito de introspeção” devemos ESCUTAR não só para nós, mas para a Igreja de que fazemos parte. Pois uma coisa é perguntarmo-nos a que tipo de mosteiro queremos pertencer, e outra, mais importante, que tipo de mosteiro deseja a Igreja local e nacional.
Permitam-me expor algumas lembranças pessoais. Quando chegamos ao Zimbábue entramos em contato primeiro com os bispos, os padres e os religiosos. Depois, em cada diocese, organizamos retiros para os padres e pregamos em cada Congregação religiosa, ou acompanhamos individualmente seus membros. Isto não era para nos darmos a conhecer, mas para aprender deles como podíamos ser uma verdadeira ajuda espiritual. Precisávamos de saber o que esperavam de nós, como monges e quais eram suas necessidades. Este diálogo foi frutuoso, instaurando a confiança e levou a uma segunda etapa: o compromisso com os leigos. Se o mosteiro Cristo, Verbo de Deus deve se enraizar na terra do Zimbábue, devemos respeitar esta terra e descobrir como ela é. Sugiro que se faça algo semelhante para ajudar qualquer “projeto” que queira transformar nossos mosteiros no pós Covid 19.
Quem sabe alguma coisa de epidemiologia poderá dizer-vos que este vírus vai provavelmente parte da nossa vida durante anos, dezenas de anos. Estou pensando no HIV: continua infectando milhares de pessoas cada ano, e ainda não foi encontrada nenhuma vacina para o combater.
Viktor Frankle falou da “síndrome do arame farpado”: alguns presos dos campos de concentração já estavam mortos interiormente, antes de morrer fisicamente. Viam o arame farpado e perdiam a esperança, enquanto que outros também viam, mas sabiam que para além dele havia vida. O que quero dizer é que muita coisa positiva saiu da experiência destes últimos meses e que pode ser explorada.
Dois exemplos me vêm ao espírito:
1) o sentido da vida fraterna foi reforçado, graças a uma clausura reforçada. Estou certo que isso tem mais vantagens do que reuniões sobre “os edifícios comunitários";
2) a criatividade que as comunidades tiveram para utilizar os meios sociais, ou outros, para difundir missas e retiros em “streaming”. Isso foi muito apreciado, mesmo se a qualidade não foi a de Warner Brothers! É preciso que isso continue e cresça. E devemos estender a mão à igreja local para obter conselhos e tornarmo-nos especialistas.
O vírus fez surgir numerosas oportunidades pastorais apaixonantes; dialogar com a Igreja no seu conjunto, nos ajudará muito.
O vazio espiritual que o vírus revelou deve ser cumulado, e nossos mosteiros devem preparar-se e equipar-se com recursos espirituais, como num “hospital de campanha”.
Se não olharmos e não refletirmos no Evangelho e na Regra, se não virmos como ajudar as pessoas do nosso tempo, então nos isolaremos para criar programas, estruturas, estratégias que encherão livros, mas não ajudarão ninguém. As pessoas irão procurar aonde não devem. É uma oportunidade dada por Deus, que vai testar a autenticidade espiritual com que vemos a vida monástica.
O discernimento vocacional segundo a Regra de São Bento
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Perspectivas
Dom Bernardo Olivera, OCSO
Antigo Abade Geral dos Trapistas
O discernimento vocacional
segundo a Regra de São Bento
Esta intervenção[1] de Dom Bernardo Olivera sobre a formação inicial nos pareceu útil para iluminar essa formação muito concretamente, a partir do que São Bento pensa na sua Regra.
A abundância e a falta de vocações são, geralmente, causas que sublinham a importância do discernimento. A falta de vocações convida, muitas vezes, a correr o risco de “aceitar” qualquer tipo de candidatos; a abundância leva não os passar pela peneira da colheita.
Nosso objetivo é consultar o ensino de São Bento na sua Regra: um ensinamento que vai desde o antes da entrada, até à profissão monástica.
São Bento tinha certamente o carisma do discernimento dos espíritos, mas quando se trata de vocações, é muito prático: baseia-se no que se vê e pode ser observado. Eis quatro critérios particulares e gerais oferecidos pela Regra.
A paciência perseverante
O primeiro critério da Regra está no começo do cap. 58, e diz assim:
“Apresentando-se alguém para a vida monástica, não se lhe conceda fácil ingresso, mas como diz o Apóstolo: ”provai os espíritos, se são de Deus”. Portanto se aquele que vem, perseverar batendo à porta e se depois de quatro ou cinco dias, sendo-lhe feitas injúrias e dificuldade para entrar, parece suportar pacientemente e persistir no seu pedido, conceda-se-lhe o ingresso, e permaneça alguns dias com os hóspedes” (RB 58,1-4).
Trata-se de um discernimento preliminar para examinar se o candidato está tocado pelo Espírito de Deus, no que diz respeito à sua vinda ao mosteiro.
Bento indica dois pontos fáceis de verificar: a perseverança e a paciência. O fator tempo ajudará a verificar estas duas realidades. Se, por um período de alguns dias, o candidato perseverar no seu pedido, e tiver paciência diante da demora que lhe impõem, pode-se dizer que é o Espírito de Deus que o traz ao mosteiro. O que não significa, evidentemente, que deva abraçar obrigatoriamente a vida monástica. A paciência é a primeira virtude que o candidato deve praticar. A paciência - consigo mesmo e com os outros – é um fator prioritário de perseverança na vida monástica. Sem paciência não há comunhão com os sofrimentos pascais de Cristo, nem comunhão profunda e misericordiosa com as deficiências dos irmãos da comunidade (RB Prol 50;72,5).
Comentário pastoral: Muitas vezes condicionados pela falta de vocações, alguns ou algumas se precipitam para admitir candidatos, deixando de lado este critério que todas as regras mencionam, assim como a tradição monástica em geral. Pela mesma razão também, se omite dizer, de antemão, ao candidato as coisas duras e ásperas pelas quais se vai a Deus (58,8).
A verdadeira procura de Deus
O segundo critério beneditino diz assim:
“Que haja solicitude em ver se procura verdadeiramente a Deus, se é solícito para com o Ofício Divino, a obediência e os opróbrios” (58,7).
A procura de Deus, neste contexto, não é a procura de um Deus escondido, mas de um Deus de quem nos afastamos e para o qual decidimos voltar, um Deus que precede a nossa procura, procurando-nos por primeiro (Prol 2,14; 58,8). Note-se que Bento recomenda “observar”. Por outras palavras, os critérios de discernimento que propõe, necessitam de uma observação atenta. O texto sugere quem são os que “observam”, é o conjunto da comunidade. O que precede supõe que o ancião (sênior) capaz de ganhar almas (o mestre de noviços) seja particularmente responsável por esta observação… O cuidado que caracteriza esta observação é que seja solícita, observação atenta. Esta atenção particular refere-se à intensidade e à duração. O que a sutilidade e a perspicácia não fazem, faz-se facilmente com o tempo. O tempo revela o coração. O objeto da observação não é a intenção (invisível) do candidato à vida monástica, mas o seu comportamento (visível), e isto numa tríplice perspectiva: o dom de si à vida de oração, a aceitação da vontade dos outros e tudo o que coloca o orgulho do candidato debaixo de seus pés. Note-se que não se trata de se dedicar à oração, à obediência e à humildade, mas de se dar a isso numa aceitação dada, fervorosa e cheia de bom zelo.
- A obra de Deus
No que diz respeito à Obra de Deus, a oração tem o primeiro lugar. Bento é coerente com o que diz no começo da Regra:
“Antes de tudo, quando encetares algo de bom, pede-lhe com oração muito insistente que seja por ele realizado” (Prol. 4).
E, querendo ser ainda mais claro, afirmará, para que não haja dúvidas: “Nada preferir à obra de Deus” (43,3). Note-se que Opus Dei refere-se ao Ofício Divino, mas em relação com o esforço geral de atenção a Deus (cf. 19,1-2; 7,10 e ss).
Comentário pastoral: Não se trata somente de observar o pedido do candidato por meio da sua participação ativa e consciente na Obra de Deus… mas também seu modo de integrar o que os formadores lhe propõem na ordem da práxis: utilização dos livros do coro, canto; estudo: história, teologia, estrutura da liturgia das horas; mistagogia: oração dos salmos, que o espírito esteja de acordo com o coração…
- A obediência
A obediência beneditina é uma consequência da oração (cf. 6,2), portanto comporta uma certa primazia. O 1º grau da humildade é a obediência sem demora (5,1).
O pedido de obediência (fervor, bom zelo) leva a obedecer não só aos superiores, mas também a todos os irmãos da comunidade (72,6). Esta obediência leva à união com Jesus Cristo, que disse “Eu não vim fazer a minha vontade, mas a daquele que me enviou” (RB 7,32 citando Jo 6).
Comentário pastoral: não esquecer que existem dois tipos de obediência em relação à liberdade:
- obediência por coerção: é o medo que faz agir;
- obediência por convicção: é a escolha que faz agir.
Na primeira forma de obediência, a liberdade é condicionada pelo medo do castigo; no segundo caso, é o livre arbítrio que prevalece (liberdade motivada pela razão): identifica-se com a obediência voluntária, de que fala Perfectae Caritatis.
- Opróbrios
Os opróbrios, se olharmos a possível fonte basiliana do texto (Basílio, Regra, 6-7), referem-se aos trabalhos modestos e seculares.
São Bento encarrega-se de toda a vida do candidato para ajudar na humildade por meio de inevitáveis humilhações (cf. 7,44-54). É assim que o candidato à vida monástica começa por aderir a Jesus Cristo, que se apresenta manso e humilde de coração, e que veio para servir e não para ser servido (Mt 11,29; Mc 10,45).
Comentário pastoral: não se trata de ser humilhado de propósito, intencionalmente, mas de aceitar uma vida de serviço e de simplicidade.
- Conclusão
São Bento é muito concreto: a procura de Deus manifesta-se combatendo o egoísmo e o orgulho, pois isso impede a comunhão com Jesus Cristo e com o próximo.
Note-se, igualmente, que os três critérios propostos pelo Patriarca têm uma certa correspondência na escada da humildade. De fato, o 1º grau corresponde à relação do monge com Deus; os graus 2 a 4 referem-se à obediência; os graus 5 a 8 propõem o modo de se abaixar com a vergonha e a humilhação.
Por que motivo São Bento não menciona o silêncio como critério de discernimento? Não sabemos. Talvez por motivos literários ou pedagógicos. No entanto, os graus 9 a 12 da humildade falam dele.
Resumindo, as propostas de São Bento podem ser reformuladas em duas perguntas: o candidato à vida monástica procura seguir e imitar o Cristo na sua oração, sua obediência e sua abnegação? Oração, obediência e humildade estão a serviço de uma verdadeira procura de Deus?

A observância da Regra
O terceiro critério consiste na confrontação com a regra de vida da comunidade.
São Bento diz que ela deve ser lida ao candidato, por inteiro, três vezes antes da profissão final. A capacidade do candidato para observar pacientemente o que ela prescreve, é igualmente um critério de discernimento (58,9-16).
Comentário pastoral: Os comportamentos obedientes e humildes devem vivificar a observância da Regra inteira, sendo esta observância uma prova suplementar da procura de Deus. Além da Regra de São Bento o candidato deve conhecer os costumes da Ordem contidos nas Constituições e Usos da comunidade.
O bom zelo
O pedido que o candidato à vida monástica deve manifestar está intimamente ligado ao bom zelo, típico de quem decidiu afastar-se dos vícios e dirigir seus passos para Deus. Por conseguinte, o cap. 72 da Regra, sobre o Bom Zelo, ou o amor mais ardente, oferece critérios suplementares para verificar o dom da vida e o crescimento na vida divina.
Em resumo, os critérios do bom zelo podem ser apresentados assim:
- respeitar-se uns aos outros (honra);
- ajudar-se mutuamente (paciência);
- obedecer-se mutuamente (obediência);
- renunciar a si mesmo, não ao vizinho (abnegação – oblação);
- amar-se (fraternidade, irmandade);
- temer a Deus com amor (começo da sabedoria);
- amar o abade / com afeição sincera (filiação);
- nada preferir ao Filho único! (Cristocentrismo).
Comentário pastoral: um noviço que não arde, pelo menos algumas vezes, com um zelo ardente, mesmo que seja excessivo, corre o risco de se tornar um professo solene medíocre. A sabedoria popular diz: “vassoura nova varre bem” e “burro velho não anda a trote”.
Conclusão
É evidente que estes critérios, em particular o do bom zelo, valem, não só para a entrada na vida monástica e a perseverança, mas também para a passagem do monge e da monja para a vida eterna.
A doutrina do Patriarca, por causa de sua base evangélica, conserva seu valor. O ensinamento de São Bento exposto aqui deve ser levado em conta e traduzido para as circunstâncias do mundo de hoje.
O modo como seus princípios são encarnados pode mudar e enriquecer-se.
[1] Intervenção na sessão dos formadores da ABECCA (2019).
A formação dos beneditinos e das beneditinas na Coreia do Sul
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Perspectivas
Irmã Marie-Enosh Cho, OSB
Prioresa de Busan (Coreia do Sul)
A formação dos beneditinos
e das beneditinas na Coreia do Sul
Por ocasião de um questionário lançado pela AIM nas diferentes regiões do mundo sobre a formação monástica, uma das respostas foi sobre a formação monástica na Coreia do Sul. Pensamos ser interessante parti-lhar esta contribuição, tal e qual, pois o que ela fala toca muitas preocupações e propostas de outras regiões do mundo.
I- Formação inicial e noviciado
Cada Congregação faz seu próprio programa de formação para o período inicial. A formação é sobre a oração, o estudo, o trabalho, a vida comunitária: pode haver seminários, ou sessões para melhor compreender a natureza humana.
Entre a entrada na comunidade e a primeira profissão passam, em geral, quatro anos para as mulheres (um ano de aspirantado, um ano de postulantado, dois anos de noviciado) e dois ou três anos e meio para os homens.
Certas Congregações têm suas aulas sobre espiritualidade, catequese e teologia na formação inicial; outras enviam os candidatos/as para o Instituto de teologia de uma outra Congregação religiosa ou diocesana. Durante esta formação insiste-se na vida de oração, na educação, na experiência da vida religiosa.
- Cursos : Bíblia, teologia dogmática, liturgia, espiritualidade, psicologia, doutrina social da Igreja, regra de São Bento, constituições, estatutos, usos e costumes da Congregação, psicologia, ecologia, inglês, latim, música litúrgica, órgão.
- Seminários sobre compreender-se a si mesmo, (auto conhecimento), as relações, a comunicação.
- Acompanhamento espiritual regular e ajuda psicológica, se necessária.
- Experiência temporária de apostolado.
II- Juvenato
1- Duração
Mulheres: 5 a 6 anos
Homens: 3 a 7 anos

