Pontos de partida para a formação
Dom Védaste Vitchomo, OCSO
A questão da formação na OCSO é muito complexa, porque o monge ou a monja são chamados a ser formados ao longo de toda a vida. Na Ratio da nossa Ordem, fala-se dos diferentes aspectos da formação, a saber: o papel formativo da conversatio cisterciense, a formação inicial, a formação permanente, a formação especializada, a formação no espírito da Carta da Caridade. Esse programa de formação se destina a todos os membros da Ordem.
Quando comecei a elaborar a presente conferência, tinha acabado de ler os instrumentos de trabalho sobre o assunto que as Comissões Centrais (em Tilburg, no ano de 2010) tinham requisitado a Madre Lúcia Tartara, a Dom David Tomlins (Tarrawarra) e a Madre Magdalena Aust (Maria Frieden). Também tive acesso a alguns Relatórios Regionais sobre o tema. Considerei esses textos do maior interesse, mas eles não levantavam a seguinte questão: que me resta dizer? Quando, apesar das minhas limitações, me esforcei por encadear alguns pensamentos, perceber-se-á que as idéias não são somente minhas; por vezes também me inspirei nos trabalhos acima mencionados. Pois apesar das diferenças que possam existir entre as nossas várias Regiões, partilhamos das mesmas preocupações no que diz respeito à formação. Tendo colocado isso, a minha contribuição, sem ser exaustiva, incluirá os seguintes quatro tópicos:
1. a formação dos candidatos à vida monástica
2. o papel formativo da comunidade
3. a formação monástica e o desafio da cultura moderna
4. algumas sugestões.
1. A formação dos candidatos à vida monástica
A formação monástica começa quando recebemos os candidatos e os integramos no noviciado. Essa etapa é muito importante e requer um agudo discernimento. A comunidade que recebe os jovens deve discernir a vocação deles. No capítulo 58 da Regra, São Bento nos dá alguns critérios para discernir uma autêntica vocação. Em primeiro lugar, confiamos o candidato a um irmão mais velho «que seja apto a obter o progresso das almas e que se dedique a eles com todo o interesse. Que haja solicitude em ver se procura verdadeiramente a Deus, se é solícito para com o Ofício Divino, a obediência e os opróbrios».
«Sejam-lhe dadas a conhecer, previamente, todas as coisas duras e ásperas pelas quais se vai a Deus». Assim, a primeiro etapa da formação é uma iniciação que ocorre com a ajuda de um irmão mais velho, aqui apresentado como o mestre de noviços. São Bento pede ao formador que preste atenção nas motivações dos recém-chegados. Ele deve lhes comunicar claramente os elementos essenciais da vida monástica, e ao mesmo tempo lhes falar da mortificação que ela requer.
De fato, nos nossos mosteiros a formação não é só uma questão teórica; ela também inclui exercícios de autodoação. Deve-se dar o próprio tempo a Deus, a fim de participar ativamente do Ofício Divino. Deve-se participar do humilde trabalho comunitário e da lectio divina. Temos um exemplo bíblico em São Paulo, que, segundo At 18,2-3, somou forças com um judeu chamado Aquila e sua esposa Priscila, pois eles exerciam a mesma profissão que ele. Trabalharam juntos como fabricantes de tendas.
Essa passagem nos mostra que Paulo, mesmo sendo um ex-fariseu, um homem versado nas Escrituras, e um grande pregador do evangelho, era também alguém que se aplicava seriamente a ganhar o pão de cada dia com o trabalho das próprias mãos.
São Bento nos lembra isso no capítulo 48: «São verdadeiros monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também nossos Pais e os Apóstolos». (cf. também Constituições, no 26).
Tal atitude é o antídoto do monge contra a preguiça, a ociosidade e a dependência. A esse respeito, estamos sujeitos à tentação no nível tanto inicial como no da formação contínua. Diz respeito a toda a comunidade. Refiro-me à tentação representada pela lei do menor esforço, uma vez que recebemos apoio financeiro de nossas Casas Mães ou de benfeitores. Ao contrário, os dons que recebemos deles, o fruto do trabalho deles, deveriam nos instigar a aplicarmos concretamente o princípio do «ora et labora». Os jovens que ingressam nas nossas comunidades devem ser formados para isso pelo bom exemplo dos mais velhos.
2. O papel formativo da comunidade
O lugar privilegiado para a nossa formação básica, como monges e monjas, é a comunidade, entendida como escola de caridade. Somos chamados a nos estimular mutuamente, enquanto trabalhamos para o crescimento das nossas comunidades. Dom Eamon, nosso Abade Geral, afirmou que o propósito da formação monástica é o testemunho de uma vida baseada no amor. As palavras dele ecoam as de Jesus, que disse: «Vós sereis reconhecidos como meus discípulos se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,35). Por essa razão, São Bento nos exorta a praticar a virtude do respeito mútuo. Está escrito que «o mais jovem deve reverenciar o mais velho, e o mais velho deve amar o mais jovem» (cf. RB 4,70 e 71). Quando uma pessoa mais jovem encontra uma comunidade oprimida por conflitos, ele ou ela facilmente se desencorajará. Cada membro é chamado a partilhar a responsabilidade de garantir o crescimento da comunidade. O jovem, também, deve colaborar para o próprio crescimento e o de toda a comunidade.
