Padre Chad Boulton, osb
Abadia de Ampleforth (Reino Unido)
Que vos impede de se tornarem «obsoletos»?
Uma resposta da congregação beneditina inglesa
ao desafio da formação contínua
Em caso de pandemia, o horizonte pode desvirtuar-se com o passar dos dias. Na vida monástica pode tornar-se cada vez mais importante precisar uma perspectiva mais larga e a longo prazo. Que significa pertencer a uma Congregação? Não somente aderir ao que está expresso nas Constituições mas também a um estado de espírito favorável para o mútuo sustento; não somente o aspecto formal de uma visita canônica mas o dinamismo dos laços fraternos entre as casas. Que significa crescer ao longo de toda uma vida monástica? Não somente integrar as exigências da formação inicial, mas também a necessidade de um desenvolvimento contínuo, individual mas também coletivo.
Estas duas questões centrais foram abordadas quando no Capítulo geral da congregação beneditina inglesa foi estabelecida uma Comissão de formação contínua em 2017, a fim de «sustentar as nossas comunidades no discernimento dos meios necessários para o desenvolvimento da formação contínua». Eles sublinharam «a importância da colaboração entre os mosteiros, [...] crendo que isto é importante para o seu bem-estar e mesmo para a sua sobrevivência».
Antes disto neste mesmo ano de 2017, a Congregação para os religiosos (CIVCSVA) havia publicado um documento intitulado: «Vinho novo, odres novos» que contribuiu para modelar esta Comissão. Existe o risco de se falar muito de formação contínua mas que muito pouco seja realmente feito.
«Não basta organizar cursos teóricos sobre a teologia e abordar temas de espiritualidade; é urgente que desenvolvamos uma cultura de formação permanente... para rever e verificar a experiência real vivida no seio das nossas comunidades.»
O Capítulo geral procurava apoiar-se sobre o trabalho efetuado pelo Forum 2015, que reuniu os jovens membros da Congregação, para congregar as suas ideias e propostas sobre a renovação monástica na congregação beneditina inglesa, em particular sobre os temas da «comunidade» e da «formação». Os seus documentos foram apresentados no Capítulo geral extraordinário que se seguiu imediatamente ao Capítulo decorrente. Estes mesmos documentos foram de seguida discutidos em cada mosteiro. O Capítulo de 2017 trazia igualmente a sua própria reflexão sobre o ministério abacial e desejava um trabalho mais aprofundado sobre a natureza do leadership na Congregação.
Tratava-se de um novo tipo de Comissão1 à qual era pedido não uma produção de documentos, mas o envolvimento dos mosteiros no processo de desenvolvimento de uma cultura da formação, pondo o acento num alargamento do sentido da vitalidade espiritual que não pode consistir simplesmente numa atualização teológica ou numa formação profissional. Uma tão vasta tarefa exigia uma certa flexibilidade no método. Foram escolhidos seis participantes durante o Capítulo a fim de garantir a amplitude e a experiência necessárias.
Desde o começo, decidimos reunir-nos regularmente, numa casa da Congregação diferente de cada vez. Estes encontros permitiram-nos, enquanto Comissão, desenvolver o nosso próprio contributo e a confiança mútua. Começamos sempre por estudar profundamente todos os aspectos do que se passava na nossa vida individual ou comunitária. Para nossa grande surpresa e alegria, constatamos que nos entendíamos bem e que apreciávamos realmente os momentos passados juntos. Cada um contribuiu com o seu parecer e a sua experiência, seja no exercício de funções oficiais como presidente, secretário, tesoureiro ou em papeis informais mais essenciais de «consciência», de «sábio», de «escrivão».
Estas reuniões permitiram-nos igualmente encontrar com a comunidade que visitavamos, rezar, partilhar as refeições, discutir com ela, compreender o ponto de vista dos seus membros sobre a formação. É encorajador constatar que estas sessões atraiam uma grande número de participantes e dá uma percepção fascinante dos diferentes mosteiros. Começávamos geralmente com a questão: «Que nos impede de nos tornarmos “obsoletos”?», o que rapidamente dava lugar a respostas sobre a formação individual e comunitária. Temos uma ideia das comunidades cujos monges ou monjas tinham o hábito de se encontrar e daquelas para as quais estes encontros eram momentos cheios de reticência e de tensão.
Uma parte da nossa tarefa consistia em organizar duas conferências por ano para esta Comissão, como «momentos fortes» no processo de desenvolvimento de uma cultura da formação. A primeira teve lugar em 2018. Após numerosas discussões sobre o leadership, escolhemos o tema: «Tomar a responsabilidade da própria comunidade», convidando não os superiores mas uma amostra alargada de quatro membros de cada casa, em particular as que não participam habitualmente nos acontecimentos da Congregação.
Fomos grandemente ajudados pelo apoio e os encorajamentos do Abade Presidente, e por uma consultadora externa, Caryn Vanstone, que já tinha trabalhado com mosteiros. Trouxe frescura e rigor às nossas discussões e permitiu-nos conseguir uma clareza e uma coerência que de outro modo não seria possível. Insistiu particularmente sobre a necessidade de considerar esta conferência como fazendo parte de um processo global, implicando ao mesmo tempo a preparação e o que se seguiu. Uma das ferramentas que se demonstrou notavelmente útil foi a arte do «questionário apreciativo». Isto inverteu a dinâmica monástica habitual que consiste em concentrar-se sobre os problemas: ela convidava os participantes da conferência a começar pelo que ia bem e como se desenvolver a partir daí. Esta aproximação foi encorajada ao mesmo tempo interrogando as comunidades antes da conferência e partilhando a sua contribuição durante a conferência.
