Os Cistercienses e a Formação Monástica

... Que o Cristo seja formado em vós (Gl 4,19)


coursA formação, tanto para os institutos de vida apostólica como para os de vida contemplativa, é uma exigência intrínseca da consagração religiosa. Há muito tempo as comunidades monásticas cistercienses se convenceram da necessidade dessa formação e organizaram um percurso formativo monástico contínuo. Por isso, é significativo que, neste ano de 2011, os dois cursos formativos monásticos se realizem um após o outro no Colégio Internacional de São Bernardo in Urbe da Ordem Cisterciense [1]: o Curso de Formação Monástica (de 21 de agosto a 23 de setembro) e o Curso para os novos Superiores (25 de setembro a 1º de outubro).

O Curso trienal de Formação Monástica (CFM) é organizado para todos os monges e monjas da Ordem Cisterciense que estejam em período de formação, bem como para todos os outros monges e monjas, Cistercienses ou Beneditinos, que desejem dar continuidade à formação permanente e aos demais amigos interessados no patrimônio cultural e espiritual cisterciense. Desde 2007, com o acordo firmado entre o Colégio Internacional de São Bernardo in Urbe e o Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, o CFM foi posto sob o patrocínio do referido Pontifício Ateneu. O CFM se dedica ao estudo das fontes e da tradição monástica; aos conhecimentos da patrística, da liturgia e da espiritualidade próprias do ideal e do patrimônio cultural monástico; ao contato com as ciências humanísticas, a psicologia e a antropologia; e, sobretudo, a um sólido conhecimento da Sagrada Escritura e da teologia monástica.

No decurso deste ano os estudantes aprofundarão concretamente as seguintes matérias: fundamentos bíblicos da vida religiosa, fontes da espiritualidade monástica dos Padres Capadócios [2] e de São João Crisóstomo, teologia de São Gregório Magno, história da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, liturgia e ritual cisterciense, teologia monástica contemporânea, história do monaquismo ocidental, introdução e temas da Regra de São Bento, direito religioso, psicologia da formação e cultura humanística. Com uma atualização contínua, o CFM está sempre à procura de um autêntico estágio de formação que se adapte às demandas dos sinais dos tempos, pois a rápida evolução científica e cultural impele os monges a aprofundarem suas raízes tradicionais, dando-lhes assim possibilidade de se abrirem às exigências suscitadas pelo Espírito da verdade.

A formação subentende a raiz, a possibilidade de uma μεταμόρφωσις [3] do ser humano, capaz por natureza de se modificar para a verdade, a liberdade do coração, para a plenitude fecunda olística do ser, para a maturidade em Cristo. Tendo presente a pedagogia do Senhor e a tradição teológica da Igreja, a formação não pertence a um período determinado da vida. Ela é um tornar-se, um dinamismo, uma metamorfose contínua, uma busca permanente: se procura verdadeiramente a Deus [4] no seguimento de Cristo e no serviço da missão eclesiástica.

liturgiePor isso, depois do CFM para os jovens, a Ordem organizou, pela primeira vez, um curso para os novos Superiores. Estes foram chamados a tornar concreta em suas comunidades a imagem de Cristo: Bom Pastor, Sábio Mestre, Servo bom e humilde. Com essa constatação, o mencionado curso inclui conferências sobre temas escolhidos: perfil do Superior no patrimônio cisterciense, serviço abacial e animação comunitária, função e fraternidade dos Superiores na comunhão e na diversidade da Ordem, corpo legislativo, visita regular e paternidade imediata, formação permanente, administração dos bens, problemáticas várias e cuidado para consigo mesmo. Além das conferências, haverá debates por grupos lingüísticos e colóquios com testemunhos sobre situações diversas. Formar-se, informar-se, reformar-se será um objetivo significativo do curso.

Com efeito, dois momentos formativos se voltam para uma única direção, um único modelo formativo: Jesus Cristo. Cristo é a forma e o modelo da formação monástica. A formação nada mais é do que a formação crística, a transformação progressiva para se conformar à perfeita semelhança com Cristo na vivificação do Espírito: Meus filhos, diz São Paulo, por vós sinto, de novo, as dores do parto, até Cristo ser formado em vós (Gl 4,19). E o Espírito Santo modela, plasma o ser humano para torná-lo mais semelhante a Cristo. O Espírito Santo nos reúne na união fraterna na família do Pai. Por isso, a formação monástica, no dizer de Dom Mauro-Giuseppe Lepori, «não trata apenas de formar a inteligência ou as capacidades práticas, e nem tão-somente a vida espiritual. Trata-se de fazer uma experiência de quanto a própria fraternidade e amizade sejam instrumento e meio de formação verdadeira e integral. Porque a Verdade que procuramos coincide com o Amor, e o Espírito Santo nos revela em si mesmo que a verdadeira Sabedoria é Comunhão» (Carta do Abade Geral). Uma formação monástica autêntica é uma premissa e uma promessa de comunhão sapiencial com o próximo, em Cristo, e na sua Igreja.