Um monge que sempre tem uma desculpa ou pretexto para não participar dos exercícios comunitários não edifica os irmãos mais jovens. Pelo contrário, todo monge ou monja, com seus diferentes talentos dados por Deus, deve participar da construção de sua própria comunidade. Isso está bem expresso na Ratio, 12: «A aptidão de uma comunidade para formar novos membros depende em grande parte do seu espírito de união, de modo a poder transmitir uma única orientação às gerações vindouras». Isso também é verdade na tradição africana. Quando os jovens são iniciados na vida adulta, o método de formação seguido é, acima de tudo, o de formá-los no espírito da comunidade para saber viver em comum. A coesão dessa comunidade permite-lhes descobrir os diversos talentos dos mais velhos. Belos exemplos tirados da natureza também os ajudam a captar o valor e o sentido da vida de comunidade – por exemplo, a unidade e a organização das abelhas e o excelente fruto do trabalho delas, o mel. A fim de evitar o risco de dano à harmonia social, uma série de sanções deve punir os transgressores. Por exemplo, um ancião que ouse escandalizar o grupo deve ser isolado; um jovem incapaz de ascender aos ritos de iniciação é devolvido a sua mãe, onde poderá corrigir o seu rumo antes de retomar à iniciação.
Essas anedotas africanas me permitem falar de alguns desafios semelhantes que me vêm à memória na área de formação.
• Pode acontecer que fechemos os olhos para sinais manifestos de desequilíbrio psicológico nos nossos candidatos. Por falta de vocação, caímos às vezes na armadilha de simplesmente querer fazer número. Ousamos aceitar casos difíceis na crença de que já saímos da crise de vocações. Não há como negar: com recrutamentos desse tipo, o futuro da comunidade está em risco.
• Um outro desafio nas relações interpessoais diz respeito a conflitos de classe ou às lutas pelo poder. Por exemplo, sendo eu um monge sacerdote, considero os outros como monges de segunda classe. São Bento, na Regra, adverte o sacerdote contra o risco de um complexo de superioridade. No capítulo 62, ele afirma: «Se o Abade quiser pedir que alguém seja ordenado presbítero ou diácono para si, escolha dentre os seus, quem seja digno de desempenhar o sacerdócio. Acautele-se o que tiver sido ordenado contra o orgulho ou soberba».
• Além disso, devemos nos resguardar do perigo de nepotismo e tribalismo nas nossas comunidade. Se o superior, ou o formador, criar uma classe privilegiada no seio da comunidade na busca de interesses desonestos, a comunidade corre o risco de se dividir. Como resultado, o grupo que se sentir lesado não experimentará a paz e a alegria da vida fraterna. Pode então acontecer que os mais jovens sejam desviados do propósito com o qual vieram ao mosteiro. Se houver justas murmurações em excesso na comunidade, ela vai necessariamente acabar perdendo a sua vitalidade formativa.
Na Exortação Apostólica Vita Consecrata, no 67, o Papa João Paulo II lembra o papel privilegiado da comunidade no campo da formação: «Visto que a formação deve ser também comunitária, o seu lugar privilegiado no caso dos Institutos de vida religiosa e das Sociedades de Vida Apostólica é a comunidade. Nesta, tem lugar a iniciação à dificuldade e à alegria de viverem juntos. Aí cada um aprende a viver em fraternidade com aquele que Deus pôs ao seu lado, aceitando as suas características positivas juntamente com as suas diferenças e limitações. De modo particular, aprende a partilhar os dons recebidos para a edificação de todos, visto que “a manifestação do Espírito é dada a cada um para proveito comum”» (1Cor 12,7).
• Um outro desafio que por vezes surge diz respeito à relação delicada entre a comunidade e o seu Padre Imediato [1]. A fim de garantir uma relação harmoniosa, e com vistas ao seu próprio amadurecimento, a comunidade deve ter em mente que um diálogo transparente com o Padre Imediato é necessário. Deve também ser capaz de acolher e de pôr em prática as suas diretivas.
Em resumo: o recém-chegado deveria encontrar no mosteiro um abrigo de paz, diálogo e mútua assistência. É o lugar onde os irmãos e as irmãs se dispõem ao perdão por causa dos conflitos que inevitavelmente surgem na vida humana. A alegria comum por ocasião das festividades constitui uma outra ocasião para desanuviar a atmosfera tensa e favorecer a unidade (cf. Ratio, 13-14). A nossa própria formação, assim como a dos candidatos, depende em grande parte da atmosfera que reina na comunidade.
