O HABITAT DOS MONGES BUDISTAS
P. Pierre-François de Béthune, OSB
O estudo dos lugares monásticos budistas é muito instrutivo. A comparação com as implantações monásticas cristãs revela semelhanças significativas, mas também grandes diferenças que suscitam questionamentos.
Falo aqui de habitats ou lugares budistas, porque nem sempre houve construções. De fato, nas origens, os monges não tinham casas. Isso é verdade tanto para os discípulos daquele que «não tinha onde repousar a cabeça» (Lc 9, 58), como para o Oriente, sobretudo o mundo hindu. Veremos como os budistas muito rapidamente foram construindo importantes mosteiros, embora no tempo de Buda ainda prevalecesse a tradição hindu.
Convém lembrar aqui a primeiríssima menção feita a respeito dos monges. Ela se encontra no Rig Veda (X, 136), um texto anterior a Buda, que descreve o keshi, o asceta silencioso, cabeludo e nu.
Nele o fogo, nele o céu e a terra.
Ele é como o sol que vê o mundo num só olhar.
Ele próprio é a luz, o asceta cabeludo.
Envolvido pelo vento, vestido unicamente com a poeira do caminho...
O asceta silencioso e sem domicílio está como em sua própria casa,
de mar a mar, do Oriente ao Ocidente.
Seria impossível exprimir mais claramente a determinação para o desprendimento absoluto de tudo o que constitui uma vida sedentária, instalada. Mas, notemos também que, dessa maneira, o monge se sente em qualquer lugar como em sua própria casa e, por conseguinte, predisposto aos mais diversos encontros, do Oriente ao Ocidente. Na origem, os monges eram, por definição, sem domicílio fixo, «sem moradia» (em sânscrito: pravrajyâ). Pode-se ainda ver, na Índia, esses ascetas nus, vestidos unicamente com a poeira do caminho, que perpetuam uma tradição milenar. O Ocidente cristão também conheceu monges itinerantes, acemetas (monges que não dormiam para se revezarem na oração perpétua), adamitas e giróvagos, que logo foram marginalizados; somente os cenobitas e os eremitas foram e são ainda reconhecidos.
Existe aqui uma diferença fundamental entre as duas tradições. Ela é nitidamente perceptível nos próprios termos utilizados para exprimir a escolha da vida monástica. Nós dizemos: «Entrar para o mosteiro»; enquanto no Oriente inteiro se diz: «Deixar a casa». Entre nós o que importa é a pertença, ao passo que no Oriente o mais importante é não se apegar.
Os monges budistas da tradição dos Anciãos, os bhikshu (literalmente: mendigos) do Sri Lanka, Camboja, Tailândia e Laos caminham muito para pedir esmola e, ao anoitecer, se retiram para suas pequenas cabanas. Com freqüência, fizeram construir grandes templos, mas suas vihâra (agrupamentos de vivendas) foram sempre muito simples. Trata-se de pequenos abrigos de dois metros quadrados, construídos com material leve sobre estacas e dispostos de forma aleatória considerando as árvores. Portanto, os mosteiros não têm uma estrutura particular. Quem for nele admitido deve, de imediato, reconhecer o clima monástico: sobriedade, limpeza, harmonia, integração respeitosa com a natureza e um profundo silêncio interior. Além disso, não há muito que falar aqui, pois a arquitetura é reduzida ao mínimo necessário.
Com o Mahâyâna ou «grande veículo», surgido um pouco antes de nossa era, as coisas vão mudar. Os monges do «budismo do Norte», como é por vezes chamado, não podiam mais se contentar com este mínimo de proteções contra as intempéries que, nas regiões de clima quente do sul, eram suficientes. Tiveram então que elaborar outros tipos de habitat.
Convém, antes de tudo, mencionar as grutas que eles decoraram, muitas vezes com grande arte. Pensemos nas grutas de Ajanta (na Índia), nas de Banian (no Afeganistão) ou nas de Dunhuan (na China), que encerram tesouros de pintura, escultura ou manuscritos.
