Transmitindo a vida que recebemos

Síntese das conferências sobre a Formação

Dom Bernardo Bonowitz, OCSO

É conveniente lembrar aqui o porquê da escolha do tema «Formação como Transmissão da Vida» para o presente Capítulo Geral. Como nos demais setores de nossa vida monástica (o Padre Imediato, a função do Abade), estamos sinceramente convencidos do grande valor daquilo que possuímos e dispomos para transmitir. No que diz respeito à formação, a dificuldade que experimentamos para formar candidatos capazes de perseverar com alegria na vida monástica nos obriga a um reexame de nossa prática de transmissão.

O valor central que emergiu das conferências proferidas no Capítulo, implícita ou explicitamente, como o fundamento necessário para a transmissão da vida na formação foi: verdade. 

A primazia da verdade se manifesta imediatamente no processo de avaliação dos candidatos. Apesar de nosso entusiasmo por receber candidatos e do desejo de sermos misericordiosos em nossa resposta ao seu pedido de ingresso, está claro que um discernimento objetivo da capacidade, por parte do candidato, de viver plenamente a nossa vida é indispensável. Um dano duradouro é feito à comunidade ao se admitir candidatos que não estão aptos – e, ipso facto, não possuem vocação – para nossa forma de vida monástica. Do mesmo modo, admitir pessoas sem as qualidades necessárias é potencialmente nocivo para o próprio candidato.

Esta mesma honestidade deve caracterizar nossa apresentação do projeto monástico para os jovens. Não somos uma universidade, onde é oferecido um programa de estudos superiores; não somos uma central de informática, onde é oferecido acesso ilimitado à internet ou ao telefone; não somos a garantia de uma vida confortável ou da satisfação de nosso desejo de poder. Somos uma «escola de serviço do Senhor» e de seu louvor, uma escola de transcendência na qual buscamos alcançar uma vontade comum – comum entre nós mesmos e comum com Cristo. Ao invés de chocar os jovens, tal honestidade os atrairá. Eles não vieram ao mosteiro para a satisfação fácil de seus desejos – o mundo exterior tem muito mais a oferecer-lhes neste sentido do que nós – mas para recuperar sua identidade de filhos e filhas de Deus em Jesus Cristo. No momento de sua entrada, este Jesus ainda é um desconhecido para eles, em todo o alcance de sua força e seu amor. Nós precisamos colaborar para a transmissão da «verdade que está em Jesus», não tanto pela catequese quanto pela evangelização.

moinesNesta formação inicial, os jovens monges e monjas devem ser ajudados a chegar à verdade sobre si mesmos. Este auto-conhecimento salvífico se realiza  mediante a direção espiritual e graças a uma doação de si sempre crescente àquele que é o Senhor de suas vidas. Para que a direção espiritual seja fecunda, uma relação de confiança mútua deve ser gradual e pacientemente construída. No que diz respeito à doação de si mesmo, não devemos ter receio de pedir aos que estão em formação tudo o que o Senhor pede deles. Isso não será experimentado por eles como um peso esmagador, mas como uma honra e um chamado a corresponder à plenitude de sua identidade espiritual. Aqui será importante para nós formadores não impor-lhes sacrifícios, mas ver a particular grandeza de alma que o Senhor pede de cada pessoa, e ajudá-la a viver essa grandeza.

Da parte da comunidade, o compromisso para com a verdade se expressa em seus esforços na direção de uma unidade sempre maior. Estamos bem conscientes de que somente uma comunidade unificada é formadora. Uma visão de unidade é construída e mantida pelo ensinamento do superior, pelo trabalho de diálogo comunitário freqüente e por um testemunho de vida coerente da parte de todos os irmãos e irmãs. Quedas são inevitáveis ao longo do caminho, mas elas mesmas podem ser produtivas na medida em que nos estimulam a gestos de perdão, ao recurso ao sacramento da reconciliação e a uma renovada experiência de nós mesmos como pessoas continuamente salvas pela misericórdia de Deus. Quando isso acontece, os jovens experimentam o mosteiro como uma «casa de paz, de diálogo e de ajuda mútua» que corresponde às suas justas expectativas.

A contribuição particular do abade é a sua fidelidade para com a vocação monástica comum. Ele exemplifica uma vida vivida na verdade em relação com a realidade criadora e criada. Ele está imbuído de uma profunda reverência para com Deus, de uma atitude de honra prestada a todos os seres humanos, de um respeito e um encanto por toda a criação de Deus. Este «temor do Senhor», sempre mais profundo, baseado na verdade de quem Deus é e de quem ele mesmo é, o fará superar obstáculos como favoritismos e orgulho, e o permitirá vencer a tendência para o desânimo e a auto-piedade. Ele também lhe permitirá tomar decisões difíceis, mas necessárias com objetividade compassiva. É aconselhável que ele próprio tenha um conselheiro espiritual, dentro ou fora da comunidade, cuja presença e amizade o ajude a conhecer e aceitar cada vez mais a verdade sobre si mesmo. 

Todos estes aspectos da verdade devem dirigir-nos para a vivência litúrgica – para o louvor perene do Deus que nos criou e que nos recria a cada dia, e nos conforma cada vez mais àquele homem verdadeiramente humano e verdadeiramente divino, Jesus Cristo. Nós nos reunimos cada dia na liturgia para dizer: nele conhecemos a verdade, e a verdade nos torna livres.

Dom Bernardo Bonowitz, OCSO, é Abade da Abadia de Nossa Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente, PR.

Traduzido do inglês por Irmão Guilherme Risi, OCSO (monge da Abadia de Nossa Senhora do Novo Mundo).