Esperiências e testemunhos [5]

1. Os CFM são o fruto da «escuta» de que nos fala São Bento, no Prólogo da Santa Regra; e de alguém que pôs em prática o que lhe inspirou o Espírito Santo. Podemos dizer que já fazem parte do patrimônio da Ordem. Nós alunos chegamos aqui com o coração aberto, desejosos de aprender, receptivos a tudo, como esponjas dispostas a absorver todo o caudal de conhecimentos com as matérias que nos são ministradas, cada uma mais interessante que a outra, que nos ajudam a conhecer e a aprofundar, em nossa vida, a tradição monástica à qual pertencemos. Não podemos também esquecer a convivência com monges e monjas de diferentes países, de tradições e culturas diversas, pelo que partilhamos e nos enriquecemos com a contribuição de todos. Agradeço ao Abade Geral Emérito, Dom Mauro Esteva [6] e a quantos tomaram parte nesse projeto que se tornou realidade durante esses anos, continuado agora com grande entusiasmo pelo Abade Geral Dom Mauro-Giuseppe Lepori.

Irmã Maria Teresa Alía Fuentes, O.Cist. (Espanha)

cours22. Para mim este curso é de imenso valor, pois no Brasil não é muito fácil encontrar um curso de formação voltado precisamente para a vida monástica. Minha comunidade é relativamente nova (12 anos de fundação) e encontramos muitas dificuldades para a formação daqueles que chegam para viver a vida monástica. Sou muito grato a Deus e a todos aqueles que idealizaram e trabalham para a concretização deste serviço à vida monástica e à Igreja. Tenho plena consciência do incalculável valor deste empreendimento para minha vida e para minha comunidade, e espero, com a graça de Deus, poder retribuir à minha comunidade e à Igreja tudo aquilo que pude colher como fruto de tamanha graça.

Irmão Martinho, OSB (Mosteiro da Transfiguração, Santa Rosa, RS, Brasil)

3. Estou contente por poder participar deste Curso de Formação Monástica. É uma riqueza aquilo que recebemos e nos sentimos responsáveis em aprofundar as nossas raízes, os fundamentos da vida monástica e também da nossa existência, porque recebemos uma formação que parte das nossas estruturas humanas. É importante dizer que entre nós fazemos a experiência da diversidade que reflete o rosto de um Deus-Amor que nos chama a viver a unidade na diversidade de dons e carismas. Agradeço à AIM pelo dom recebido e a graça de poder crescer junto com outros/as na procura de Deus e na comunhão fraterna.

Irmã Maria Gabriela Fernandes, OSB (Mosteiro da Água Viva, Itacoatiara, AM, Brasil)

4. Moro em Roma há três anos e sou estudante do segundo ciclo de Teologia. A vida de monge estudante na Casa Generalícia não me surpreende muito, como talvez ocorra com alguns outros participantes do Curso de Formação Monástica. Um fruto que pode ser colhido de imediato é o imenso valor de olhar no rosto outros cistercienses, importante, sobretudo, para nós que viemos de países distantes da Europa. Como jovem, sinto como é importante ver, de algum modo, as preocupações dos outros, dos professores cistercienses e não-cistercienses, dos responsáveis pelo programa: qual é o futuro que queremos, o que esperamos encontrar juntos, quando partirmos de Roma? Direi que o aspecto intensivo do curso é problemático. A vida monástica é, em certo sentido, intensiva, porém, num outro sentido, nem tanto: o esforço monástico compreende a vida toda. Por conseguinte, há muito que fazer, mas há também muito tempo. Por isso, o curso é difícil para muitos. No entanto, a lição mais importante é a de levar para nossas comunidades não um ativismo apressado de estudante muito aplicado, mas o desejo intenso de compreender a nossa vida e transmiti-la.

P. Stefen Charles Gregg, O.Cist. (Estados Unidos)

5. O Curso de Formação Monástica de cinco semanas, em Roma, foi preenchido por excelentes aulas, interessantes excursões e encontros internacionais. As aulas, que abrangeram um vasto leque de assuntos, foram do mais alto nivel e transmitiram aos participantes elementos essenciais para a vida monástica de cada um. As excursões nos conduziram não somente à cidade de Roma, mas também a Monte Cassino, Fossanova e Casamari. Elas aprofundaram a compreensão da arte, da cultura e da história. Junto a esses aspectos científicos, vale a pena sublinhar particularmente a possibilidade de intercâmbio pessoal com irmãos e irmãs de todos os continentes. Ao final do curso, todos os participantes regressaram às suas comunidades fortalecidos e enriquecidos.   

Irmã Pauline Klimach, O.Cist. (Alemanha)

6. A experiência de participar dos Cursos de Formação Monástica é verdadeiramente esplêndida! Aprofundar os aspectos essenciais da vida monástica como a Sagrada Escritura, a Liturgia, a Regra de São Bento, a nossa história e as nossas origens, os Padres e seus ensinamentos, além da vida comunitária vivida em um clima de verdadeira fraternidade com monges e monjas de tantas partes do mundo, nos abre o horizonte e nos conduz a uma mais profunda consciência da importância de viver e doar-se completamente a Deus e aos irmãos. Só me resta agradecer de coração a todos quantos fazem com que este projeto divino se torne realidade!