2- Conteúdo da formação
Para as mulheres:
– orientação espiritual com a Mestra das professas temporárias: reuniões e retiros regulares;
– “Segundo noviciado” de um ano antes dos votos perpétuos: trabalho e estudos; retiro inaciano de 30 dias;
– reuniões regulares de jovens professas no seio de cada Congregação;
– formações diversas sobre as missões de apostolado;
– trabalho no seio da Congregação e / ou missões apostólicas para a Igreja;
– experiência da missão e estudo de inglês para as futuras missionárias;
– encontros regionais mensais para as professas temporárias.
Para os homens:
– estudos de filosofia e de teologia em vista do sacerdócio. Os monges que não são destinados a ser padres estudam também a teologia e outras matérias necessárias para a missão apostólica;
– participação em seminários de psicologia espiritual para a compreensão de si mesmo (autoconhecimento);
– aconselhamento individual ou em grupo;
– participação em missões e obras apostólicas.
Para os homens:
– estudos de filosofia e de teologia em vista do sacerdócio. Os monges que não são destinados a ser padres estudam também a teologia e outras matérias necessárias para a missão apostólica;
– participação em seminários de psicologia espiritual para a compreensão de si mesmo (autoconhecimento);
– aconselhamento individual ou em grupo;
– participação em missões e obras apostólicas.
3- Programas de formação intercongregacionais
Reuniões anuais para jovens professos das ordens beneditinas coreanas.
Conferências internacionais para os jovens professos de cada congregação.

III- Formação contínua
1- Programas de formação contínua organizados independentemente por cada Congregação
Para as mulheres:
– participação em programas de formação contínua propostos cada ano e também sobre a doutrina da Igreja, a renovação da vida religiosa, o conhecimento da natureza humana;
– participação em programas de formação contínua organizados pelas Congregações;
– retiro de 30 dias por ocasião de 10, 25 e 40 anos de profissão religiosa;
– participação no programa de formação para uma renovação, seis a doze meses antes, ou depois do jubileu de prata (25 anos);
– seminários de formação para as irmãs (mais velhas);
– peregrinação ao estrangeiro.
Para os homens:
– participação nas formações e seminários previstos no seio da Congregação;
– peregrinação ao estrangeiro.
2- articipação em cursos
Estes cursos sobre o crescimento pessoal, o meio-dia da vida, a responsabilidade pelos movimentos são propostos pelo Instituto de Teologia e o Instituto de Formação e organizados pela associação dos superiores maiores.
IV- Seminários e Encontros para Responsáveis de Formação
1- Preparação destinada aos formadores que assumem a formação inicial ou contínua.
Depois da profissão perpétua, cursos sobre teologia, Escritura, Monaquismo, Regra de São Bento, Psicologia espiritual etc.
Cursos de formação de formadores na Coreia ou no estrangeiro.
Formação para o acompanhamento espiritual: a associação dos superiores maiores anima um estágio de um ano.
2- Formação contínua dos responsáveis de formação
Os formadores reúnem-se cada ano: fazem o programa das reuniões e organizam as sessões sobre os assuntos escolhidos.
As reuniões de formadores são muito ativas na associação (formação inicial, formação contínua, vida religiosa e idade avançada…)
Participação em encontros internacionais de formadores organizadas pela Confederação Beneditina.
V- Formação dos Superiores
A Associação dos Superiores Maiores organiza Conferências e reuniões para os superiores e superioras beneditinos.
Os superiores das congregações reúnem-se também para ouvir conferências, ou falar sobre um assunto determinado.
Os superiores das pequenas comunidades beneditinas reúnem-se cada ano para sua própria formação e para falarem de seu cargo e de sua responsabilidade.
Há também reuniões para os celeireiros (as).
Informações suplementares sobre formação dos beneditinos coreanos
As Ordens beneditinas presentes na Coreia pertencem às Congregações dos Beneditinos de St Otilien ou de Tutzing (Alemanha), irmãs Olivetanas (Suíça), irmãos Olivetanos (Itália). Estas Congregações – com exceção da dos irmãos Olivetanos que se instalaram na Coreia do Sul nos anos 1980 – todas começaram na China ou na Coreia do Norte, país agora sob regime comunista. As comunidades que viveram expatriações, exílios e prisões por parte dos governos comunistas, foram para a Coreia do Sul.
Os beneditinos coreanos cresceram e encontraram estabilidade; podem dar testemunho da espiritualidade beneditina na Igreja católica coreana e servem a Igreja em diversos ministérios apostólicos.
As Beneditinas de Tutzing e as Olivetanas não são de clausura e assumem ministérios apostólicos; formam um grande grupo, com centenas de membros. O que distingue a vida das irmãs beneditinas coreanas é que têm ministérios apostólicos e vivem em pequenas comunidades.
Mesmo se o número de vocações diminuiu muito na Coreia, nos últimos 20 anos, ainda é muito grande em relação a outros países, e é provável que isto se deva ao esforço pela formação inicial e aos estudos. A Coreia era um país de missão; a catequese, a teologia, a Escritura, a Espiritualidade foram consideradas primordiais para a formação inicial e o aprofundamento do espírito cristão; tudo isto influenciou favoravelmente a aprendizagem e a compreensão dos princípios fundamentais da vida consagrada.

Programa para formadores monásticos
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Perspectivas
Dom Brendan Thomas, OSB
Abadia de Belmont (Inglaterra)
Monastic Formators’ Programme
Programa para formadores monásticos
Há muito tempo que as comunidades monásticas do mundo pediram ao Instituto Monástico de Santo Anselmo para organizar um curso para formadores, num espírito de sabedoria partilhada. Este programa foi implementado anualmente, e depois a cada dois anos, desde 2002; uma nova edição está agora em preparação para 2022. É um programa distinto do Instituto Monástico de Santo Anselmo (que tem seu diretor próprio e sua equipe de animação), mas este Monastic Formators’Programme (MFP) é organizado em colaboração com o Instituto e se beneficia do ensino de alguns dos seus professores, como também de outros conferencistas fora de Roma.
Umas trinta pessoas mais ou menos, entre beneditinos, beneditinas, cistercienses, participam dos cursos que são dados em inglês. Todos os participantes devem ter um conhecimento prático da língua inglesa, especialmente os da Ásia, da África e da América Latina. O programa dura três meses; está aberto a monges e monjas que vivem segundo a Regra de São Bento e estão engajados na formação, ou se preparam para ter essa responsabilidade na sua comunidade.
O curso custa em torno de 7.000 Euros, mas os mosteiros que precisam de uma ajuda financeira, podem pedir e receber uma bolsa, graças à generosidade de pessoas desejosas de ajudar este programa.
Há tempos previstos para descobrir algumas das riquezas, que a cidade de Roma oferece, e descobrir alguns lugares ligados à vida de São Bento: Núrcia, Subiaco, Monte Cassino. O programa realiza-se metade em Roma (Santo Anselmo) e a outra em Assis.

Características e objetivo do curso
O MFP (Programa para Formadores Monásticos) é um programa intenso que exige que o (a) participante o assuma seriamente o estudo durante os três meses. O objetivo do curso engloba três aspectos:
ACADÊMICO: visão suficientemente ampla e profunda da tradição monástica e seus valores;
PEDAGÓGICO: reflexão sobre o modo de transmitir essa tradição com amor e entusiasmo;
PASTORAL: abordagem das questões do desenvolvimento e do discernimento humano e espiritual.
Descrição do programa