Entretanto, onde não havia grutas, os monges construíram importantes edifícios para se protegerem do frio. Os mosteiros tibetanos são imponentes tanto por suas dimensões – chegaram, por vezes, a abrigar milhares de monges – quanto por sua implantação nas paisagens de montanha.
A China teve também mosteiros enormes. Suas riquezas foram causa de inveja e a maioria deles foi destruída.
Seria preciso ainda falar dos mosteiros vietnamitas e coreanos, mas me limitarei aos mosteiros japoneses, que conheço um pouco melhor. Quando um monge cristão tem a oportunidade de viver neles durante algum tempo, se sente em casa. Como nas vyhâra do sul, descobre ali um ambiente monástico de grande harmonia, mas reconhece também um propósito de construir, no meio de um mundo tantas vezes violento, uma cidadela de paz, cujo aspecto externo já é revelador de um caminho de transformação espiritual a que todo mundo aspira. Sobretudo, deve-se notar que esses mosteiros, especialmente os de Kyoto, estão entre os mais belos, considerando todas as religiões.
Começarei descrevendo sua estrutura.
Eles não formam uma construção de bloco único, mas se compõem de um sucessão de salas separadas umas das outras e situadas num grande jardim. Essa disposição é provavelmente ditada pelo risco de incêndio que ameaça as construções de madeira: separando os edifícios pode-se evitar que o mosteiro não queime todo. No entanto, essa disposição reflete igualmente a antiga visão de um estabelecimento monástico na floresta.
Na verdade, o que chamamos de mosteiro é um parque, uma parte da floresta da montanha. Vistos das colinas que cercam Kyoto, esses estabelecimentos monásticos são percebidos como áreas verdes em meio às quais surgem os grandes telhados dos templos. Estão situados nos limites da cidade, nas encostas das colinas. Atualmente, a cidade de Kyoto estendeu seus limites para além de alguns dentre os mais prestigiosos, como o Kennin-ji ou o Daitoku-ji, mas sua estrutura e significação prevalecem. Pois, todos esses edifícios estão situados numa ordem precisa e não mais de maneira aleatória, conforme a situação do terreno.
Aqui aparece uma outra grande diferença entre as tradições do Ocidente e do Oriente. Os mosteiros cristãos do Ocidente, como aliás as grandes casas da Antigüidade, são na maioria das vezes concebidos ao redor de um peristilo, um claustro. Todos os lugares importantes são interligados por esta galeria coberta que rodeia um pequeno jardim interior. Como seu nome (claustrum) indica, é um local fechado, isolado do mundo por uma «clausura». Ora, por metonímia, o claustro pode significar todo o mosteiro. Ele é a imagem do trabalho espiritual do monge cristão que cuida de seu jardim interior e não quer outro horizonte que não seja a quadratura do céu que o recobre.
A palavra sino-japonesa que significa, por metonímia, todo o mosteiro budista japonês é san, a montanha. A estrutura do mosteiro é linear e não concêntrica, significando o acesso à montanha, o caminho em direção ao lugar onde está a pureza original. Se aquele que empreende uma busca espiritual intensa «deixa sua casa», não é para ir se enclausurar em um mosteiro; ao entrar nele, é para atravessá-lo e aceder assim a sua natureza original.
Vejamos, pois, como são dispostos os diferentes edifícios desses mosteiros. Essa disposição não é rígida e nem todos os mosteiros possuem todos os elementos. Descrevo aqui a disposição mais clássica, tal como podemos ver no Myoshin-ji ou no Tenryu-ji de Kyoto.
Em um de seus lados, o mais baixo, o terreno do mosteiro é contíguo a uma das avenidas mais movimentadas da cidade, uma espécie de perimetral, pois o mosteiro, situado na encosta da montanha, constitui o limite do perímetro urbano. Esse lado é protegido por um muro. Há nele uma pequena porta pela qual se entra subindo alguns degraus; somente os pedestres e os ciclistas podem penetrar no jardim.