Irmã Aline P. Ghammachi, O.Cist. (Abadia de San Giacomo di Veglia, Itália)

visite7. «Eis como é bom, como é suave, os irmãos viverem juntos e unidos!» (Sl 132[134],1). De 22 de agosto a 24 de setembro de 2011, realizou-se na Casa Generalícia da Ordem Cisterciense, situada na Piazza del Tempio de Diana, 14, Roma, o Curso anual de Formação Monástica. Contou com a participação de um grande número de jovens que decidiram entregar suas vidas totalmente ao Senhor na observância do Evangelho e da Regra de São Bento. Para muitos dentre nós, neste ano foi a primeira vez que participamos dele. Foi muito interessante constatar como esta juventude, apesar de tudo o que o mundo pode lhe oferecer, decidiu renunciar a tudo para seguir a Cristo mais de perto, pois não há nada melhor do que a experiência vivida. Para mim também foi a primeira vez que tomei parte neste curso de formação e, como testemunha ocular, posso garantir foi uma ótima iniciativa. Bendigo ao Senhor que inspirou os Superiores a organizar periodicamente estes encontros de formação. Nós somos formados não apenas no nível espiritual, mas ainda intelectualmente e humanamente. Gostaria que pelo menos todas as comunidades da Ordem pudessem enviar alguns de seus membros para esses momentos de formação e de partilha fraterna.

Irmão Michele Doussou, O.Cist. (Itália)

8. O Curso de Formação Monástica aconteceu num ambiente maravilhoso, onde tive a oportunidade de conhecer meus irmãos da Ordem e diversas Congregações da Ordem. Havia uma belíssima relação entre oração e partilha pessoal com monjas e monges; aprendi no curso coisas novas, como, por exemplo, a vida comum, estar presente junto com os demais na oração e em todos os atos comuns, algo muito indispensável para meu crescimento; a grande formação para a vida monástica dada pelos professores me faz dizer e pensar ter sido a coisa mais importante para conhecer verdadeiramente a Ordem Cisterciense. Os cursos de psicologia e direito canônico foram enriquecedores para o conhecimento de todo os monges em formação, além da belíssima acolhida por parte da Casa Generalícia e dos organizadores.

Irmão Roberto Sanchez Torres, O.Cist. (Itália)

9. As experiências do CFM, em Roma foram para mim como um novo começo. Os encontros com os vários participantes de todo o mundo causaram sem dúvida um embaralhado de idiomas, mas a maioria conseguiu se entender. Vivendo há vinte e cinco anos em um Mosteiro do Terceiro Mundo, a participação neste curso é como um marco de nova orientação em minha vida. Não foi fácil largar o conhecido e o vivido para abrir-me a algo novo, que não sei aonde me irá levar. O apoio de minha Prioresa e um pouco de ânimo e coragem, tornaram possível dizer um novo «sim». Meus conhecimentos de computação não eram os melhores para fazer os trabalhos ou baixar informações da internet. É muito bom quando alguém se depara com novas tecnologias, pois adquire assim uma melhor compreensão das novas gerações dentro e fora do Mosteiro. Outra dificuldade foi também o calor. Como nos altiplanos da Bolívia o calor nunca ultrapassa os 30 graus, tive que me adaptar ao clima. Todos os esforços foram recompensados pelos docentes europeus «de primeira classe» que tivemos. Corpo, espírito e alma ficaram repletos por um contagiante saber, que causava alegria e prazer pelo estudo. Experiências, encontros, conversas espirituais foram um enriquecimento para cada um. Por isso perguntamos: «O que é santo para mim?» E: «Qual é o nosso centro?» Temos, na verdade, razões para, a cada dia, dar graças por pertencer a uma Ordem monástica que nos dá a possibilidade de reconhecer nossa identidade, fortalecê-la e deixá-la transparecer aos outros.

Irmã Maria Asunta Steinberger, O.Cist. (Mosteiro da «Ave Maria», La Paz, Bolívia)

Tradução de Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB.

[1] O Colégio Internacional de São Bernardo, juntamente com a Cúria Generalícia da Ordem Cisterciense, situa-se na Urbe, isto é, em Roma, na Piazza del Tempio di Diana, 14.
[2] Os assim chamados Padres Capadócios são os santos Basílio Magno, Gregório Nazianzeno e Gregório Nisseno, todos eles Bispos e Doutores da Igreja, que viveram no século III.
[3] A palavra grega metamórfosis significa «transformação».
[4] RB 58,7.
[5] Depoimentos de vários monges e monjas participantes do Curso de Formação Monástica, de 2011, relatando brevemente suas experiências no mesmo.
[6] Dom Mauro Esteva Alcina, Abade Geral da Ordem Cisterciense, de 1995 a 2010, foi o idealizador e organizador dos Cursos de Formação Monástica. Reside atualmente na Abadia de Poblet (Catalunha, Espanha), da qual foi também Abade.