Este programa está enraizado no ensinamento da tradição monástica, sobretudo de São Bento, incluindo diversas matérias:
- cursos sobre assuntos relativos à tradição monástica e à formação hoje;
- grupos de reflexão e de diálogo para partilhar experiências multiculturais dos participantes entre si e com os especialistas;
- excursões e visitas aos mosteiros e lugares históricos do Cristianismo;
- vida comunitária baseada no Opus Dei e na oração pessoal para os participantes dos diversos países e culturas.
Conteúdo do Programa
O conteúdo de base é estável com novos elementos inseridos de tempos em tempos.
Entre os principais elementos estão: a dinâmica monástica para crescer como discípulo cristão; a ecologia beneditina; a leitura da Regra de São Bento in loco (Subiaco e Monte Cassino); a arte de ganhar as almas; o cuidado pastoral dos noviços; a dimensão pascal da vida monástica (durante a Semana Santa); o chamado ao ser humano; o discernimento das vocações; o desafio de uma vida de amizade no celibato em comunidade; as grandes fontes da tradição monástica: Basílio o Grande, João Cassiano, a Regra do Mestre, os Pais do Deserto; Agostinho de Hipona; a história monástica: de São Bento até hoje; Lectio divina; os salmos; a aprendizagem da oração; o testemunho da vida comunitária; a conversão; os votos e o compromisso monástico; o acompanhamento espiritual no contexto monástico.
Equipe de Direção, os membros permanentes
Dom Brendan Thomas, osb, da Abadia de Belmont (Inglaterra), onde é atualmente prior e mestre de noviços. É o diretor do programa desde o princípio em 2002.
Dom Javier Aparicio é monge de Santa Otília, prior da comunidade de Rabanal del Camino no Norte da Espanha. Está inserido no trabalho de formação na Congregação de Santa Otília e membro do Conselho. É um antigo participante do Programa, e juntou-se à equipe dirigente em 2019.
Padre Mark Butlin, osb, diretor associado, é monge da Abadia de Ampleforth (Inglaterra); tem uma grande experiência internacional pelo seu trabalho na AIM, com responsabilidade pela Ásia e África de língua inglesa. Organizou antes o programa de reciclagem em Santo Anselmo. É um dos iniciadores da ideia do programa.
Professores convidados
Os cursos já realizados permitiram reunir, nestes últimos tempos, alguns dos melhores formadores do mundo monástico e alguns dos melhores professores. Embora o conteúdo pedagógico exato possa variar de um ano para o outro, os contribuintes que já participaram ou ainda participam regularmente são: Irmã Aquinata Böckmann, osb, de Roma; Dom Abade Bernardo Bonowitz, ocso, do Brasil; Padre Michael Casey, ocso, da Austrália; irmão Colmán Ö Clabaigh da Irlanda; Padre Columba Stewart, osb; Padre Jeremy Driscoll, osb; Dom Abade Gregory Polan, osb e irmã Joséphine Mary Miller, da Inglaterra.
Programa para 2022
Não haverá programa em 2021 por causa da pandemia. O próximo programa está previsto para março a junho de 2022.
Os formulários de inscrição podem ser obtidos no site da Internet ou enviados em anexo por mail (contactar o Padre Brendam se quiserem mais informações).
A data para o encerramento das inscrições é 30 de setembro de 2021. Os pedidos que chegarem depois serão examinados, se houver vagas. O preço deve ser 6.900 Euros, com tudo incluído; é o preço real por pessoa, dentro do programa. Graças à generosidade de doadores que ajudam o programa, podem ser conseguidas bolsas de estudo e ajudas para as comunidades que precisarem, mas o número é limitado.
O Programa 2019
O programa de 2019 foi um sucesso. Havia 23 participantes de 20 países diferentes: dez mulheres e treze homens, cistercienses e beneditinos de diversas Congregações. Esperamos e rezamos para que os três meses de estudo e de reflexão possam enriquecer as comunidades nos próximos anos.
Ficamos felizes por acolher novos professores, como Dom Mauritius Wilde, prior de Santo Anselmo e o irmão Mark Falkenhain, monge de Sâo Menrado, onde é professor de psicologia. O fato da primeira parte do programa ter sido em Santo Anselmo foi muito apreciado pelos formadores e pelos estudantes. É uma boa coisa juntar-se à grande família beneditina, embora o programa MFP guarde sua identidade própria, sua liturgia e seu ritmo de vida. Trata-se de um lugar ideal, porque central e que transmite paz.
Para todos os contatos e informações dirigir-se a:
Dom Brendan Thomas, Directeur
Monastic Formators’ Programme
Belmont Abbey,
Hereford HR2 9RZ
Inglaterra (Great Britain)
Tel.: (+44) 1432 37 47 34
Fax: (+44) 1432 37 47 11
Site da Internet: www.monasticformators.org
A formação para os formadores e formadoras
dos mosteiros de Madagascar e do Oceano Índico
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Perspectivas
Irmã Agnès Bruyère, OCSO
Prioresa de Masina Maria, Ampibanjinana (Madagascar)
A formação para os formadores e formadoras
dos mosteiros de Madagascar e do Oceano Índico
No boletim da AIM 116 de 2019, o Pe. Christophe Vuillaume, monge beneditino de Mahitsy, ofereceu um excelente panorama da vida monástica em Madagascar. Depois de mencionar que atualmente os irmãos e as irmãs malgaxes de nossos mosteiros assumem as principais responsabilidades das comunidades, ele acrescenta: «Em Madagascar, vivemos um momento crucial em que a nossa única vocação de “buscar a Deus” na vida monástica deverá se expressar plenamente, e sem dúvida se enriquecer também, na e através da cultura local, por monges e monjas que a traduzirão de acordo com suas próprias graças e as do seu povo. Uma tarefa ao mesmo tempo delicada e emocionante, uma responsabilidade que ninguém pode assumir no lugar deles».
É neste contexto particular que devemos proporcionar aos nossos formadores e formadoras uma formação adequada, ao mesmo tempo inculturada e preocupada em transmitir o que é verdadeiramente essencial. De fato, as vocações são numerosas na maioria de nossas casas, sobretudo aquelas localizadas nas terras de evangelização mais antigas, especialmente as terras altas de Madagascar. A média de idade de nossas comunidades não é muito alta, e fundações bastante próximas nos últimos anos, espalharam dirigentes pelos quatro cantos da Ilha e até mesmo em Seychelles. As dezenove comunidades monásticas de nossa grande região foram fundadas entre 1920 e 2014, mas oito dentre elas têm menos de 30 anos, cinco das quais são fundações malgaxes.
As Conferências de Superiores e Superioras Maiores de Madagascar organizam formações e encontros para os mestres e mestras de noviços de todas as Congregações. Algumas de nossas comunidades participam regularmente. A formação em Antananarivo dura um ano letivo, no centro de Lovasoa. As sessões de uma semana são anuais e tratam de vários temas: o direito canônico da vida religiosa, o acompanhamento, a psicologia dos jovens e a afetividade diante da vida religiosa, a espiritualidade beneditina, etc. Estes encontros e ensinamentos junto com as Congregações apostólicas são preciosos porque ajudam os formadores a compreender melhor os desafios da juventude, as mudanças de cultura, as expectativas dos jovens e os obstáculos que eles encontram no desenvolvimento de suas vocações. Mas no que diz respeito à vida monástica, sentimos a necessidade de proporcionar sessões específicas dadas por palestrantes que conhecem bem nossa forma de vida. Vários formadores de nossas comunidades seguiram cursos de formação na França, como a formação Ananie, que é multicultural e muito apreciada.
Além de tudo isso, no que concerne a Conferência dos Mosteiros de Madagascar e do Oceano Índico, tentamos propor uma sessão para os formadores monásticos que gostaríamos de rever a cada dois anos; de fato, entre 2012 e 2019, pudemos organizar três.
A primeira aconteceu em abril de 2012, em Ampibanjinana (Fianarantsoa), animada pela Sra. Thérésa, psicóloga, sobre o tema: «Competência pessoal no papel de mestra de noviças: transmitir o carisma», para um pequeno grupo de nove Irmãs: seis Carmelitas, duas Beneditinas e uma Cisterciense.
No ano de 2016, em Antsirabe, Ir. Marie-Florence e Irmã Clarisse-Odette, pfm, animaram a sessão sobre o tema: «Preparar-se para ajudar a si mesmo e aos outros»; vinte e um participantes (sete Carmelitas, quatro Clarissas, cinco Beneditinas, uma Cisterciense, dois Cistercienses, duas monjas Trinitárias).
Em 2019, a sessão foi dividida em duas partes de quatro dias cada uma: Ir. Marie-Florence e Ir. Clarisse-Odette garantiram os quatro primeiros dias, sempre sobre o tema do acompanhamento, e nos últimos quatro dias, o Pe. Georges, SJ, ofereceu um curso sobre o discernimento na formação; um último dia de visita de dois mosteiros de Fianarantsoa encerrou a sessão. Havia mais de quarenta participantes, tendo quase todas as comunidades enviado pelo menos duas pessoas. Mestres de postulantes, de noviços, de jovens professos, superiores... todos os envolvidos na formação monástica estavam representados.
Quando os formadores são questionados a respeito de suas expectativas de formação, a resposta se refere frequentemente à questão do acompanhamento e do discernimento. A formação monástica diz respeito a todo o ser e não apenas ao domínio intelectual. Às vezes, há uma grande discrepância entre a vida cotidiana dos jovens quando estão em casa, especialmente no campo, e a vida no mosteiro. O mestre e a mestra de noviços devem vigiar todas as frentes: formação humana, afetiva, cultural, intelectual, espiritual. Eles também devem cuidar para que as diferentes culturas dentro do noviciado não sejam fontes de conflito, mas possam ser harmonizadas em verdadeira comunhão. É uma missão que requer grande abertura e muitas qualidades humanas, especialmente a capacidade de escuta, que são aprendidas mais através dos conselhos de um ancião ou de uma anciã do que através dos livros.

Durante as três sessões entre mosteiros, além dos ensinamentos muito ricos apresentados com uma pedagogia animada (conferências alternadas, partilha em pequenos grupos, jogos e exercícios de relaxamento), cada participante tinha a possibilidade de um colóquio particular com um dos palestrantes, o que foi muito apreciado. Os participantes tomaram consciência de que «nossa missão para com os noviços começa por nós mesmos».
Os temas abordados pela Irmã Marie-Florence e Irmã Clarisse foram: as etapas do desenvolvimento psíquico, a gestão das emoções e dos conflitos e as condições para ser formador ou formadora. Pe. Georges tratou dos fundamentos bíblicos do discernimento, a arte de ajudar os jovens a se tornar adultos e maduros no relacionamento com Deus e em suas responsabilidades. Ele evidenciou os limites do nosso discernimento sempre em combate, em busca; insistiu na necessidade de o formador cultivar um relacionamento profundo com Cristo, que permanece o único fundamento e o objetivo da formação e de toda a vida do monge.
A demanda por sessões deste estilo é muito grande; a dificuldade em encontrar palestrantes que conheçam as exigências específicas da vida monástica, assim como as dificuldades de viagem, nos impedem. É graças à ajuda da AIM que os formadores puderam vir, em grande número, à Maromby, em 2019, pelo que somos todos muito gratos. Esperamos também poder acolher nos próximos anos monges ou monjas experientes, provenientes do exterior, para ajudar nossos formadores e superiores.

A Estrutura Sainte-Anne
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Perspectiveas
Dom Olivier-Marie Sarr, OSB
Abade de Keur Moussa (Senegal)
Presidente da Estrutura Sainte-Anne
A Estrutura Sainte-Anne
Formar os docentes nos mosteiros
da África do Oeste
Para responder a uma necessidade real de monges e monjas docentes, bem formados em seus respectivos mosteiros, os superiores dos mosteiros francófonos da África do Oeste tiveram a bela ideia de criar, há alguns anos, a Estrutura Sainte-Anne (SSA). Este artigo pretende apresentar sua missão, seus objetivos e algumas perspectivas para o futuro.
Sua missão: uma iniciação
«Assim como Sant’Ana iniciou nos caminhos da sabedoria a Virgem Maria - que deu ao mundo a Sabedoria Eterna do Pai -, esta estrutura quer iniciar irmãos e irmãs dos mosteiros da África do Oeste para formar seus irmãos e irmãs na busca de Deus, através do ensino da teologia monástica» (Estatutos da Estrutura Sainte-Anne).
Através destas poucas linhas que os superiores dos mosteiros francófonos da África do Oeste definiram o objetivo desta plataforma e, ao mesmo tempo, justificar a escolha do nome desta estrutura de formação, colocada sob o patrocínio de Sant’Ana. A analogia do papel de Sant’Ana é, de fato, convocada para motivar a escolha de um método de transmissão caro aos africanos: a iniciação. Com efeito, este termo evoca um elo essencial da educação tradicional africana. A iniciação é esse processo de transmissão que obedece a um rito de passagem que poderíamos compreender duplamente: passagem de um estado de «menor» para um estado de «maior» através da passagem (transmissão) de uma tradição, de conhecimentos geralmente reservados aos adultos. Para aplicá-la no contexto monástico africano, a Estrutura quer oferecer uma formação aos monges e monjas, Beneditinos e Cistercienses da África francófona do Oeste, que já lecionam nos mosteiros ou que estão se preparando para lecionar. Em outras palavras, ela se interessa aos irmãos e irmãs que puderam se beneficiar de uma formação filosófica e teológica in loco, graças aos cursos oferecidos por seus seniores na vida monástica, ou através da contribuição não negligenciável de professores externos, ou então frequentando um seminário ou uma universidade católica.
Seus quatro objetivos
Normalmente, após vários anos de formação, esses recém-formados são chamados a transmitir, por sua vez, os conhecimentos que adquiriram. Entretanto, concluir um período de formação com resultados até muito bons, não significa ser capaz de preparar e transmitir o conteúdo recebido e, muitas vezes, até bem assimilado. É justamente aí que a SSA intervém, visto que seus fundadores estabeleceram quatro objetivos principais:
1. ensinar os docentes a preparar um curso sobre a Bíblia, a teologia monástica, a liturgia, com ênfase especial no conteúdo e na pedagogia, e a oferecer pistas para a pesquisa;
2. proporcionar que os mosteiros da África francófona do Oeste tenham à sua disposição, a médio prazo, irmãos e irmãs especializados nas matérias acima mencionadas;
3. stimular a vida intelectual no ambiente monástico;
4. contribuir para o desenvolvimento de uma reflexão monástica em solo africano.
Para alcançar progressivamente esses objetivos, é necessário assegurar que o formador tenha adquirido um bom método de trabalho e uma sólida metodologia científica para preparar seriamente um curso, com a elaboração de um plano equilibrado e bem estruturado e de uma bibliografia rica e atualizada. Como a metodologia, juntamente com a pedagogia, é a chave para a transmissão do saber, gostaríamos - para a sessão inicialmente planejada para este verão (mas adiada para o próximo ano, no mesmo período, devido à crise sanitária) – de dedicar um módulo à metodologia (durante um mês). De fato, pareceu-nos essencial oferecer aos nossos jovens docentes as ferramentas didáticas, pedagógicas e metodológicas necessárias para que eles possam desempenhar a função que lhes é/será confiada. Mas não devemos parar por aí. Outros campos devem ser explorados.
Algumas perspectivas
Dada a periodicidade irregular das sessões (aproximadamente a cada quatro anos), devido à distância entre os mosteiros, aos meios financeiros e logísticos limitados, a SSA deveria continuar a ser um instrumento permanente a serviço da formação de docentes em nossos diferentes mosteiros. Consequentemente, ela é chamada a fomentar e a criar uma verdadeira solidariedade entre seus diferentes membros, na área da formação intelectual. Tal ajuda mútua consistiria, por exemplo, em escrever e atualizar a lista de docentes em nossos mosteiros e permitir que cada um, de acordo com sua especialização, possa trabalhar em conjunto, ajudar-se mutuamente, trocar cursos e materiais didáticos. Para isso, estamos pensando em criar uma plataforma na Internet, com o objetivo de oferecer a todos os nossos mosteiros da África do Oeste a oportunidade de consultar ou visualizar cursos, ler ou baixar bibliografias, artigos, resenhas, com a ajuda do Ateneu Santo Anselmo, da AIM e de outras estruturas equivalentes. Desta forma, poderíamos tentar compensar a pobreza de nossas bibliotecas. Mas não apenas isso. Sabemos que alguns mosteiros nem sempre têm o pessoal competente in loco para os estudos dos jovens em formação. Caberia ao diretor da Estrutura Sainte-Anne e à equipe de animação aconselhar os superiores sobre as estruturas de formação existentes em nossa sub-região e que permitem uma feliz integração entre a vida monástica e a vida intelectual. O studium de filosofia e de teologia do mosteiro de Sainte-Marie de Bouaké é uma bela ilustração disso.
Em resumo, a iniciação mencionada acima é um processo de maturação; é dinâmica e oferece sempre uma gama de possibilidades que combinam tradição, progresso e espírito de iniciativa. É claro que os desafios de ontem não são os de hoje, mas a formação permanece uma necessidade vital para nossas comunidades. Cabe à Estrutura Sainte-Anne adaptar-se e responder às novas necessidades de nossos mosteiros em termos de formação de monges e monjas docentes.
O programa Wisdom Connections T4
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Perspectivas
Irmã Michelle Sinkhorn, OSB
Mosteiro de l’Immaculée Conception, Ferdinand (USA)
O programa Wisdom Connections T4
Conexões de sabedoria T4
Wisdom Connections T4, que existe há seis anos, tornou-se agora um termo comum do vocabulário monástico para muitas comunidades Beneditinas. O nome oficial deste programa é «Wisdom Connections: Timeless - TraditionsTechnological - Times» e é frequentemente chamado de «Programa T4» ou simplesmente, em forma abreviada, «T4».

