EDITORIAL
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
O ASSUNTO DA FORMAÇÃO é inesgotável. No começo, não pensamos consagrar-lhe dois números da revista, mas agora, até dois parecem insuficientes. O fato de falar de formação monástica implica, obrigatoriamente, uma certa aproximação do monaquismo e, mais amplamente, abordar a fé cristã e sua transmissão.
O Abade Maksymilian R. Nawara, antigo abade de Lubín, na Polônia, e atual Presidente da Congregação da Anunciação, introduz-nos nesta reflexão com uma lectio sobre o chamado dos primeiros discípulos em São João.
O Abade Primaz dá-nos seu ponto de vista, assim como o Abade Geral dos Cistercienses.
São depois apresentados vários exemplos de formação monástica, assim como um ou outro testemunho, e ecos de certas iniciativas.
Italo de Sandre partilha suas preocupações sobre a ligação entre a vida monástica e o mundo presente.
Depois as habituais rubricas: Liturgia, Uma página de história, Monges e monjas testemunhas para o nosso tempo, Notícias etc.
Deixemo-nos “informar” no mais fundo de nós mesmos para poder realizar aquilo a que somos chamados. Nestes tempos de crise é, mais do que nunca, o momento de cultivar o fundamental, que nos permitirá ultrapassar os obstáculos e construir um mundo novo.
Treinar-se para a corrida monástica
NA ULTIMA PARTE do Prólogo da Regra, São Bento apresenta o mosteiro como uma escola do serviço do Senhor. Isto significa que ele quer fazer da vida monástica um lugar de formação permanente. Ainda no Prólogo apresenta algumas características do ensino, que deve ser partilhado nesta escola; o primeiro e o mais importante é a qualidade da escuta para poder pôr em prática, eficazmente, o mandamento do amor.
Mas permitam-me evocar aqui um dos versículos do Prólogo, que me parece, dá um acento útil, hoje, na matéria da formação. São Bento não visa simplesmente a perfeição de uma observância exterior, que seria o penhor de um sucesso ilusório na esfera do tempo presente; acentua uma perspectiva que integra a dimensão da vida eterna, já ativa agora, mas em movimento para além dos limites do hoje. É por isso que ele usa o versículo tirado de São João que caracteriza o ideal beneditino:
“Correi enquanto tendes a luz da vida, para que as trevas da morte não vos envolvam” (Jo 12, 35 citado em Prol. 13).
Em São João a luz, de que se trata, é o próprio Cristo, e as trevas o adversário. São Bento dá um sentido um pouco diferente a este versículo, até o deforma, acrescentando “da vida” à “luz” e “da morte” às “trevas”. Quer insistir, assim, de modo geral sobre o drama das esco-lhas do ser humano, opondo o curto tempo da vida terrestre e o longo “tempo” da morte eterna. Insiste, assim, sobre a corrida necessária que acentua a urgência.
1. Perspectiva escatológica e consequências
Os monges são chamados a viver de um modo muito característico, na perspetiva escatológica. São Bento mesmo admitindo que os dons eternos já são oferecidos aqui (cf RB 7; 72 e 73) olha a atividade do monge numa tensão do não ainda diante do que será eternamente. Um certo número de versículos da Regra evoca concretamente esta perspetiva: assim São Bento convida os monges a “desejar a vida eterna com toda a cobiça espiritual” (4,46) e a agir com “o bom zelo que conduz a Deus e à vida eterna” (72,2); para isso devem “nada absolutamente preferir a Cristo que nos conduza juntos para a vida eterna” (72,11). Por isso São Bento pede aos monges insistentemente: “cumpre correr e agir, agora, de forma que nos seja proveitoso para sempre” (Prol. 44). No fundo, na vida monástica, formamo-nos e preparamo-nos para a vida super abundante do Reino eterno. E o abade “deve lembrar-se sem cessar que no terrível dia do juízo, deverá prestar contas” (2, 6, 34, 37, 39-40).
