IGREJAS MONÁSTICAS

ALGUMAS REALIZAÇÕES ARQUITETÔNICAS CONTEMPORÂNEAS

Jo van Haeperen

É desejável que a totalidade dos edifícios de um mosteiro, dentre os quais, evidentemente, seu lugar de culto, forme um conjunto arquitetônico coerente. Não seria possível dizer, inclusive, que na maior parte dos casos é o próprio lugar de culto que exerce um papel-chave nesta busca de coerência do conjunto arquitetônico? Em seu livro notável, «Dix petites églises pour auhourd’hui» («Dez pequenas igrejas para hoje»), o P. Frédéric Debuyst(1), OSB, coloca em evidência como, a partir de situações concretas bem diferentes, o lugar de culto desempenha uma função determinante nesta busca de coerência. P. Frédéric Debuyst nos autorizou a publicar várias passagens de seu livro e a reproduzir algumas fotografias. Ficamos-lhe muito gratos!

Entre as situações concretas tratadas pelo P. Debuyst, escolhemos aquelas que se mostram particularmente pertinentes para nosso propósito:

- um lugar de culto que confirma uma fundação monástica já coerente por si mesma;
- um lugar de culto que se torna criador de coerência;
- um lugar de culto que, por diversos reajustes, suscita novas harmonias;
- um lugar de culto que se torna revelador, além do próprio mosteiro, de uma coerência universal.

• Quando um lugar de culto vem confirmar uma fundação já coerente...

A capela do mosteiro de Clerlande, em Ottignies – Louvain-la-Neuve (Bélgica)
Arquiteto: Jean Cosse (1981)

O arquétipo da «igreja-casa» serviu de modelo para os monges de Clerlande quando se tratou de construir seu novo mosteiro. Por que não, um «mosteiro-casa» ? Foi assim, como um «mosteiro-casa», que se ergueram as primeiras construções do mosteiro. Além desta fonte de inspiração, a referência constante ao lugar de implantação daria ao projeto do arquiteto Jean Cosse um estilo bem específico.

«Dez anos após as primeiras construções, a capela veio inserir-se no contexto como uma «capela no meio do bosque». Do ponto de vista das dimensões e da forma arquitetônica, ela não se distingue dos outros edifícios do mosteiro, a não ser por uma simplicidade maior ainda, uma geometria estrita e estável, um telhado com queda simétrica (enquanto que todos os demais telhados acompanham o grande movimento ascendente da colina). Esta presença bem despojada tem algo de arquetípico, de fundamental. O interior segue a mesma linguagem, embora deixando falar também a complexidade dos lugares. Isso é perceptível desde a área da entrada, que por possuir uma galeria superior, é relativamente baixa e a luz aí é filtrada, enquanto o centro da nave, marcado por quatro finas colunas de madeira e um jogo de vigas ousado, aberto, sobe com a luz até a cumieira.

O espaço tem a forma de um amplo retângulo rodeado por grandes paredes brancas com uma galeria e termina, sem soleira, por uma pequena abside axial. Em tudo isto não há nada de repetição historicista: cada elemento foi como que recriado, reinventado, e pode-se dizer que este interior belíssimo é caracterizado por uma espécie de discreta síntese, na qual a recapitulação do conjunto do espaço desempenha uma função maior. O espaço é único, mas não é unitário. É pequeno, mas não compacto. É íntimo, mas de uma intimidade acolhedora, aberta e livre... e ali reina uma luz que, no correr das horas, desenvolve um grande requinte de graus e de matizes.

No plano litúrgico, a capela está organizada a partir da oração da comunidade, que assume uma forma envolvente tanto para os ofícios (na primeira parte da nave), quanto para a eucaristia (em volta do altar). O mesmo movimento ocorre com relação aos fiéis, dos quais pode-se dizer que estão «todos no coro», mesmo quando seu número chega a 200 ou 250. É verdade que, tanto a parte alta como a parte baixa, envolvidas pelo mezanino, são a área central. 

Nitidamente inserido na assembléia, o altar é precedido de um espaço livre e vazio que permite uma criatividade litúrgica característica de Clerlande. Todos os grandes momentos da vida da comunidade se relacionam a ele, em particular as celebrações maiores da Semana Santa, os funerais, as profissões...