T4 é um programa de formação beneditina que utiliza a tecnologia para oferecer cursos de formação inicial e contínua aos membros das comunidades Beneditinas. O programa também é utilizado para comunicar entre si os novos membros e seus diretores de formação, espalhados pelo mundo.
Este programa foi inicialmente financiado graças a uma generosa subvenção da Fondation GHR e foi utilizado por muitas religiosas Beneditinas dos Estados Unidos. Nos três primeiros anos, durante o período da subvenção, a participação no programa foi limitada, mas desde o final da subvenção oficial, o programa foi aberto sem restrições a todas as comunidades Beneditinas, masculinas e femininas, do mundo inteiro.
O programa T4 envolve atualmente quarenta e nove mosteiros situados em sete países: Austrália, Canadá, Irlanda, Coréia, Lituânia, Nigéria e Estados Unidos. Há atualmente um total de 2.499 membros na comunidade T4.
O programa T4 permite o acesso a uma biblioteca digital segura, que contém conferências de Beneditinos eruditos, tais como o Abade Primaz Gregory Polan, Irmã Irene Nowell, Padre Jerome Kodell, Irmã Ephrem Hollarman, Irmão Terrence Kardong, Irmã Joan Chittister e muitos outros. Os temas abordados incluem a história beneditina, a Liturgia das Horas, a profissão, os votos, a Regra de São Bento, a Escritura, a espiritualidade Beneditina, consciência e desenvolvimento pessoal... A biblioteca conta atualmente com mais de 312 vídeos de 44 conferencistas diferentes. Várias outras apresentações estão sendo gravadas ou editadas.

O programa T4 também permite o acesso a uma variedade de recursos para acompanhar os vídeos. É fornecida a biografia de cada conferencista. Essa seção inclui uma foto e informações sobre o conferencista, assim como títulos e conteúdos sobre todos os seus vídeos na biblioteca T4. Junto com as conferências, sempre que possível, também é fornecido acesso aos documentos e qualquer outro suporte fornecido pelos palestrantes. Esses documentos podem ser impressos ou gravados para serem usados em cursos ou encontros de formação.
Para facilitar o uso, uma lista abrangente de todo o material da biblioteca T4 está disponível no site da Internet do T4. Para os membros, esse documento contém hiperlinks clicáveis que conduzem diretamente a biografias, vídeos e documentos. No caso de precisar de mais orientações, os membros têm acesso a materiais pedagógicos específicos do T4, incluindo um «Manual de Tecnologia T4» e vídeos que mostram como utilizar os vários recursos do programa. Ainda que a maioria das comunidades seja capaz de compreender tudo com esses recursos, se uma comunidade requer assistência tecnológica adicional, é disponível uma formação T4, em inglês, de um a dois dias por pessoa (nesse caso, há uma taxa, além da taxa de adesão).
Quando desejarem, como membros do T4, os diretores da formação inicial e aqueles que seguem a formação têm a possibilidade de participar de grupos de construção de relações T4, através de um programa de videoconferência Zoom. Esses grupos são organizados por membros do comitê de voluntários T4 e dirigidos por moderadores voluntários do T4. Cada grupo de membros da formação inicial e seus moderadores se reúnem regularmente em horários fixos, conforme decidido por cada um deles. Essa é uma oportunidade para os novos membros de compartilhar seus progressos, fazer perguntas ou estudar juntos um tema específico.
Há também grupos para os diretores da formação, nos quais eles podem compartilhar suas experiências, seus programas de formação, suas alegrias, suas dificuldades, etc. Nos Estados Unidos, trinta e quatro membros da formação inicial participam de grupos de construção de relações, catorze na Austrália. Há vinte e dois grupos de diretores de formação, cada um com cinco ou seis membros.
Caso a sua comunidade esteja interessada no T4, consulte o site recentemente renovado, que inclui pacotes informativos sobre o programa e uma lista do material incluso, da qual é possível fazer o download. A página web contém também uma lista dos benefícios oferecidos através da adesão paga ao T4, bem como os testemunhos dos seus atuais membros.

A taxa de adesão ao T4 é de US$ 500 por ano, que devem ser pagos em 1º de dezembro. Essa taxa permite o acesso a todos os recursos. Um formulário de adesão, disponível para download, se encontra na página inicial do site T4: www.wisdomconnectionst4.org
Em caso de dúvida ou mais informações, queira entrar em contato com a diretora do projeto, administradora tecnológica do programa, Irmã Michelle Sinkhorn: 4srmichelle@gmail.com, ou por telefone: 812-367-1411, ramal 2898.
Para chamadas internacionais, ela também pode ser contatada através do WhatsApp. Nesse caso, por favor, queira lhe enviar um e-mail para obter seu número.
A economia monástica como motor de mudança
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Trabalho e vida monástica
Isabelle Jonveaux
A economia monástica
como motor de mudança[1]
Qualquer que seja o modelo económico desenvolvido pelas comunidades, observa-se ao longo da história monástica que os mosteiros foram sempre forças de mudança social . Philibert Schmitz, historiador da Ordem beneditina, fala da «obra civilizadora»[2] dos monges da Europa. Em que medida o monaquismo atual pode desempenhar um papel de inovação e de desenvolvimento?
1. Porque são os mosteiros lugares de inovação?
Se os mosteiros estiveram sempre no meio da história dos focos de inovação e de desenvolvimento quando isto não constituía de nenhum modo o seu primeiro objetivo, isto significa que a estrutura monástica apresenta características próprias que podem conduzir a esta dinâmica. Segundo Olivier de Sardan[3], a inovação pode definir-se como um «enxerto de ténicas, de saberes ou de modos de organização inéditos (em geral sob forma de adaptações locais a partir de concessões ou de importações) sobre técnicas, saberes e modos de organização in loco[4]. Ele sublinha também que a inovação deve ser considerada como um processo social.
Para começar, uma comunidade monástica não é um grupo econômico que tem o lucro como objetivo a obter. A economia permanece teoricamente ao serviço da subsistência da comunidade. Isto tem por consequência a possibilidade de se incorrer em risco porque o objetivo imediato da comunidade não está no resultado de excedentes de exploração ao fim do ano. A comunidade monástica é por outro lado durável; este grupo tem uma duração de vida mais elevado do que uma empresa e pode assim assumir risco ou investir em capital humano. A comunidade monástica projeta-se em um longo termo ligado à ideia de estabilidade (stabilitas loci). Além disso, este grupo está na maioria das vezes em paz social; define-se a si próprio como um grupo de pessoas que procuram Deus. A dimensão durável da comunidade torna assim possível a transmissão de experiências e de conhecimentos. Vale lembrar por exemplo os trabalhos de copistas dos monges que permitiram conservar e de transmitir durante toda a Idade Média os seus conhecimentos em medicina, agricultura, botânica, etc. Enfim, a longa história do monaquismo permite melhorar diferentes dimensões e tomar como exemplo a experiência vivida por outras comunidades ou de outras épocas:
«The remarkable stability of monasticism is in large part a stability of memory, a continuity of understanding spanning thirty generations.»[5]
«A notável estabilidade do monaquismo é em grande medida uma estabilidade da memória, uma continuidade da compreensão que se estende por trinta gerações ».
Mesmo que a comunidade seja recente, cada mosteiro integra-se na longa tradição do monaquismo, o que constitui um modo da sua legitimação.[6]
2. Economia e desenvolvimento na África
Nos países em vias de desenvolvimento onde o monaquismo é frequentemente uma implantação recente, as comunidades realizam um papel importante para o desenvolvimento econômico e social. Jean-Pierre Olivier de Sardan definiu o desenvolvimento como um «conjunto de processos sociais induzidos por operações voluntaristas de transformação de um meio social, empreendidas pela direção de instituições ou de atores externos a esse meio, mas procurando mobilizar esse meio»[7]. No caso do monaquismo, o desenvolvimento assume no entanto diferentes dimensões. Como já foi mencionado, inovação e desenvolvimento não são em si objetivos da vida monástica, mas podem tornar-se elementos positivos. Isto significa que o desenvolvimento é uma consequência de atividades motivadas por um objetivo monástico, ou seja, que servem o fim religioso da vida monástica. Por exemplo, os monges da Idade Média desenvolveram a força hidráulica para ganhar tempo para a oração[8].

O desenvolvimento ocasionado pelos mosteiros na África contemporânea é mais frequentemente um acessório positivo que decorre das atividades ou inovações do mosteiro. Como diz o Abade de Keur Moussa: «Nós não procuramos o desenvolvimento, ele vem por acréscimo». As comunidades de inspiração beneditina têm na sua tradição desenvolver dentro e à volta do mosteiro as condições que lhes permitam prover às necessidades da comunidade. Isto significa no contexto de uma nova fundação que os monges e monjas trabalharão por tornar as suas terras aráveis, assegurar a presença de água e conduzir ou produzir eletricidade. A abadia de Keur Moussa no Senegal adotou como divisa esta frase: «E o deserto florirá» (Isaías 35, 1), tendo com efeito tornado possível a agricultura das suas terras até então áridas e introduz novas espécies no ambiente. O emprego de assalariados locais contribui também para o desenvolvimento dando trabalho às pessoas dos arredores. Para um monge queniano do mosteiro Our Lady of Mount Kenya, trata-se da dimensão principal da sua atividade de desenvolvimento. Enfim, a formação de monges e monjas é também uma parte direta do desenvolvimento. De maneira indireta, o mosteiro participa no desenvolvimento da sua região enquanto atrai populações que vêm se instalar nas imediações para se beneficiar de um trabalho, de um dispensário ou de uma escola.
Uma outra dimensão do desenvolvimento monástico vem com efeito da resposta dos monges e monjas às exigências locais. Dado que as primeiras comunidades religiosas presentes na África eram congregações missionárias que tinham por fim desenvolver escolas, dispensários e hospitais, este mesmo tipo de demanda foi dirigido aos monges logo que se instalaram num ambiente novo. É por esta razão que os monges de Keur Moussa vindos de Solesmes trazendo com eles um modelo estritamente contemplativo e enclausurado de vida monástica, tiveram de abrir uma escola e um pequeno dispensário. Todavia, logo que lhes foi possível, confiaram a escola a leigos e o dispensário a uma Congregação apostólica de irmãs. Conforme disse um monge numa entrevista: «As mulheres que chegavam prestes a dar à luz eram assistidas pelos monges, quando essa não é de todo a missão de um monge!» As comunidades monásticas sustentam também por vezes programas sociais, por exemplo o mosteiro Our Lady of Mount Kenya participa num projeto de agricultura sobre o solo para ajudar as famílias pobres a tornarem-se autosuficientes.
3. A economia monástica como economia alternativa
A economia monástica pode também constituir uma força de mudança no próprio interior da economia trazendo modos alternativos de vivê-la. Em contexto europeu por exemplo, os mosteiros procuram oferecer uma alternativa à abordagem capitalista e desenvolvem em certos casos reais reflexões e propõem cursos sobre este tema[9]. A irmã francesa Nicole Reille fala assim da economia das Congregações como de uma «economia profética», graças ao testemunho que ela pode prestar ao mundo através de investimentos éticos nas pessoas.
A dimensão alternativa da economia dos mosteiros africanos é observável também em ligação com o contexto específico, porque a alteridade não se constrói a não ser em relação com as normas da sociedade. Uma primeira dimensão concerne a maneira cujo trabalho é vivido e justificado na vida monástica. Dado que o trabalho poderia à primeira vista entrar em contradição com o ideal monástico, os monges e monjas utilizam diferentes formas de justificação nos relacionamentos. Por exemplo, uma jovem irmã de Karen:
‘I do it it with love, not just doing it, I do it with a lot of love. Until they feel them-selves that this cloth is washed with love. Even when you sweep you sweep a place with love and somebody will love at it and say “Yes, this was done with love.” It doesn´t matter what you have gone to school for but what matters is what you give to the community.’ (04/2014)
«Eu pratico o trabalho com amor, não simplesmente para cumpri-lo. Faço-o com muito amor. Ao ponto de as irmãs sentirem elas próprias que o seu hábito é lavado com amor. Se fizerdes a limpeza de um espaço com amor alguém vai repará-lo e dizer: “Sim, isto foi feito com amor”. Importa pouco para isso saber o que aprendestes na escola, mas o que trazeis assim para a comunidade.»
Um exemplo interessante vem de Séguéya na Guiné Conackry na situação particular deste Estado comunista onde os monges contribuem dando um novo valor ao trabalho: os monges trabalham com as suas mãos, eles tentam tudo fazer para obter uma atividade lucrativa.
«A Guiné tem como particularidade não ter uma verdadeira cultura do trabalho, por causa do sistema político. As pessoas perderam a cultura do trabalho. E o fato de ver os irmãos trabalhar e lavrar a terra deu às pessoas o desejo de fazer a mesma coisa. Penso que é uma mensagem que passa.» (04/07/2016)
Uma segunda dimensão é o management humano e social desenvolvido pelas comunidades para com os seus assalariados. A dimensão social do recrutamento é um critério que prevalece por vezes sobre o desempenho econômico. Em Keur Moussa, o celeireiro explica:
«Primeiro a dimensão social. Desde o começo, teve-se esta exigência social de querer ajudar aqueles que não têm trabalho à nossa volta e que vêm pedir trabalho. Gostaríamos de fazer mais, mas os nossos meios são limitados. Ajudamos muita gente à nossa volta.» (04/07/2016)
Por outro lado, certas comunidades africanas pagam as contribuições sociais dos seus assalariados, o que não observamos sempre nas nossas sociedades.
Enfim, o desenvolvimento durável e a ecologia são assuntos que se implantam cada vez mais na agricultura biológica. No Kenya, os monges desenvolvem a energia solar e a reciclagem da água para contornar esta dificuldade esperando ligar-se à rede central. O mosteiro de Agbang (Togo), que vive também da energia solar, constitui uma fonte de eletricidade para os Peuls da selva que vêm recarregar os seus aparelhos celulares no mosteiro.

