A CONSTRUÇÃO DE UM MOSTEIRO
D. Paul Stonham, OSB
Os seres humanos raramente sabem ouvir conselhos, preferindo cometer erros ao invés de aprender com eles. Monges e monjas não são exceção. É, portanto, com algum receio que escrevo estas poucas linhas sobre a construção de um mosteiro.
O mundo está cheio de mosteiros em ruína, muitos deles construídos no século XX. Ironicamente, as constantes mudanças, melhorias e acréscimos feitos às construções monásticas, revelam não somente a vida e o vigor de uma comunidade, como também uma certa carência de estabilidade nas fundações monásticas, levando a muita coisa dispendiosa e desnecessária.
Após três anos de discussões, discernimento e planejamento, três membros da Abadia de Belmont (Inglaterra) chegaram ao Peru, em agosto de 1981. Embora se tenha falado muito sobre a vida monástica, o que os bispos queriam realmente eram sacerdotes para trabalhar em paróquias. Foi assim que iniciamos nossa experiência peruana na casa paroquial de Tambogrande, na Arquidiocese de Piura.
Era uma paróquia imensa com mais de 120 vilarejos e praticamente nenhuma estrada. Logo a seguir mais outra paróquia das proximidades foi agregada, parte de uma outra na diocese vizinha e, durante as chuvas torrenciais de 1983, uma terceira paróquia mais ao norte. Em pouco tempo, estávamos encarregados de 200 cidades e vilarejos, com uma população católica de mais de 200.000 almas. Foi uma excelente introdução à «inculturação» e um mergulho na realidade peruana. A lição ficou clara: antes de construir um mosteiro e «embarcar» na vida monástica, certifique-se de que você fala bem a língua da região e possui uma profunda compreensão e conhecimento do país que o adotou. Pois terá muita coisa a aprender da história, cultura e religião desse país.
Na escola de línguas, na Bolívia, os sábios Padres de Maryknoll nos avisaram que deveríamos estar preparados para enfrentar muitas intempéries. Disseram-nos que «a fundação de um mosteiro levará cinqüenta anos ou mais». Insistiram também num outro ponto: «É mais importante construir uma comunidade que edifícios». Em Lima, um experiente beneditino americano nos disse: «Previna-se tendo um bom advogado». Ele tinha razão. Cuidado com os negócios, as ofertas, os presentes. A máfia local chega antes de você e – como se diz em inglês – tem seus dedos metidos em tudo. Lembremo-nos também que, na maior parte dos países em desenvolvimento, a corrupção campeia em todos os setores da sociedade, a começar pela Igreja. São palavras duras, mas verdadeiras, infelizmente!
Em 1985 adquirimos um terreno de vinte e dois hectares na vizinhança de uma área irrigada pela barragem de San Lorenzo. Aqui aprendemos duas lições importantes. Para começar, não se aventure na agricultura se você não possui nenhum conhecimento de primeira mão nem experiência no assunto, principalmente em sua nova pátria. Em segundo lugar, esteja preparado para as dramáticas mudanças climáticas: a alternância entre longos anos de estiagem e períodos duradouros de chuvas torrenciais. Ambos podem destruir tudo, inclusive os edifícios monásticos. Não deixe de fazer testes exaustivos no solo, pois muitas áreas não são adequadas para se construir. Esteja seguro de poder contar com os serviços de um arquiteto e construtor experiente, confiável e honesto. Caso você vá viver numa área onde podem ocorrer terremotos, qualquer construção envolvendo aço, concreto e tijolos terá que ser de resistência anti-sísmica.
Após termos vivido por vinte anos em San Lorenzo, era evidente que devíamos nos mudar. Havia várias razões para isto: a distância da cidade mais próxima, o estado precário das estradas e a falta de segurança; mesmo tendo um fornecimento irregular de energia elétrica, a falta de abastecimento suficiente de água tornou a vida impossível; a agricultura era um poço sem fundo e estava nos levando à falência; olhando para o futuro, não se vislumbrava nenhuma fonte de renda possível para sustentar uma comunidade monástica nativa, como também não havia nas redondezas lugares apropriados para os estudos.
Mesmo levando tempo e pedindo conselho antes de nos mudarmos para Pachacamac, no vale do Lurín, cerca de uma hora ao sul de Lima, tivemos de enfrentar tantos problemas quantos no norte do Peru. Estamos a apenas vinte quilômetros do centro de Lima, mas sem fornecimento de energia elétrica nas proximidades. Tivemos que pagar caro por um gerador. Não há linha telefônica nem Internet (usamos telefones celulares). Temos um poço artesiano, mas pagamos «os olhos da cara» pela água para uso doméstico, e por aí vai. O pior de tudo, que esgota nossos pelos parcos recursos financeiros, é um vizinho que, incitado pela máfia local, invadiu grande parte de nosso terreno e o reclama como sendo propriedade sua. Nem mesmo um bom advogado seria capaz de enfrentar a corrupção e as trapaças que encontramos onde quer que recorramos pedindo ajuda. É então que você começa a ver a pertinência dos «salmos imprecatórios» em tais circunstâncias: mas sempre há um vislumbre de luz no fim do túnel.
Até agora pudemos construir somente a futura hospedaria. Foi uma sugestão de nossos benfeitores, de modo a garantir uma boa fonte de renda. No momento, parte dela é utilizada pelos monges, a outra pelos hóspedes. Existe uma certa separação, mas não o suficiente. Trata-se, efetivamente, de uma estrutura solidamente construída, simpática e funcional. Nosso arquiteto-construtor, residente em Lima, trabalhando com o monge encarregado do projeto de construção, operou milagres ao realizar essa tarefa por aproximadamente $250,000, o preço de uma pequena casa no Reino Unido. É essencial construir edifícios seguros e simples, que reflitam a austeridade monástica, e sejam fáceis e acessíveis de se manter. Pelo fato de Lima estar cada vez mais se expandindo, é possível que nos próximos vinte ou trinta anos a comunidade tenha que se mudar novamente; assim o mosteiro atual deverá ser encarado como um investimento e não como uma casa permanente. É importante não construir além do que necessitamos, e considerar também com seriedade aqueles que estão a nossa volta, dando testemunho da pobreza de Cristo, e não da riqueza da Igreja.
Se o que escrevi pode parecer um tanto quanto eivado de cinismo, que assim seja. Após trinta anos construindo mosteiros, estamos começando a aprender com nossos erros
D. Paul Stonham, OSB, é Prior do Mosteiro da Encarnación,
em Pachacamac (Peru).
Traduzido do inglês por Paulo Alceu Amoroso Lima.