Assim sendo, vibrante e cheia, ou silenciosa e vazia, esta pequena igreja permanece, dia após dia, como um todo dinâmico e fraternal. Ali encontramos uma «sacralidade de comunhão» que dá continuidade ao espírito das liturgias domésticas e ao da «igreja-casa».

• Quando um lugar de culto se torna criador de coerência...

A capela de Chauveroche – Giromagny, Belfort (França)
Arquiteto: Jean Cosse (1991)

«O mosteiro e a capela de Chauveroche, perto de Giromagny, nos conduzem aos frutos do pós-Concílio e do Movimento Litúrgico. Sua implantação está numa vasta paisagem aos pés do Ballon d’Alsace, criando um espaço de particular beleza.

Entretanto, a situação inicial era ingrata: duas casas pré-existentes situadas um pouco afastadas da aldeia, muito díspares e sem conexão entre elas. Foi a partir da construção da capela, por Jean Cosse, que o mosteiro tornou-se um conjunto coerente e encontrou sua identidade própria diante de uma natureza grandiosa. Um clima novo de hospitalidade pôde então envolver o conjunto dos lugares, da igreja com seu pequeno claustro ajardinado, da parte residencial e até dos próprios acessos.

Os telhados altos da capela lhe conferem uma verticalidade calma, uma presença forte, também perceptível no interior. Com seu jogo alto de vigas, seu clima luminoso e muito livre, podemos dizer que este espaço se acha entre os mais satisfatórios que se pode ver hoje. Encontramos nele uma notável organização litúrgica, um calor de assembléia que permite falar aqui de uma igreja-casa, mesmo que um acento particular tenha sido colocado sobre o belo espaço de glória por detrás do altar. Talvez seja este pequeno altar de madeira e de pedra, livre de qualquer degrau, admirável na discrição, que dá aqui o tom, o justo equilíbrio de proximidade e distância.  

Sob a tribuna, a passagem de entrada nos oferece uma outra surpresa. Prolongada por um terraço com balcão, a igreja se abre perante uma paisagem de profundidades múltiplas: primeiro, abaixo, a aldeia e a igreja de Giromagny; em seguida, as longas cadeias sucessivas do Jura francês e suíço; enfim, em certos dias particularmente límpidos, os altos cumes nevados do Oberland bernino, o Jungfrau, o Mönch, visíveis a cerca de 150 km. Nestes dias, o «genius loci» de Chauveroche e de sua capela nos mostra sua identidade completa, suas ressonâncias mais longínquas.

• Quando um lugar de culto suscita novas harmonias...

A capela da Virgem Negra – Basílica de Einsiedeln (Suíça)
Readaptação: H. Steiner e G. Malin (1997)

«Pequena igreja dentro da grande», lugar de celebração quase permanente do mais importante local de peregrinação da Suíça: a readaptação litúrgica da célebre capelinha da Virgem Negra, de Einsiedeln, apresentava problemas bastante difíceis, tanto no plano arquitetônico quanto no da sensibilidade pastoral. Era preciso igualmente levar em conta as opiniões e posições das diversas Comissões dos Monumentos. Compreende-se que o Abade do mosteiro, D. Georg Holzherr, tenha intitulado com as seguintes palavras o texto em que resumiu quatro anos de tentativas e trabalhos: «Um longo caminho para uma nova solução». Suas intervenções pessoais, cheias de perspicácia e de coragem, tiveram um papel decisivo. Em tudo isso, o ponto sensível foi o de fazer um altar de celebração voltado para os fiéis, em real coerência com os elementos pré-existentes. 

Inaugurado em um clima de grande alegria popular, em 14 de Setembro de 1997 (dia do aniversário da Dedicação da igreja) a nova disposição, devida em particular ao escultor Georg Malin, é, sem dúvida, uma das mais notáveis dos últimos anos. 

O pequeno altar em mármore de Carrara, finamente permeado por estrias ocres possui a forma exata do tau grego, cujas proporções são ao mesmo tempo firmes e leves (altura e largura: 97 cm; profundidade: 59 cm; espessura da mesa: 9 cm; coluna do pé do altar: 33 x 33 cm). O ambão, colocado na beirada do pequeno pódio, é uma simples estante de metal com um apoio de leitura em couro branco.