Conclusão
O que é a economia monástica? Neste ponto, podemos dizer que não existe uma economia monástica em si, mas diferentes formas de economia dos mosteiros que dependem da história política e religiosa de cada país e do presente contexto econômico e social. Todavia, observam-se certas tendências comuns no sentido que as comunidades desejam imprimir à sua atividade econômica. A forma da economia toca um papel importante para a plausibilidade da vida monástica numa sociedade porque ela constitui frequentemente um dos primeiros vetores de comunicação com o mundo. Ela influencia por outro lado a forma de vida monástica e inversamente.
A economia dos mosteiros africanos é uma economia que ainda procura frequentemente a estabilidade e reflete as especificidades do contexto sócio-econômico bem como as influências do modelo do fundador. Mas é também frequente que pelas suas atividades econômicas os mosteiros possam desempenhar um papel no desenvolvimento do seu meio ambiente. Sem que seja um objetivo da vida monástica em si, observa-se, segundo as palavras de Max Weber, uma «afinidade eletiva» entre economia monástica e desenvolvimento econômico, social e cultural do ambiente no qual o mosteiro está integrado. A vida monástica pode pois ter uma influência sobre o seu ambiente local e mesmo, quando a base monástica é suficientemente densa, influenciar a própria sociedade como se pôde ver na história europeia.
[1] Isabelle Jonveaux é socióloga, responsável por cursos na Universidade de Graz e membro do CéSor (Paris). Trabalha principalmente sobre as questões da vida monástica (economia, trabalho, ecologia, relações de gênero, disciplina do corpo, ascese), internet e religião (práticas religiosas online, jejum de internet), mas também de jejum e consumo alternativo (períodos de jejum e abstinência, sobriedade positiva...). Desenvolve atualmente um projeto de investigação sobre a vida monástica católica na África. O artigo proposto aqui é uma parte da sua intervenção no colóquio do Instituto monástico de Santo Anselmo em Roma sobre «Vida monástica e economia» (cf. Studia Anselmiana Monasticism and Economy: Rediscovering an Approach to Work and Poverty, Acts of the Fourth International Symposium, Roma, 7-10 de junho de 2016.
[2] P. Schmitz, História da ordem de São Bento, tomo II. Obra civilizadora até ao século XII, Maredsous, 1943, p. 18.
[3] Jean-Pierre Olivier de Sardan é um antropólogo francês nigeriano, atualmente professor de antropologia (diretor de estudos) na Escola de altos estudos em ciências sociais de Marselha.
[4] J.-P. Olivier de Sardan, «Antropologia e desenvolvimento. Ensaio de socio-antropologia sobre a mudança social», Marselha-Paris, 1995, http://classiques.uqac.ca/contemporains/olivier_ de_sardan_jean_pierre/anthropologie_et_developpement/anthropo_et_developpement.pdf [acesso:11-11-18].
[5] R.H. Winthrop, «Leadership and Tradition in the Regulation of Catholic Monasticism», Anthropological Quarterly 58 (1985) 30.
[6] B. Delpal, «O Silêncio dos monges. Os Trapistas no século XIX», Paris, 1998, p. 15.
[7] Olivier de Sardan, «Antropologia e desenvolvimento».
[8] M. Derwich, «A vida quotidiana dos monges e cônegos regulares na Idade Média e Tempos Modernos», Wroclaw, 1995.
[9] I. Jonveaux, O Mosteiro no trabalho, Paris, 2011.
O novo mosteiro de Envigado (Colômbia)
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Artes e cultura
Dom Guillermo Arboleda, OSB
Abade de Envigado (Colômbia),
Presidente da Congregação de Subiaco-Monte Cassino
O novo mosteiro de Santa Maria
da Assunção, Envigado (Colômbia)
O mosteiro beneditino de Santa Maria da Assunção foi fundado em 1954 no bairro Zúñiga da cidade de Envigado, nas proximidades da aglomeração de Medellín. Na origem e durante numerosos anos, o mosteiro era semi-rural a par do lugar e sua identidade sociocultural. Mas o desenvolvimento urbano modificou profundamente estes dados. Hoje, a comunidade vive num bairro residencial constituído por imóveis de habitação.

Desde a fundação do mosteiro, os monges empregaram prioritariamente todos os seus cuidados no colégio beneditino de Santa Maria. A comunidade e o colégio partilharam por muito tempo os mesmos locais com uma parte para um e uma parte para outro.
No princípio, entretanto, os monges viviam num lugar que lhes era próprio mas quando o colégio foi construído nos anos 1960, os monges habitaram os três últimos andares do novo edifício. No subsolo, arranjaram uma capela provisória. Este espaço estava originalmente previsto para ser a garagem dos ônibus escolares. O que era provisório durou cinquenta anos!
Em 2011, a comunidade começou a ressentir a necessidade urgente de um espaço que favorecesse melhor a vida comum e a observância regular, um pouco à parte do estabelecimento escolar. Inicialmente, a ideia era deslocar o mosteiro para fora da cidade, mas a visita canônica de 2015 aconselhou a comunidade a não mudar de lugar e remodelar o primeiro edifício da fundação na parte inferior do terreno. Foi então usado como hospedaria.
Assim, o novo mosteiro foi construído entre 2016 e 2018, sobre a base da arquitetura já existente. Para a Semana Santa de 2019, a comunidade mudou-se para o novo mosteiro e a 22 abril a nova igreja foi consagrada.

Esta igreja estava disposta em forma de cruz latina transversal; há uma única nave de oito metros de largura sobre vinte e quatro metros de comprimento coroada por uma pequena ábside com o lugar de presidência; o transepto é de 13x8 metros; ao meio encontra-se o coro monástico. Dois pequenos altares laterais encontram-se de um lado e do outro, um dedicado a Nossa Senhora da Assunção e o outro a São Bento. As pinturas da Virgem e de São Bento são obra do mestre colombiano Gregorio Cuartas, antigo monge de La Pierre-qui-vire (França). O altar está situado mesmo por cima do frontão da ábside; sobre a abóboda da ábside está pintado um Cristo Pantocrator com as linhas de base em mosaico; o ambão está situado ao centro do coro.
Sobre o lado esquerdo da igreja, foi construído o campanário num espaço distinto. No primeiro andar do campanário encontra-se a capela do Santíssimo Sacramento, ligado à igreja por uma passagem abobadada. Os restos mortais dos monges falecidos foram transferidos para o segundo andar da torre, em nichos individuais colocados no muro oriental; e no terceiro andar da torre encontra-se a biblioteca e um ateliê de restauração de livros.
Como se pode ver, a igreja combina as grandes linhas do plano basilical romano e elementos típicos da decoração crioula das igrejas coloniais (traves do transepto à mostra, cor do revestimento do teto, paredes caiadas, incisões decorativas sobre cimento fresco para os tímpanos interior e exterior da porta central). Diante da igreja encontra-se um pequeno claustro que compreende o nártex, com uma fonte ao meio do pátio.
As fotos aéreas mostram o novo edifício no seu conjunto: ao centro encontra-se a igreja com o átrio fechado em frente; ao norte o claustro com todas as dependências necessárias à comunidade monástica; e ao sul, a portaria, os parlatórios, uma sala para grupos podendo acolher cem pessoas sentadas, a biblioteca e a hospedaria. Todos estes espaços se reunem em torno de um outro pequeno claustro arborizado.

A comunidade escolheu alocar a biblioteca nessa zona exterior, para permitir a consulta e a leitura aos hóspedes e visitantes que desejam tirar proveito desta riqueza sobre a qual possam ter se informado na internet. A hospedaria conta com oito quartos, cada um com o seu banheiro. A escola e o mosteiro estão separados por uma rede elevada e uma clausura verde.
Os escritórios da direção e da administração do colégio (que compreende 1000 estudantes) estão confiados a uma equipe qualificada de leigos; os monges asseguram a animação pastoral da comunidade educativa (estudantes, professores, educadores, pessoal de serviço). Desde 2015, a escola uniu-se à rede das escolas beneditinas da Confederação beneditina mundial, com a participação nas reuniões bem como a comunicação constante com as outras escolas beneditinas, que contribuíram para consolidar um programa educativo e de catequese de acordo com as linhas fundamentais da espiritualidade monástica.
A abadia de Envigado é pois um mosteiro urbano com uma escola situada num setor residencial da cidade; devido à nova construção, a separação entre os espaços da escola e os do mosteiro permitiu continuar o trabalho pastoral para a escola, mas os monges adquiriram uma maior intimidade para a sua vida de comunidade. A disposição arquitetural dos novos espaços monásticos, os espaços verdes que compreendem igualmente um pomar, favorecem o desenvolvimento harmonioso da vida monástica. No meio da agitação da cidade e dentro da atmosfera ruidosa de uma escola de mil alunos, os beneditinos de Envigado partilham o ideal de vida de todos os monges e monjas que seguem a regra de São Bento: busca de Deus «sob a guia do Evangelho». Eles querem assim fazer do mosteiro como que um oásis de paz e de oração no coração da cidade.
Celas dos monges. 2. Portaria à esquerda, biblioteca à direita.. 3. Pátio na portaria, que leva à biblioteca, à hospedaria e às sala de conferências.
As irmãs beneditinas missionárias de Tutzing
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Uma página de História
Extraído do site da Congregação de Tutzing
As irmãs beneditinas
missionárias de Tutzing
Como tudo começou
«Global prayers» é o nome dado a um movimento contemporâneo célebre de renovação religiosa mundial e foi assim que a nossa comunidade se pôde apresentar desde o início. Com efeito, o que é considerado como novo hoje, as nossas irmãs já punham em prática há várias décadas. Traziam no coração trazer e fazer anunciar a mensagem da Boa Nova de Jesus Cristo ao mundo inteiro. Para tanto deixaram tudo para trás e apostaram num futuro incerto.
O fundador
O seu fundador foi um monge beneditino de Beuron, o padre Andreas Amrhein (1844-1929), vindo da Suíça. Numa época em que numerosas congregações missionárias despertavam – os missionários do Sagrado Coração (1855), os missionários Combonianos (1867), os Padres Brancos (1868), os missionários Steyl (1875) ou ainda os missionários de Marianhill (1882) – a questão era lancinante no seu âmago, saber se vida monástica beneditina e missão podiam conciliar-se. Ao longo de extensos anos de investigação e luta – internamente, com os seus superiores e diversas autoridades – deu-se provas de uma profunda perspicácia. Apesar de numerosos obstáculos no seu percurso, não se pôde impedir o desenvolvimento e a prática de uma tal inspiração.
Uma inspiração
Em 1885, o padre Amrhein apresentou em Münster, quando da 32ª Jornada católica alemã, a sua ideia de uma «comunidade beneditina para o trabalho missionário em países estrangeiros». No ano precedente, ele tinha fundado uma casa de missão para homens em Reichenbach, no Alto Palatinato. Ele alentava secretamente – nesses tempos tão anticlericais do ponto de vista político – o sonho de que mulheres participassem igualmente numa tal obra.
A centelha acende-se em Münster
Três semanas mais tarde, as quatro primeiras mulheres, Vestefalianas, lançaram-se com audácia numa aventureira viagem rumo ao sul da Alemanha. Estas mulheres queriam realmente partir para a Índia, mas Deus parecia ter outros planos para elas.
Os começos desta comunidade de homens e de mulheres de Reichenbach foram difíceis. As condições políticas da época obrigavam a que quase tudo fosse feito em segredo. A situação material era extremamente complexa, até mesmo desesperadora.
Nova partida para Santa Otília
Já em 1887, uma segunda casa foi fundada em Emming, a atual Santa Otília, onde toda a comunidade instalou-se; Reichenbach foi completamente abandonada. Em Emming, ambos os ramos da comunidade prosperavam. Viviam todos em condições de grande simplicidade e pobreza. As comunidades tinham que enfrentar numerosos problemas e confrontavam-se com enormes tarefas: numerosos jovens homens e mulheres juntavam-se a esta obra. Era preciso assegurar a sua subsistência e construir edifícios nos quais pudessem viver. Era igualmente urgente introduzi-los bem na vida religiosa e formá-los profissionalmente. Deviam ser bem cedo enviados para o estrangeiro. Lá, seriam entregues a si próprios sendo suposto proclamarem a fé de maneira responsável, sendo ativos no domínio médico ou educativo como em vários outros setores.
Primeiros passos no mundo
O padre Amrhein aceitou muito rapidamente a oferta de tomar a seu cargo uma zona do leste da África. A prefeitura apostólica de Zanzibar do Sul tinha sido criada por um decreto pontifical de 16 de novembro de 1887 e confirmada como a «nova Congregação beneditina alemã para as missões estrangeiras». Era a primeira vez que missionários desta nova família podiam ser enviados para o estrangeiro.
Assim, num tempo espantosamente curto, desde o fim de 1887, os primeiros irmãos e irmãs ousaram dar o grande passo que revolucionaria o seu futuro: a 11 de novembro de 1887, o primeiro grupo (um padre, nove irmãos e quatro irmãs) viajaram para o leste de África, Tanganyica. Eles e outros que era suposto segui-los começaram a construir aí casas de missão. Sofreram graves reveses. Doenças que não conheciam atingiram numerosos irmãos e irmãs ainda jovens – o cemitério perto de Dar es Salaam é eloquente nesse fato. Em 1889, a primeira casa de Pugu foi atacada e irmãos e uma irmã foram assassinados. Entretanto, na Alemanha, não obstante as más notícias, numerosos jovens continuavam a entrar. Desde 1896, as duas comunidades de Santa Otília contavam dezesseis padres, treze clérigos, quarenta e seis irmãos e setenta e uma irmãs. A necessidade de espaço em Santa Otília torna-se cada vez mais urgente e as irmãs tiveram que procurar depressa a sua própria Casa mãe.
Centro espiritual de Tagaytay (Filipinas). Rio de Janeiro (Brasil). Jinja (Uganda).
A Casa mãe, o caminho da independência
Assim, em 1902, foi tomada a decisão de instalar as irmãs em Tutzing. Desde 1887, as irmãs haviam fundado em Reichenbach uma pequena comunidade que dirigia um jardim de infância. Depois foi construído um grande convento num prado de Tutzing no qual as irmãs puderam instalar-se. Em 1 de janeiro de 1904, pertenciam à comunidade um total de 119 irmãs.
Esta etapa representou bem mais que uma mudança de lugar para as irmãs. Ela conduzia-as na via da independência. Se isto não foi fácil no começo, o futuro demonstraria a lucidez de uma tal decisão que deveria conduzir a comunidade através de um desenvolvimento inesperado. O laço fraterno com os irmãos de Santa Otília foi entretanto preservado até aos nossos dias.
No mundo
A prioridade das irmãs era servir a difusão do Evangelho e estar ao serviço das populações. Após os primeiros envios comuns (monges e irmãs) para o que é hoje a Tanzânia, onde há ainda dois priorados em Peramiho e Ndanda, as irmãs instalaram, em 1903, sob a previdente direção da primeira prioresa, Madre Birgitta Korff, uma nova fundação num país que lhes era desconhecido: o Brasil. Um antigo confrade do padre Andreas Amrhein em Beuron e Maredsous, Dom Gérard von Caloen, tornava-se abade de Olinda (Brasil) em 1896 e convidava as irmãs a animar uma obra missionária no Brasil. Pediu à Madre Birgitta irmãs para a educação de meninas.
Uma nova fundação teve lugar em 1906. Cinco irmãs partiram para as Filipinas cheias de zelo pela missão... Seguir-se-iam numerosas outras fundações em todos os continentes do mundo.
Atualmente as irmãs estão presentes em dezessete países em quatro continentes:
Na Europa: Alemanha, Bulgária, Itália, Espanha, Portugal, Suíça.
Na América: Argentina, Brasil, Estados Unidos.
Na África: Angola, Quênia, Namíbia, Tanzânia, Uganda.
Na Ásia: Coreia do Sul, Índia, Filipinas.
A Casa mãe fica em Roma.
Em 2017, a congregação contava 1336 religiosas em 136 casas.