Lembremos aqui a oração característica da vida monástica, a do Ofício das Vigílias, que é um tempo de vigília voltado para a vinda do Cristo, na esperança da luz. Tudo isto é vida cristã, mas os monges acentuam particularmente esta dimensão. É realmente o que caracteriza melhor a vida monástica em relação ao tempo e ao espaço, que é diferente do modo habitual dos seres humanos verem essa dimensão. E é isso que, às vezes, torna difícil que os monges aceitem e compreendam.
2. Correr
O fato de entender a vida como uma breve passagem, em vista da vida eterna, desde já e para além da morte, convida os monges a não perderem tempo, e portanto a correrem para o objetivo. São Bento diz isto várias vezes.
Há, antes, de mais um princípio geral:
“Se fugindo das penas do inferno, queremos chegar à vida eterna, enquanto é tempo, e ainda estamos neste corpo e é possível realizar todas estas coisas no decorrer desta vida de luz, cumprer correr e agir, agora, de forma que nos seja proveitoso para sempre” (Prol 42-44)
Esta passagem está muito próxima da citação de São João 12, 35 (cf acima). Concretamente, portanto, se queremos viver assim, temos de ter no coração o desejo de habitar na morada do Reino, sabendo que só se chega aí correndo “pelas boas obras” (Prol. 22). Assim com “o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração e corre-se pelo caminho dos mandamentos de Deus” (Prol. 49). Há aqui como uma consequência da disposição interior, na qual o monge colocou o seu desejo: orientou o coração para a vida eterna e isso produziu uma tal dilatação, que corre-se agora no caminho dos mandamentos de Deus; assim o mandamento é o que deve de ser, não uma ordem que vem de fora, mas um objetivo, conforme a palavra grega entolé, de telos, quer dizer que leva ao fim que se quer.
Depois de ter colocado este princípio, São Bento pode pensar em situações particulares, cujo sentido só é perceptível em relação com este objetivo. O abade, por exemplo, deve apressar-se (currere) “empenhar-se com toda a sagaccidade e indústria para que não perca alguma das ovelhas a si confiadas” (RB 27, 5).
O cap. 5 da Regra está todo ele nesta perspectiva de uma vida que quer responder imediatamente ao apelo recebido. O verbo currere não aparece, mas encontram-se expressões muito fortes, que colocam a pessoa na disposição de uma corrida para a vida eterna:
E os discípulos “por causa do santo serviço que professaram, ou por causa do medo do inferno, ou por causa da glória da vida eterna, logo que (mox) ordenada pelo superior, desconhecem o que seja demorar na execução, como sendo por Deus ordenada... são esses mesmos que, deixando imediatamente as coisas que lhes dizem respeito e abandonando a própria vontade, desocupando logo (mox) as mãos e deixando inacabado o que faziam, seguem com seus atos, tendo os passos já dispostos para a obediência. Na prontidão do temor de Deus não há intervalo entre a ordem recém-dada pelo superior e a perfeita obediência do discípulo (...) Apodera-se deles o desejo de caminhar para a vida eterna” (RB 5, 3. 9-10)
O movimento da obediência vale também para a resposta dada ao apelo para o Ofício Divino:
“Estejam os monges sempre prontos, e, assim, dado o sinal, levantando-se sem demora, apressem-se mutuamente para o Ofício, porém com toda a gravidade e modéstia” (22,6).
Esta ideia vem uma segunda vez na Regra:
“Na hora do Ofício Divino, logo que for ouvido o sinal, deixando tudo que estiver nas mãos, corra-se com toda a pressa, mas com gravidade, para que a escurrilidade não encontre incentivo. Portanto nada se anteponha ao Ofício Divino” (RB 43, 1-3).
A primeira passagem é tirada do capítulo sobre “Como devem dormir os monges” e a segunda “Dos que chegam tarde ao Ofício Divino ou à mesa”. Reconheçamos que temos aqui uma característica da vida monástica beneditina. Impressiona sempre nos nossos mosteiros, ver como os monges se apressam a ir para o ofício divino, qualquer que seja a razão que os faz apressarem-se; não é certo que seja sempre o não querer perder a vida eterna!