O acontecimento em si foi generosamente acolhido pela abadia de Buckfast , e grandemente facilitado por Caryn e seu marido Bruno. Houve algumas discussões formais, mas o acento foi posto sobre o envolvimento dos delegados, agrupados em grupos, com uma progressão de quatro dias, estimulando as contribuições, deixando depois o tempo dar sentido e fazer o ponto da situação, a fim de ser construído um plano de ação. Um elemento central do conjunto da reunião era a questão herdada dos abusos sexuais sobre crianças com o qual a Congregação foi confrontada pela abordagem do inquérito público IICSA (Independent Inquiry into Child Sexual Abuse). Os participantes deram ao mesmo tempo prova de honestidade e de humildade na planificação das partilhas no interior das comunidades. Os resultados foram apresentados aos superiores que assistiram à última jornada. Após a conferência, as comunidades foram convidadas a selecionar um dos seus delegados para um programa de formação cuja organização foi facilitada por Caryn e incluiu a congregação de Santa Otília.
A segunda conferência para 2020 devia concentrar-se sobre os superiores, mas também implicar aqueles que as comunidades haviam eleito como delegados para o próximo Capítulo geral. O objetivo era duplo: dotar os superiores de «ferramentas fáceis» de leadership e desenvolver um novo modo de se reunir enquanto Congregação que pudesse depois influenciar o processo do Capítulo geral. Entretanto, todas as nossas discussões e todos os nossos planos foram abandonados pelas restrições da COVID e tivemos que repensar tudo isso. Forçados a nos reunirmos «on line», continuamos a nos encontrar todos os quinze dias e decidimos finalmente oferecer uma série de webinários a toda a Congregação, com uma exposição de vinte minutos seguida de quarenta minutos de questões e comentários. Havia uma variedade de participantes, monásticos, religiosos, leigos, mas todos abordando aspectos diferentes da crise pandêmica. Estes tiveram muito sucesso e permitiram às diferentes casas ver-se e compreender-se, ainda que sob a forma de janelas de um ecrã Zoom. Vimos igualmente de começar reuniões mensais em linha para aqueles que devem ir ao Capítulo geral, os superiores, os delegados e os oficiais, em pequenos grupos. Esperamos que isto permita aos capitulares compreenderem-se melhor e colaborarem mais estreitamente uns com os outros a fim de permitir um Capítulo geral mais frutuoso.
Os doze últimos meses foram particularmente difíceis, mas os quatro anos do nosso mandato não foram menos exigentes. O nosso trabalho foi acrescido aos nossos compromissos já existentes, que em si mudaram ao longo deste período, pois alguns tomaram novas funções, como as de superior, oficiais, de prior. Nesta fase final, refletimos agora sobre a maneira de transmitir o nosso trabalho. Refletindo sobre tudo isto, gostaria de propor algumas conclusões gerais.
A abertura ao Espírito
Esta comissão nunca foi simples. Houve numerosos momentos de frustração onde devíamos dar prova de paciência, porque a compreensão
da nossa tarefa evoluiu. No meio de todas estas flutuações e de toda a nossa atividade, deviamos confiar no Espírito e não apreender as coisas de maneira demasiado rápida com uma luz prematura, precedendo ou impedindo o debate e a troca necessários. Circunstâncias em mudança, como a da COVID, puseram à prova esta abertura à mudança, enquanto procurávamos como nos adaptar e modificar os nossos projetos mais desejados.
Modelando a mensagem
Esta tarefa foi formadora para nós, e nós próprios fizemos a experiência do tipo de «fertilização cruzada» que procuramos encorajar na Congregação. Há uma verdadeira comunhão em construção, um sentimento de que o todo é mais do que a soma das partes. A importância de aproveitar as nossas reuniões, o investimento humano na constituição do grupo foram contrabalançados por uma sã responsabilidade da garantia da honestidade de cada um.
Enraizamento da tarefa
As nossas visitas a cada comunidade foram essenciais para nos permitir permanecer em contacto com a realidade da experiência vivida nos mosteiros. Os grupos que se reúnem demasiado separadamente puderam desenvolver a sua própria linguagem, afastando-se cada vez mais do seu primeiro contexto. Também na sua própria comunidade, cada membro era responsável por uma ou duas comunidades «de ligação», o que garantiu a conexão do conjunto da Congregação.
Coisas antigas e novas
Como o mestre da casa que tira do seu tesouro coisas antigas e novas, tentamos combinar as forças da nossa tradição monástica com as ideias da Igreja e do mundo em geral. Recomendámo-nos mutuamente conferencistas, livros e sites web. A nossa consultora externa desempenhou um papel crucial partilhando a sua experiência em sentido largo, na medida e no momento apropriados.
«Congregacionalidade»
A última reflexão provém das duas primeiras questões concernindo a finalidade de uma congregação e a natureza da formação. A nossa comissão desenvolveu a sua compreensão da formação, fazendo-nos passar do indivíduo à comunidade e enfim à Congregação. Uma das surpreendentes descobertas foi a da «congregacionalidade», vivida em nossas visitas às comunidades, à conferência de Buckfast e nos webinários. Exatamente como uma reunião de primos reunindo-se pela primeira vez para descobrir um sentido de família, descobrimos uma identidade comum graças aos laços entre as nossas diferentes casas. Isto nunca foi tão verdadeiro como durante a nossa colaboração no seio da Comissão.
1. A Comissão é composta pelos Irmãos Chad Boulton (Ampleforth), Mark Barrett (Worth), Madre Anna Brennan (Stanbrook), pelos Irmãos Cuthbert Elliott (Saint Louis), Francis Straw (Buckfast), Brendan Thomas (Belmont).