Madre Bénigne
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Monges e monjas, testemunhas para o nosso tempo
Madre Marie-Madeleine Caseau e irmã Lazare de Seilhac
Congregação beneditina de Santa Bathilde
Madre Bénigne
Odile Moreau (1924-2020)

Nascida a 10 de agosto de 1924 em Baume-les-Dames, batizada a 24 de setembro de 1924 em Voulaines, cidade de Côte d´Or, muito cara no seu coração, onde sua família permanece até hoje e possui uma propriedade, Odile Moreau, após uma formação de enfermeira, entrou no postulantado de Vanves a 13 de setembro de 1946 e recebeu o hábito sob o nome de irmã Bénigne a 8 de setembro de 1947.
Após a sua primeira profissão, a 21 de novembro de 1948, a sua facilidade em relacionar-se a fez ser designada como ajudante na hospedaria. Entretanto logo foi enviada como reforço para Madagascar em novembro de 1952. Fará a sua profissão perpétua em Ambositra a 18 de dezembro de 1953. Nomeada prioresa de Ambositra em 1959, grangeou uma grande afinidade com a cultura malgache. Sentiu-se feliz em contribuir para a fundação de Mananjary e em preparar a de Joffreville; desempenhou um grande papel na criação da União das Superioras Religiosas de Madagascar.
A sua eleição como Prioresa Geral da Congregação em junho de 1975 fê-la regressar à França. Deixar Madagascar foi para ela um grande sacrifício; sentia-se em harmonia com o país, com os diversos aspectos da cultura. Esta experiência permitiu-lhe compreender profundamente o que podiam sentir os irmãos e as irmãs que regressam de uma fundação à qual deram a vida.
Durante os seus vinte e três anos de ausência (ela não tinha vindo a não ser para dois Capítulos gerais) a comunidade de Vanves viveu muitos acontecimentos: a primeira fundação no Vietnã, a fusão com o último mosteiro de Fontevrault, uma fundação no Benine, a transferência para Saint-Thierry, a modificação do estatuto de Vanves. Acontecia a revisão das Constituições. Nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, a sua experiência foi preciosa para a definição dos Estatutos da Congregação de Santa Bathilde e a transição que isto implicava. Ela que não gostava nem do Direito nem das mudanças sorria com o fato de ser «a última Prioresa Geral e a primeira Presidente». A Prioresa Geral devia ser também prioresa de Vanves. Era preciso fazer face a situações muito complexas. Ela acumulou os dois mandatos de prioresa de Vanves e de Prioresa Geral e depois a presidência da Congregação de 1975 a 1989 durante um período de grandes mudanças na vida da Igreja. A sua clarividência permitiu-lhe ser um elemento fundamental para a implementação do que será a CIB (Comissão Internacional das Beneditinas), e convidada para assistir em Roma, com Madre Flávia, abadessa da abadia de Limon, ao congresso dos abades da Confederação beneditina.
Acompanhou a revisão das Constituições, estabelecendo relações muito boas em Roma com a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, fazendo compreender o que eram as beneditinas de Santa Bathilde. Próxima do padre Denis Huerre que muito a estimava, preparou com o Conselho da Congregação o pedido que seria feito no Capítulo geral de 1981 de ser associada à Congregação de Subiaco.

Uma das suas grandes penas foi não ter nunca visitado o Vietnã por causa da situação política.
Ela apoiou e acompanhou a vida em Etoy, com as nossas irmãs Diaconisas de Versailles e de Saint-Loup, permanecendo muito ligada a tudo o que concorresse para a unidade. A presença da irmã Edith (diaconisa) durante o ano 2019 na comunidade de Vanves fez-lhe muito bem.
No Capítulo Geral de 1989, deixou o cargo à Madre Emanuel, permanecendo vigária, sendo conselheira Madre Béatrice de Martigné. Madre Emanuel contava com seu apoio. Frequentemente o Conselho acontecia em Cours, uma casa que pertencia à Congregação e que ela estimava muito.
O seu sentido das relações externas ajudou muitas pessoas, frequentemente padres, a reencontrar o caminho da esperança e da paz após terem passado por Vanves.
Permaneceu prioresa da comunidade de Vanves até 2003, participando no grande passo que se viveria na procura de um futuro possível. Via a localização de Vanves às portas de Paris como imprescindível; um lugar de passagem para tantos, com a presença da AIM, numa grande abertura a todas as dificuldades: quantas irmãs, pessoas, sentiram-se acolhidas como eram, sem julgamentos!
Durante todos os anos do seu priorado, Madre Bénigne foi um grande suporte para a AIM. Foi membro do Conselho de Administração durante anos. Tinha sempre uma atenção particular para com os responsáveis deste organismo, nomeadamente para com os membros da Equipe internacional em reuniões duas ou três vezes por ano em Vanves. Ela conservará para além do seu priorado o cuidado da família beneditina nos outros continentes. Os monges e monjas de passagem por Vanves, em relação ou não com a AIM, beneficiavam-se sempre da sua parte de uma bela escuta fraterna. Apoiou igualmente a AMTM (Associação dos Amigos dos Mosteiros Através do Mundo), uma associação de leigos que ajuda a AIM. Mantinha com diversos destes membros uma relação de fiel amizade.
Após um ano passado na comunidade de Martigné-Briand, ela retorna a Vanves onde se coloca à disposição para algumas irmãs, acolhendo na fé as mudanças profundas que se operavam, não vendo sempre as suas necessidades, mas caminhando com todas, serenamente, até que a muita idade a obriga a participar menos nas atividades e a permanecer depois, por pouco mais de um ano, no seu quarto da enfermaria, com algumas «ausências de espírito»: tudo aceitando com paciência.
Permaneceu bem viva até ao fim, manifestando por vezes a sua contrariedade sobretudo nas últimas semanas onde o pessoal pouco mais podia fazer que a remeter para a situação de confinamento devido ao Covid-19. Ela ofereceu-nos bons momentos de sorriso e de comunhão, preferindo abençoar à noite os três «anjos guardiãos» que ser abençoada!