Há uma outra dimensão da pressa a privilegiar na vida do monge: a acolhida de um hóspede que bate à porta do mosteiro:
“Logo que um hóspede for anunciado, corra-lhe (occuratur) ao encontro o superior e os irmãos, com toda a solicitude da caridade” (RB 53, 3); “Logo (mox) que alguém bater, ou um pobre chamar, (...) com toda a mansidão do temor de Deus, o porteiro responda com presteza (festinanter) e com o fervor da caridade” (RB 66, 3-4).
Aqui está outra característica da nossa vida beneditina, mesmo se hoje é difícil fazer face, com prontidão, a todos os pedidos, e que, muitas vezes exigem um mínimo de distância para a caridade ser melhor vivida.
O tema da corrida vem da Bíblia. A Palavra de Deus “de um extremo do céu, põe-se a correr” (Sal. 18) “Desce do trono real” (Sab 18, 15); “Deus a envia e corre veloz” (Sal 147, 15). Os homens de Deus, os verdadeiros profetas, os sacerdotes santos, os reis justos correm para pôr em prática a Palavra: “Como são belos os pés dos que anunciam a paz”.
Multidões acorrem ao encontro de João Batista no deserto, e ao encontro de Jesus ao longo de seu ministério público. Maria parte apressadamente para casa de sua prima Isabel depois da anunciação. Com Jesus, às vezes nem se tem tempo de comer em certos momentos. Os discípulos correm para o túmulo, e voltam correndo para anunciar a ressurreição do Senhor. Depois de Pentecostes os discípulos correm em todas as direções, para proclamar o Evangelho até aos confins do mundo. São Paulo corre tendido para a meta (Fil. 3).
É urgente correr por causa da Boa Nova, seja para a escutar, seja para a proclamar, pois o tempo é curto: “Completou-se o tempo, o Reino de Deus está presente, não há tempo a perder, convertei-vos e acreditai na Boa Nova”.
3. Correr sem se apressar nestes tempos que são os últimos
Como conclusão eis alguns pontos sobre este tema da formação, de um treinamento monástico, caro a São Bento.
Os monges correm e apressam-se, é uma evidência em todos os mosteiros. Mas de que corrida se trata? Será que é a corrida de alguém que tomou consciência que a vida é tão breve que não há tempo a perder?
Nossa agitação é muitas vezes marcada pelas pressões da sociedade contemporânea: trabalho, administração, lazer, tudo é submetido a um ritmo, para não se ser desclassificado, marginalizado. É verdade que muitos setores devem respeitar imperativos muito obrigatórios. Mas ficamos por aí? Nossa corrida não deverá se converter em vista do último desejo, o da realização da vida em Deus na comunhão da fraternidade humana?
Os monges são essencialmente como todos os cristãos, mas talvez mais sensivelmente homens do oitavo dia. Este dia está além dos dias, além da história na história. O sentido da vida monástica está numa saída do mundo, nos dois sentidos da palavra, um ser capaz de estar no mundo, sem ser do mundo.
Esta tomada de distância é em vista de uma experiência de Deus, por meio da libertação da tirania das paixões, e por meio da oração sem os constrangimentos do mundo, em que a ideia de tempo e de espaço não estão organizados em função desta prioridade.
Se se deve correr nos caminhos do amor, das boas obras, tais como estão descritas em RB 4, no caminho dos mandamentos, com o coração dilatado, na oração, na hora do ofício, na obediência, no cuidado dos pecadores, para não perder nenhuma ovelha do rebanho, na acolhida dos hóspedes, ou daqueles que batem à porta do mosteiro.
Trata-se de cortar com as coisas do mundo, sem nenhum desprezo, mas numa hierarquia de valores diferente.
Temos verdadeiramemnte os meios para uma tal aprendizagem, um tal treinamento, uma tal formação?