3. A formação monástica e o desafio da cultura moderna
Houve um tempo, na África, em que se falou amiúde da adaptação e da inculturação da mensagem do evangelho, e mesmo da inculturação do monaquismo. Naquela época, via-se, além do processo de inculturação, a necessidade de aprofundar nossa fé tentando fazer o evangelho assumir alguns valores tradicionais. Atualmente, fala-se menos sobre isso. Pelo contrário: à luz do fenômeno da globalização, muita gente teme ser deixada para trás, caso se recuse a «dançar conforme a música». Estamos num mundo pluralista e multicultural. Uma certa forma de globalização ideologicamente dominante, em nome da laicidade, está para colocar a humanidade no denominador comum mais baixo. Nós deveríamos querer que todos fossem como todos os outros e que vivessem como todos os outros. Os meios de comunicação modernos nos colocam diante de uma informação que corre o mundo em alta velocidade. É claro que esses meios de comunicação podem também, de algum modo, nos ser úteis, mas precisamos de grande discernimento ao utilizá-los. Tudo depende do que estivermos procurando.
Os jovens que recrutamos hoje são o produto desse ambiente, fascinados por uma nova cultura global, uma cultura que se desenvolve em velocidade vertiginosa. Devemos nos interrogar a respeito da formação que podemos oferecer a esses jovens e ao mesmo tempo permanecer fiéis ao carisma cisterciense. Diante do rolo compressor de uma nova ética mundial, que tende para o secularismo, estaríamos, porventura, suficiente preparados para salvaguardar a nossa identidade cisterciense?
Um outro fator, que surge do rápido desenvolvimento da nossa sociedade, é a multiplicação das instituições de ensino de nível superior e o aparecimento de novas ciências. Jovens e velhos se encontram na universidade a fim de se preparar para as batalhas da vida. A corrida pelo diploma garante às pessoas um futuro melhor.
Nos documentos preparatórios para este Capítulo, foi dito que os formadores devem escutar aqueles que estão em formação. Às vezes eles não hesitam em sugerir, por exemplo, que todos os monges e monjas se beneficiariam com uma formação universitária especializada. Nos mosteiros masculinos, os irmãos mais jovens se perguntam por que todos os irmãos não se ordenam. Por que não fazemos como todas as outras Ordens fazem, e não mandamos todos os jovens para os seminários e universidades? Nem sempre é fácil dar uma resposta que satisfaça. E de acordo com a Ratio não está de todo descartada a possibilidade de um monge ou monja frequentar um curso especializado, conforme às necessidades da comunidade. Quanto ao mais, para aqueles que devem prosseguir a sua formação no seio da comunidade, não podemos evitar a seguinte pergunta: como formar monges ou monjas de modo a favorecer o seu florescimento na vida cisterciense e ao mesmo tempo desenvolver seus talentos a serviço da comunidade? Quando tais perguntas são feitas abertamente, num espírito de diálogo, elas são bem-vindas, porque levam a nos perguntar como melhorar a qualidade da nossa formação monástica para todos. No entanto, quando são feitas a título de cobrança, num espírito de reivindicação, elas acobertam uma certa crise de identidade.
4. Algumas sugestões
Eis o que a formação monástica requer de nós:
1. A conversatio cisterciense como elemento básico da formação;
2. A necessidade de garantir uma adequada formação intelectual e monástica aos formadores;
3. Não negligenciar uma formação pessoal e contínua nas nossas comunidades;
4. A formação humana no sentido de paternidade/maternidade (para usar uma expressão do Abade Geral anterior, Dom Bernardo Olivera);
5. Que cada monge e monja cuide de manter o equilíbrio da vida comunitária mediante uma participação fiel na oração, no trabalho e na lectio divina;
6. Acesso a cursos por correspondência por meio da internet;
7. Acompanhamento espiritual;
8. Recurso ao sacramento da reconciliação.
A título de conclusão: a formação intelectual e prática é útil para monges e monjas, mas o exemplo de cada monge e monja é um instrumento não menos precioso na transmissão do carisma cisterciense. Num mundo em constante mutação, devemos ser capazes de discernir os sinais dos tempos. Devemos ser capazes, não só de dar um determinado conhecimento teórico aos jovens em formação, mas de ensinar a eles como viver como monges seguindo os passos de Cristo.
Dom Vedaste Vitchomo, OCSO, é Prior Titular do Mosteiro de Notre Dame des Mokoto, em Ginenyi (Ruanda).
Traduzido do inglês por Dom Justino Silva de Souza, OSB (Mosteiro de São Bento, Brasília, DF).
[1] N. do. T.: Na Ordem Cisterciense, chama-se Padre Imediato o Abade do Mosteiro fundador (Casa Mãe) de outro Mosteiro (Casa Filha), que tem para com este algumas responsabilidades como, por exemplo, fazer a visita canônica, presidir a eleição de um Abade/Abadessa, etc.