Dom Basílio Penido
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Monges e monjas, testemunhas para o nosso tempo
Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB
Monge da abadia do Rio de Janeiro (Brasil)
Dom Basílio Penido
(1914-2003)
I – Christo nihil praeponere (Nada preferir a Cristo)
Assim que na tarde de 24 de novembro de 1961, Dom Basílio Penido recebeu da Nunciatura apostólica o decreto da Santa Sé nomeando-o abade-coadjutor da abadia de Olinda (Brasil), o jovem prior e vigário geral da abadia nullius[1] do Rio de Janeiro, «não soube o que dizer»[2]. Inesperada, esta notícia comoveu-o profundamente! Monge feliz e homem de coração, Dom Basílio amava a sua comunidade, era amado pelos seus irmãos monges e não queria deixar nem o seu mosteiro nem a sua cidade natal onde a sua família vivia. Entretanto, o decreto não lhe deixava opção: devia obedecer e... partir! A sua intenção entretanto era dizer «não» uma segunda vez[3].
Para apaziguá-lo, o seu abade, tendo ainda em mãos o documento romano, pediu-lhe que fosse diante do sacrário e que «se pusesse à escuta do bom Deus». Durante este momento de oração e também de angústia, duas palavras lhe vieram ao espírito: obediência e humildade! Antigo aluno dos jesuítas, aprendera com Santo Inácio a virtude de «obedecer como um cadáver»[4]; mas sabia também, como filho de São Bento, que «o primeiro degrau da humildade é a obediência sem demora; ela caracteriza aqueles que estimam nada ter de mais caro que Cristo». Oração cumprida, a alma em paz, tomou logo como divisa abacial: Christo nihil praeponere (Nada preferir a Cristo). A sucessão dos fatos mostraria que esta escolha não era somente coerente mas sobretudo consequente com tudo o que se iria passar durante o tempo do seu ministério como abade de Olinda (1962-1987) e presidente da Congregação brasileira (1972-1996). A partida para Olinda foi para ele «um verdadeiro sacrifício de Abraão».
Em 1966, pela primeira vez, viajou para Roma a fim de tomar parte do Congresso dos Abades da Confederação Beneditina, o primeiro após o Concílio Vaticano II. Graças às cartas circulares enviadas à sua comunidade de Olinda, de grande riqueza de deta-lhes, os leitores puderam acompanhar passo a passo o desenrolar do Congresso, pautado sobre a renovação da vida monástica na ótica do Concílio: um assunto nada simples ou fácil! Dom Basílio fez-se notar!
Nascido no Rio de Janeiro em 1914, viveu aí até à idade de seis anos quando o seu pai, nomeado adido militar da Sociedade das Nações, teve de mudar-se para Paris com toda a sua família. Muito dotado para as línguas, além do português, a sua língua materna, o pequeno José Maria (seu nome de batismo) dominava à vontade o francês, aprendido no colégio de Santa Cruz de Paris onde frequentou a escola primária; e, simultaneamente, o inglês em casa com a sua «nurse» britânica. Após fazer a sua primeira comunhão na paróquia parisience de Nossa Senhora das Graças de Passy, a sua família regressou ao Brasil após três anos de ausência.
Terminados os seus estudos no colégio de Santo Inácio, no Rio de Janeiro, o jovem José Maria entrou no noviciado dos jesuítas. Entretanto, a vivacidade do seu temperamento não correspondia às exigências da disciplina inaciana. Esgotado, deixou o noviciado e entrou na faculdade de medicina para, após seis anos, tendo obtido o seu doutoramento, fazer-se monge. Seguir as «observâncias monásticas» tal como eram na época, foi-lhe igualmente penoso. «Atingi o limite das minhas forças», dizia. E no entanto todas estas experiências o modelaram; sem nada perder da sua autenticidade e sem a menor mágoa, havia amadurecido!
Enquanto estudante de medicina, começou a frequentar a «Ação Universitária Católica», que reunia a juventude universitária católica, e que esteve na origem do «Instituto Superior de Estudos Católicos». Muito interessado pela renovação litúrgica e patrística, um bom número destes jovens entraram na vida religiosa e no clero secular.
Homem de comunicação fácil sempre cheio de entusiasmo, a sua cultura geral e muito ampla, aliada a uma grande simplicidade, fez dele, muito cedo, um verdadeiro «leader». Personalidade aberta e acolhedora, sedenta de tudo ver e compreender sem ser mundano, nenhum problema de ordem moral, política ou social lhe escapava.
A sua espiritualidade, profundamente ancorada nos Exercícios de Santo Inácio de Loyola e na regra de São Bento, não o fez esquecer outros autores espirituais que ele também apreciava: São João da Cruz, Santa Teresa do Menino Jesus, Charles de Foucauld, Thomas Merton.
Leitor apaixonado da literatura francesa, conhecia bem os escritos de Jacques Maritain, Paul Claudel, François Mauriac, Julien Green, Charles Péguy entre outros, como também Georges Bernanos, que se tornou seu amigo pessoal quando do exílio deste último no Brasil.
A renovação da Igreja, do pensamento teológico e sobretudo da vida monástica dos anos pós-conciliares encontraram nele uma ardente e fiel adesão. A prática desta renovação num mundo em mudança exigia muita sabedoria e prudência. Diante dos desafios que se apresentavam ele não hesitou, no momento certo, em fazer o que devia.
A sua capacidade de escuta e de diálogo com a comunidade permitiu-lhe, pouco a pouco, introduzir as reformas conciliares. Entre estas é preciso sublinhar a sua abertura ecumênica. Em 1966, acolheu em Olinda três irmãos de Taizé. Vivendo numa casa junto à abadia, os irmãos integraram-se bem na comunidade: tomavam parte em certos Ofícios litúrgicos, nas refeições comunitárias e no trabalho manual.
O cuidado dos pobres, que numa lamentável e aflitiva situação viviam à volta do mosteiro, não lhe escapava menos. Vastos terrenos da propriedade da abadia, com o consentimento da comunidade e das autoridades civis, foram doados aos mais desvalidos para que pudessem aí ter o seu domicílio. Assim nasceu em Olinda um novo bairro chamado até hoje «Vila São Bento».
Para uma "caminharem juntos", quando do Congresso dos abades de 1967, convidados por Dom Basílio, os abades e priores dos mosteiros brasileiros presentes reuniram-se para refletir sobre o seu projeto de estabelecer laços mais fraternos e mais próximos entre as diversas comunidades no Brasil sob a regra de São Bento. Era preciso encontrar uma linguagem comum que pudesse exprimir o carisma monástico, a sua vocação e missão na sociedade e em face desta. Por medo de perder as suas próprias tradições[5], os abades tiveram discussões «particularmente difíceis». Tendo compreendido que o objetivo principal deste reunião não era senão «fazer a unidade na diversidade, os superiores finalmente aceitaram o projeto de se reaproximar. A decisão foi fundar a Conferência de Intercâmbio Monástico do Brasil – CIMBRA. Dom Basílio foi eleito o primeiro presidente da organização.
II – In carcere eram (Eu estava preso)
O ano de 1964 marcou uma transição decisiva na vida política do Brasil e também da Igreja. A 31 de março, um golpe de estado impôs ao país uma ditadura militar que duraria vinte e um anos. Algumas semanas depois, Monsenhor Hélder Câmara tornou-se arcebispo de Olinda e Recife. Num primeiro momento, as relações do novo arcebispo com as autoridades no poder eram respeitosas, o diálogo era possível. Todavia, ao endurecimento do regime seguiram-se atos de repressão. Encarcerados os oponentes, tortura, perseguição política tornavam cada vez mais difíceis as relações entre ambas as partes. Graças às suas boas relações com alguns oficiais, Dom Basílio[6] torna-se o intermediário entre Dom Hélder, franca e abertamente oposto a todo o tipo de violência, e o comando militar do Recife. Sempre do lado do arcebispo, de quem era amigo fiel e mesmo um confidente, cumpriu com sucesso esta missão tão complexa!
Homem de grande coragem – por vezes audacioso – durante estes anos obscuros, assim que a perseguição, seguida de prisão e tortura, tocou jovens estudantes universitários, não hesitou, correndo grandes perigos, em esconder alguns deles no mosteiro para em seguida facilitar a sua fuga e salvar as suas vidas!
Os prisioneiros políticos, jovens ou não, eram então muito numerosos. Como padre e médico (!) chegou a visitá-los regularmente na prisões. Antes de aí entrar sofreria toda a sorte de humilhações da parte dos agentes de polícia encarregados da vigilância. Suportava-os com uma paciência e uma resignação admiráveis. Quando das reuniões comunitárias, muito discretamente, de tempos em tempos relatava alguma coisa. A um irmão indignado que lhe perguntou como podia ele tolerar todos estes inconvenientes, dava com toda a simplicidade a seguinte resposta: «Santa Teresa do Menino Jesus dizia que “tudo é graça”: vê, Deus concedeu-me uma graça muito especial de poder assim tomar parte dos sofrimentos de Cristo na sua paixão; e depois, no dia do juízo final, é Jesus que me dirá: “Eu estava preso, e tu visitaste-me”». Dom Basílio foi sempre um homem de perdão e de misericórdia!
A sua cruz peitoral era em madeira com a sua divisa – «Christo nihil praeponere» – gravada nela. Um dia, quando de uma visita, um prisioneiro que, curioso, observava a cruz pediu-lhe que o deixasse vê-la de perto, sem nada dizer. Duas semanas depois, este jovem, que tinha algum conhecimento de marcenaria, em sinal de reconhecimento e de amizade, ofereceu-lhe, em nome dos seus companheiros de prisão e em seu próprio, uma nova cruz peitoral também em madeira, exatamente igual à original mas com uma nova divisa: «In carcere eram» («Eu estava preso»). Muito emocionado, a partir de então dom Basílio começou a utilizá-la.
O amor de Cristo preferido a qualquer outro era a única grande paixão de toda a sua vida! A sua profunda ligação à Igreja e aos irmãos, o seu incansável combate por «aqueles que têm fome e sede de justiça», sobretudo os pobres e os prisioneiros, os seus firmes compromissos para a renovação de uma vida monástica autêntica e fiel à tradição, mas ao mesmo tempo aberta e acolhedora aos valores da modernidade, testemunharam sem sombra de dúvida, a sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho. Os últimos anos da sua vida, já doente, passou-os no seu mosteiro de profissão. É lá que ele regressa a Deus a 2 de junho de 2003 com a idade de 88 anos. Na alegria e na paz de Cristo ressuscitado, abriu novos caminhos.
[1] Nome dado pelo Código de Direito Canônico de 1917 às atuais abadias territoriais. Em 2002, a Santa Sé suprimiu este título e privilégio à abadia do Rio de Janeiro.
[2] Certas expressões entre aspas foram pronunciadas por Dom Basílio quando descrevia aos seus noviços algumas passagens da sua vida.
[3] Postulado abade do Rio de Janeiro uma primeira vez, em 1948, recusou firmemente esta eleição, porque «era demasiado jovem, sem qualquer experiência», segundo as suas próprias palavras. Tinha 34 anos.
O Secretariado da AIM
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Notícias
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
O Secretariado da AIM

A irmã Mary Placid Dolores acaba de regressar ao seu país, Filipinas, onde foi eleita Presidente da sua nova Congregação. Durante quinze anos, serviu a AIM com grande consciência e uma perfeita fidelidade. Todos se recordam do seu sorriso tão reconfortante com uma igualdade de humor raramente igualada. Sempre atenta às necessidades de todos, procurava que ninguém padecesse qualquer falta. Seguia cada dossiê de pedido de ajuda da parte dos mosteiros com muito cuidado e defendia sempre o interesse dos menores e mais fracos. Baixa de altura, era grande de coração. Lamentamos, é certo, mas esperamos que novas ocasiões se apresentem para nos revermos e eventualmente colaborar de novo, em particular nas Filipinas.
Devido a esta partida seguida de uma reflexão aprofundada, decidimos reduzir os espaços alugados nos edifícios das beneditinas de Vanves. Os escritórios da AIM e da AMTM estão agora reunidos num único lugar, à entrada do mosteiro onde se encontram igualmente salas e os ambientes da AIM. A remodelação foi muito bem arranjada, satisfaz-nos plenamente e permite-nos fazer algumas economias de funcionamento para o benefício dos mosteiros que se dirigem a nós.
Os meus anos na AIM
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Notícias
Madre Mary Placid Dolores, OSB
Os meus anos na AIM (2005-2020)
Tudo é graça!
Este breve testemunho de vida e trabalho é fruto de uma experiência de cerca de quinze anos na Aliança Inter-Monástica (AIM Internacional). Dom Jean-Pierre Longeat, presidente da AIM, foi muito amável em me pedir que redigisse estas linhas, ele conhece bem as minhas reticências para este gênero de trabalho, mas eu aceitei!
Há pessoas que me convenceram a vir trabalhar e servir na AIM internacional cuja sede é em Vanves, França. Sobretudo o abade Jeremias Schröder, osb, Predidente dos beneditinos missionários de Santa Otília (Alemanha) e a irmã Gisela Happ, então Secretária geral da AIM; depois tive o assentimento da Madre Consilia Marcellones, minha abadessa, e da minha comunidade. Creio que há outros membros da AIM que me conheciam e que aprovaram a minha vinda. Estava impaciente por me lançar nesta nova aventura de vida monástica e por poder prestar serviço aos mosteiros através do mundo via AIM. Havia também a inquietação de descobrir a terra e a cultura europeias, estrangeiras e novas para mim.

Das Filipinas, cheguei a França em fins de setembro de 2005. O acolhimento foi caloroso; fosse da irmã Gisela que me fôra buscar ao aeroporto, ou do padre Martin Neyt, Presidente da AIM à época, ou da comunidade beneditina de Santa Bathilde em Vanves.
Em seguida, Dom Jean-Pierre Longeat sucedeu ao padre Martin e a irmã Christine Conrath chegou como secretária da AIM.
A AIM tem relações com muita gente e é um lugar de troca de ideias e de experiências. Era pois essencial para mim aprender a língua francesa. Segui um curso intensivo durante mais ou menos nove meses; o resultado não foi perfeito mas a vida cotidiana e a comunicação facilitaram. O francês é uma língua muito bela, verdadeiramente interessante; isto foi e é ainda uma benção para mim!
Durante o meu segundo ano, os edifícios da AIM começaram a ser remodelados. A associação proprietária do mosteiro e a comunidade das beneditinas consentiram, vendo os esforços e o trabalho da AIM, em que dois edifícios fossem arranjados para aí se fazer numa parte um studium para as irmãs vindas do estrangeiro e na outra parte a casa do pessoal da AIM. A irmã Gisela geriu muito eficazmente este local. Agradecemos a todos os generosos doadores pelo seu apoio neste trabalho de melhoramento.
A irmã Mikaël Takahashi, osb, irmã japonesa do mosteiro da Anunciação em Liège (Bélgica), aceitou encarregar-se graciosamente do decurso da vida acadêmica das estudantes. Juntou-se a Vanves para aí viver, no studium.
De 2006 a 2016/17, jovens beneditinas, cistercienses e trapistas vieram para Paris estudar, enviadas pelas suas comunidades e aí seguir as aulas de teologia ou de outras matérias. Resumindo, havia duas religiosas do Congo, uma do Togo, uma da Etiópia, quatro do Brasil, quatro do Vietnã, e três das Filipinas. Irmãs apostólicas mexicanas passaram também pelo studium para seguir cursos de línguas em Paris antes de serem enviadas em missão para África.
Regressadas às suas terras após a obtenção dos seus diplomas, as irmãs estavam em condições de melhor servir a sua respectiva comunidade, quer como superioras, formadoras ou encarregadas de serviços comunitários em outros domínios. O ambiente estudantil e a vida fraterna com a comunidade beneditina de Vanves foram para elas ocasião de uma experiência magnífica; muitos dizem que elas se recordariam sempre disso e permaneceriam eternamente reconhecidas para com a AIM.