O restante do mobiliário, a credência, as sedilhas, é tudo muito simples e despojado. Neste escrínio neo-clássico de mármores preciosos, diante da antiqüíssima imagem da Virgem, cujo  fundo dourado de nuvens e raios compõe a imagem desde 1817, a discreção e a limpidez caracterizam a contribuição moderna.

«O pequeno altar da capela de Einsiedeln... testemunha a alegria que se pode experimentar (como nós mesmos sentimos no dia da inauguração) ao descobrir um lugar de grande nobreza e de grande ternura, marcado por tudo o que, dentro da autenticidade do Mistério, pode contribuir para se viver um verdadeiro ‘encontro’».

• Quando um lugar de culto se torna revelador de uma coerência universal...

A capela de Christ-in-the-Desert – Abiquiu, Novo México (Estados Unidos)
Arquiteto: George Nakashima (1970)

«Fundado em 1964, no deserto montanhoso do Novo México, a mais de 2000 m de altitude, à beira do cânion do rio Chama, o mosteiro de Cristo-no-Deserto produziu desde seu começo imagens inesquecíveis. Apresentaremos aqui somente a pequena igreja construída poucos anos mais tarde(2). Ela ocupa, hoje, na arquitetura religiosa americana, um lugar a parte, por causa do grande talento de seu arquiteto George Nakashima (japonês de origem, convertido ao catolicismo) e da extraordinária presença desta arquitetura de terra batida ao pé das altas falésias rosas, que anunciam o fim do cânion.

A tradição arquitetônica na qual os monges queriam construir era a da arquitetura em adobe dos velhos povoados indígenas e mexicanos e das pequenas igrejas franciscanas dos séculos XVI e XVII, – tão maravilhosamente evangélicas – ainda numerosas nas montanhas ao norte de Santa Fé. Aliás, os monges chegavam profundamente marcados pela renovação litúrgica herdada do mosteiro de Maria-Laach, que eles desejavam aplicar aqui.

Todos esses dados, Nakashima os interpretou através de seu próprio temperamento de arquiteto e de grande artesão da madeira, particularmente sensível a um lugar como aquele.

A pequena construção «se afirma» admiravelmente diante da enorme massa de pedra, antes talvez por causa das grandes vidraças com belas travessas de madeiras, que se elevam diante da rocha como se fossem pórticos. Ela abriga, com uma espécie de ternura, as quatro pequenas naves baixas dispostas em forma de cruz, cujos planos cortados produzem a partir do interior um octógono, e permitem à assembléia rodear em um só movimento o altar central.

O clima deste pequeno interior é extremamente despojado, mas ao mesmo tempo pleno de calor, de uma musicalidade quase polifônica e radiante de acolhimento. Logo ao se entrar e levantar os olhos para a vidraça do fundo, fica-se primeiramente imobilizado por causa de tanto esplendor: a alta falésia rosa, tão próxima que se pode quase tocar, marca  aqui um formidável espaço de glória. Então, em um segundo momento, o espaço litúrgico reúne os fiéis com doçura e uma grande simplicidade.

Em um folder sobre o mosteiro, Thomas Merton escreveu estas linhas, quanto ao exterior: «Sóbria, isolada, simples, muito digna, esta pequena igreja se volta para os campos irrigados e para o vale que se alarga. E seu campanário é como um vigia que espera alguma coisa, ou alguém, que ele não quer nomear diretamente. Esta obra-prima da arquitetura de barro é uma expressão perfeita do espírito do monaquismo».

Jo van Haeperen é oblato secular do Mosteiro de Saint-André de Clerlande (Bélgica)

Traduzido do francês pelas monjas do Mosteiro da Santíssima Trindade, Santa Cruz do Sul, RS.

(1) Extratos da obre do Pe. Frédéric Debuyst «Dix petites églises pour aujourd’hui» 1999 (Publicações de Saint-André – Cahiers de Clerlande, nº 8).
(2) Convém esclarecer que um claustro ligando a igreja aos edifícios monásticos foi construído ulteriormente.