Logo na entrada encontra-se um lago, cercado de árvores antigas, onde crescem os lótus. Uma pequena ponte permite atravessá-lo em sua parte mais estreita. Esses primeiros elementos do mosteiro indicam claramente que a vida monástica é um caminhar iniciático, uma «travessia para a outra margem».
Encontramo-nos então diante da san-mon, a «porta da montanha». Trata-se de um pórtico imponente com três entradas, comportando, por vezes, um plano elevado. A porta de entrada da rua tem uma função meramente utilitária; o pórtico é o emblema do mosteiro. Seu nome está escrito nele com grandes caracteres caligrafados, por exemplo: «A grande montanha do coração maravilhoso» (Myoshin hon-zan); ou: «A grande montanha do dragão celeste» (Tenryu hon-zan).
Quando o atravessamos, penetramos no mosteiro propriamente dito. No final de um caminho pavimentado por grandes lajes e ladeado por coníferas seculares, logo descobrimos o Butsu-den, o «santuário de Buda», um outro edifício imponente onde se venera uma grande estátua do Iluminado sentado em meditação.
Às vezes, há uma segunda sala construída atrás do santuário, sempre no prolongamento do percurso. O hatto se destina à pregação e a outras reuniões rituais da comunidade monástica.
Esses dois edifícios constituem o centro de todo o complexo monástico. Mas, à direita e à esquerda deles existem ainda outras construções essenciais. À esquerda está a zendo, a sala para a prática do zen, onde os monges em formação meditam, comem e dormem. É um ambiente bastante espartano. À direita, estão a cozinha e as instalações sanitárias, mas, principalmente, a hajo, a habitação do roshi, o «mestre ancião», que os monges vão encontrar três vezes ao dia. Em contraste com a zendo, a hajo é, na maioria das vezes, um conjunto de peças admiráveis abertas para os «jardins zen», como os célebres jardins do Ryo-an ji ou do Daisen-in. Por conseguinte, é nesse nível que se realiza o trabalho espiritual, na interação entre a prática meditativa e o diálogo com o mestre.
Mais afastados, à esquerda e à direita, há por vezes outros pequenos edifícios monásticos, destinados aos monges já formados, encarregados de tarefas diversas. São maravilhosos pequenos conjuntos onde vivem comunidades de quatro ou cinco eremitas, eruditos, artistas ou simplesmente retirados da vida ativa.
Mas, precisamos retomar nosso passo, pois no eixo dos grandes edifícios o caminho continua e leva ao kai-san-do, o memorial dos fundadores da «montanha». Foram eles que transmitiram a experiência de Buda, e a presença de seus cenotáfios é a recordação do ideal que anima todo o mosteiro.
No entanto, o jardim-mosteiro não é murado do lado da montanha, para que se possa prosseguir a caminhada ainda mais além e mais alto, na floresta da montanha, e chegar perto de uma fonte onde se oculta um pequeno santuário shin-to, a religião primordial do Japão.
Por conseguinte, a disposição única dos lugares do mosteiro é reveladora do sentido da vida monástica budista: àquele que deixou sua casa e a cidade barulhenta, ela oferece uma ponte, uma porta para ter acesso ao coração do budismo; a meditação intensa e a freqüentação do roshi permitem, por sua vez, ter acesso à experiência inefável transmitida pelos fundadores e, finalmente, reencontrar sua natureza original, para além das palavras e das pertenças religiosas.
Como diz Bodhidharma, o fundador da tradição zen, para percorrer o caminho monástico, basta
ir diretamente ao coração do homem,
descobrir sua verdadeira natureza,
e assim levar a efeito a Iluminação.
Quanto a nós, monges cristãos, podemos nos perguntar ao final dessa descrição: essas diferenças que concernem a estrutura dos mosteiros e o ideal que os anima provêm unicamente da diferença das religiões? Ou é uma questão de tradição cultural?
P. Pierre-François de Béthune, OSB,
é monge do Mosteiro de Saint-André de Clerlande (Bélgica)
e ex-Secretário Geral do DIM.
Traduzido do francês por D. Matias Fonseca de Medeiros, OSB.