O meu trabalho na AIM era muito variado mas, no secretariado, estava mais especialmente ocupada em acompanhar os projetos e os relatórios vindos dos mosteiros. Durante anos, com a irmã Gisela, estabelecemos dossiês para as reuniões do Gabinete e do Conselho.
A AIM organiza regularmente encontros ao longo do ano. A Equipe internacional (sete a nove membros) reúne-se duas a três vezes por ano; a reunião do Conselho da AIM, em outubro ou novembro de cada ano, acontece habitualmente em mosteiros localizados fora de França. Estou sinceramente reconhecida por ter tido a oportunidade de participar nestas reuniões; foram muito enriquecedoras devido aos temas abordados, aos debates e à partilha de novidades concernindo o mundo monástico. A AIM ocupa-se particularmente de jovens mosteiros da família beneditina na Oceania, África, Ásia, América Latina e Europa do leste bem como da evolução da vida monástica hoje: agradeço a todos os membros que pude conhecer em numerosos encontros. Aprender a conhecê-los e a ouvi-los falar com sabedoria foi inestimável.
O lado mais fácil do trabalho na AIM era a vida cotidiana. No decurso destes últimos anos, durante os três ou quatro dias de presença comum in loco, a partilha da Bíblia antes do trabalho de secretariado foi espiritualmente revigorante e fraterna.
Poder viver com a comunidade beneditina de Vanves foi um privilégio porque a vida fraterna e a partilha se foram desenvolvendo ao longo dos anos. O zelo pela vida litúrgica é aí evidente. Foi também um prazer embelezar um pequeno corredor, à entrada do mosteiro, plantando aí flores ou mesmo simplesmente limpar os espaços!
Face a tudo isto, só posso dizer obrigado a todas as pessoas com que graças a Deus encontrei durante este período. Quando de cada encontro com diversas pessoas, estabelecia-se uma ponte. A cultura europeia foi um entrelaçamento em torno do qual o cristianismo se formou. A experiência adquirida de um melhor conhecimento deste contexto, tanto pela vida pessoal como através de leituras foi muito enriquecedora e preciosa.
Por tudo isto dou graças a Deus e agradeço a todos aqueles que foram seus instrumentos para me ajudarem a crescer em espírito e pessoalmente.
Este pequeno relato seria incompleto se não mencionasse a AMTM (Amigos dos Mosteiros Através do Mundo), o ramo leigo de cuja generosidade e amizade a AIM se beneficia. As reuniões do Conselho da AMAM acontecem em instalações. Foram para mim ocasião de reencontrar com felicidade os membros desta associação e de atar boas relações.
Agradeço a Deus pela amizade fraterna desenvolvida durante estes anos com o único objetivo de ajudar os mosteiros por todo o mundo.

Viagem à Argentina (continuação)
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Notícias
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
Viagem à Argentina,
outubro de 2019 (continuação)[1]
Sexta feira 27 de setembro de 2019, Abadia do Niño Dios

Visita ao mosteiro do Niño Dios na região de Paraná perto da cidade de Victoria.
Chegamos por volta do meio-dia após termos atravessado os largos horizontes dos pampas argentinos sob um magnífico sol de primavera.
O Padre Abade vem ao encontro do automóvel diante do mosteiro e encontramos a comunidade no claustro para partilhar o almoço no grande refeitório. Há lá uma dúzia de monges.
O mosteiro de Niño Dios, o Deus Menino, foi fundado pela abadia de Belloc (França) em 1899. É o primeiro mosteiro beneditino da América Latina. O bispo de Paraná desejava uma sólida e numerosa comunidade de religiosos para a sua vasta diocese. Dirijiu-se ao santuário de Nossa Senhora de Luján e pediu à Virgem uma comunidade religiosa para a sua diocese. Foi colocado no caminho da abadia de Belloc por um padre missionário francês.
As autoridades civis da época não permitiam o estabelecimento no país de uma ordem religiosa ou de uma congregação que não se dedicasse a atividades educativas ou sociais, de sorte que os monges foram instantemente solicitados no sentido de abrirem rapidamente um colégio agrícola industrial.
No que concerne às atividades desenvolvidas pela comunidade ao longo dos anos, convém mencionar a pastoral da vila e de toda a cidade de Victoria, de 1899 a 1988. A paróquia, instalada sob o patrocínio de Nossa Senhora de Aranzazu, possui igualmente uma vasta zona rural e ilhas, com numerosas capelas e centros religiosos à época servidos exlusivamente pelos monges ordenados da comunidade.
A atividade sacerdotal e missionária não se limitou ao departamento de Victoria ou à província de Entre Ríos, mas estendeu-se a diversas regiões do país. Em algumas dentre estas os monges permaneceram vários anos: em Nossa Senhora de Itatí, em Azul, na província de Buenos Aires, eram responsáveis por um asilo, uma capela e uma escola (de 1921 a 1934); e em Larramendy, na mesma província de Buenos Aires, ocuparam-se de uma escola e de uma pequena capela (1917-1924).
A abadia de Niño Dios fundou várias outras comunidades monásticas: a abadia do Cristo Rei em El Siambón, Tucumán (Argentina), em 1956; o priorado de La Pascua em Canelones (Uruguai), em 1976 que acabou por fechar recentemente, infelizmente. E em 1982, assumiu a responsabilidade do priorado de San Benito de Liíu-Llíu, de Limache (Chile).
O Instituto privado John Kennedy, situado na cidade de Victoria, depende da abadia desde 1965, e o Instituto de ensino San Benito, dedicado à formação de professores e à formação profissional desde 1983, beneficia-se de uma gestão exterior.
A comunidade promoveu a construção de um bairro residencial, cujo primeiro grupo foi inaugurado em 1971. O clube social e desportivo San Benito, centro de diversas manifestações culturais, cujos antecedentes mais remotos remontam a 1959, nasceu igualmente com a iniciativa dos monges e convém notar que a abadia é uma fonte importante de trabalho no setor. A comunidade elegeu em 1997 o seu atual abade na pessoa do padre Carlos Martín Oberti.
A 29 de agosto de 1998, a nova igreja abacial foi consagrada num estilo neo-românico muito luminoso. Foi dedicada apropriadamente ao mistério do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo.

Após a refeição, encontro com a comunidade em torno do licor beneditino fabricado pelo mosteiro. Falamos da situação da vida monástica no mundo e dos esforços a apoiar. A conversa prossegue rapidamente, dando cada um um eco da sua experiência expondo o que lhes vai no coração. A comunidade vive atualmente uma etapa particular porque recentemente o prior do mosteiro de Cristo Rey faleceu numa expedição na montanha. O seu corpo foi encontrado alguns dias após a sua morte. Foi um duro golpe para a família monástica de Niño Dios.

Após este encontro, visitámos o mosteiro e em particular a cripta onde se encontra a famosa estátua do Deus Menino vinda de Belloc e que dá o seu nome ao mosteiro. O fato de este grande mosteiro, reduzido hoje a uma pequena comunidade mas ainda bem viva, estar dedicado ao Deus Menino é impressionante. É preciso colocar-se nas mãos do Pai para cumprir a sua obra tal como o fez o Filho de Deus.
Mosteiro das beneditinas de Paraná
Chegamos ao mosteiro de Paraná ao fim do dia. É uma fundação da abadia de Córdoba. Aí fomos acolhidos pela pequena comunidade constituida por oito irmãs. O acolhimento é espontâneo, aberto e caloroso; sentimo-nos logo em família. A prioresa do lugar , Madre Isabel, é uma mulher experiente: é uma herdeira espiritual da abadessa de Córdoba, Madre Candida Cymbalista, de quem já falei antes (cf. Boletim 118). Exprime-se num francês excelente.
Depois de vésperas, jantamos na hospedaria na companhia de duas jovens mulheres aí hospedadas. Trabalham na região para uma empresa francesa de queijos, «o Capricho dos Deuses». Falamos à vontade enquanto uma irmã da comunidade, qual Abraão junto ao Carvalho de Mambré, mantem-se de pé junto a nós a fim de nos servir à mesa. Sinto-me incomodado e procuro participar no serviço, mas nada a fazer, ela está verdadeiramente lá para isso, empenhada em cumprir o seu papel até ao fim.

Sábado 28 de setembro
Depois dos ofícios da manhã, a Madre Prioresa propôs-me uma visita aos lugares da casa. Começamos pelos novos edifícios da confeitaria. Antigamente relegados para ateliês muito precários, a comunidade e os empregados puderam evoluir doravante em locais melhor adaptados com todas as facilidades tecnológicas necessárias. A despensa do mosteiro contou na realidade com ajudas (das quais a AIM!) que pôde obter para chegar a este resultado.
Esta comunidade está por fim no fim de sua construção desde a sua fundação em 1987. O número das monjas foi sempre reduzido a oito. Algumas jovens entraram e foram encaminhadas segundo os costumes da comunidade de origem. As irmãs providenciaram a construção de uma pequna igreja; da antiga fez-se uma biblioteca. O interior dos edifícios para a comunidade poderá transformar-se numa última ala que fechará o claustro.
Desde o começo, esta comunidade caracterizou-se pela sua abertura às pessoas da região. A aldeia vizinha foi constituída por uma colônia de alemães originários da Volga. Também ela está em constante construção. Não se beneficia ainda do estatuto de municipalidade até que três ou quatro gerações se sucedam a partir da fundação. A região de Entre Rios na qual nos encontramos é assim caracterizada pela existência de aldeias ou cidades criadas devido aos movimentos migratórios dos séculos 19 e 20.
A Madre Prioresa convida-me a fazer uma visita à aldeia. Passamos diante da igreja estilo alemã cujo campanário é pouco alto devido à falta de financiamento. Há um pequeno supermercado onde a irmã que me conduz faz algumas compras, uma farmácia, uma escola e alguns lugares de lazer. Mas toda a gente se conhece: é como uma grande família no meio da qual as irmãs têm todo o seu espaço. Toda a gente as saúda e conversa com elas.
De volta ao mosteiro, há diante da porta um certo número de pessoas. As irmãs são acessíveis sem se deixarem invadir. O mosteiro tem também um grupo de oblatos muito empenhados.
Como não se deixar tocar por uma tal inserção? De uma certa maneira esta comunidade de Paraná mostra possíveis vias para as comunidades monásticas do futuro. De tamanho modesto inseridas na paisagem social e eclesial, estas comunidades bem enraízadas na sua vocação de oração e de comunidade são como um sinal positivo e uma esperança de que a vida social possa ser boa e de que um mundo mais fraterno é possível. Não obstante as suas inevitáveis fragilidades, a comunidade de Paraná desempenha plenamente o seu papel.
A alguns quilômetros daí o Rio Paraná caracteriza esta zona litoral de Entre Rios, bem distinto da Pampa que se estende por quilômetros em direção a Buenos Aires. Paraná situa-se soberbamente nas alturas dominando por 50 metros, mais ou menos, a margem esquerda (oriental) do rio do qual tomou o nome, a 470 Km a norte da capital Buenos Aires, e a 25 km da cidade vizinha de Santa Fe. Ela forma com esta última uma aglomeração quase comum em grande parte graças à existência de um túnel sub-fluvial ligando as duas capitais. O número de habitantes aproxima-se dos 250 000.
Domingo 29 de setembro
Partida de Paraná por volta das 8 horas da manhã. A irmã Andrea vai ao volante e a Madre Prioresa Isabel viaja connosco pois ambas vão participar na reunião da EMLA em Córdoba para onde eu também me dirijo.
A primeira etapa da viagem conduz-nos a Rafaela, uma cidade situada a umas três horas de caminho. Aí se encontra uma fundação da abadia de Santa Escolástica de Buenos Aires (a primeira comunidade que visitei à minha chegada à Argentina). Santa Escolástica fundou também um mosteiro no Uruguai e um outro na Argentina, em San Luis (mas que acabou de se reduzir ao estatuto de casa dependente devido à dificuldade em se desenvolver).
Chegamos a Rafaela para a missa dessa manhã de domingo, onde se encontra uma multidão pois a comunidade das irmãs acolhe o grupo de diáconos da diocese (estes são uma quinzena). Durante a cerimônia, dois novos membros vão ser acolhidos como candidatos ao diaconato. É esse grupo que assegura a animação da missa. A comunidade deixa-se absorver pelos cânticos e pelo ambiente geral muito paroquial, ocupando o seu espaço numa parte reservada da igreja.
A comunidade das irmãs de Rafaela foi fundada depois de um pedido do bispo então grande amigo da abadia de Santa Escolástica. As irmãs foram acolhidas e estabelecidas num centro diocesano e construíram o mosteiro à borda deste centro. Receberam uma missão de acolhimento e animação que lhes dá um estatuto muito particular na diocese. É um exemplo interessante da adaptabilidade da vida beneditina, mesmo a partir de um ramo relativamente clássico como o de Santa Escolástica.

O mosteiro está muito vivo e a sua vida de oração é habitada em grande parte por todas as intenções da vida eclesial local. As irmãs participam muito concretamente do acolhimento de grupos para o discernimento de vocações ou de futuros batizados; elas mantêm um contato com o bispo e os sacerdotes; a sua hospedaria está cheia pelo menos ao fim de semana ao longo de todo o ano. Após a missa, as irmãs fizeram-me visitar os lugares sublinhando os apoios da AIM. Têm um ateliê de ornamentos litúrgicos e fabricam hóstias.
Após o almoço, partimos em direção a Córdoba para algumas cinco horas de caminho! À chegada, descubro com surpresa um contexto completamente diferente com a jovem comunidade das beneditinas de Córdoba nomeada a justo título Gaudium Mariae, a Alegria de Maria, em referência ao episódio da Visitação e da qual é testemunha de uma maneira muito viva. Somos acolhidos de braços abertos, precedidos por outros membros do encontro. Partilhamos um jantar piquenique e sinto-me feliz por rever, neste belo ambiente, vários superiores(ras) ou membros de comunidades que já havia encontrado em reuniões precedentes na América Latina.
Durante os dias que se seguiram desenrola-se a sessão do EMLA, rica em intervenções diversas, encontros, visitas que são experiências espirituais fortes. Os monges e as monjas têm necessidade de se reencontrar assim para se apoiarem, informarem-se e encorajarem-se para conduzir a sua vida no dinamismo da Palavra de Deus (era o tema desta sessão) sob a guia do Evangelho. Bendito seja Deus por tantos dons na força do seu amor!
[1] A primeira parte deste artigo encontra-se no Boletim nº 118, pp. 96-104.
