Dom Mauro-Giuseppe Lepori
Abade Geral Ocist
A terra fecunda da formação monástica
Visitei recentemente uma comunidade de monges, e durante a minha estadia pude participar de uma conversa comunitária. O assunto era a expressão muito original de um artista cristão. Conversava-se sobretudo sobre as imagens de suas obras, mas sobretudo alguns dias antes tínhamos visto um vídeo sobre ele, sobre sua caminhada humana e artística. O diálogo entre os irmãos foi muito profundo, pois cada um tinha-se deixado tocar, muito pessoalmente, pelo testemunho desse artista. No fim o abade disse que naquele ano, por causa da situação criada pela pandemia, eles tinham tido poucos momentos de formação estruturada, com convites de professores para cursos e sessões. Ele se preocupava com a formação permanente, justamente porque ao longo de anos isso tinha desenvolvido uma bela cultura de partilha, de diálogo, de escuta e de palavra.
Tomei ainda mais consciência que a formação monástica é viva e eficaz, quando encontra numa comunidade um campo trabalhado, um campo que se deixa trabalhar para acolher a semente, deixá-la germinar, crescer e dar fruto. Ou então, para usar uma outra imagem talvez mais expressiva no âmbito da formação, se a comunidade se dispõe a ser argila bem misturada, trabalhada com a água, com justa consistência, para permitir que o oleiro lhe dê a forma bela e útil, que lhe quer dar.
Em resumo, quando uma comunidade trabalha na sua própria conversão, quando se forma como comunidade filial e fraterna, quando é, como diz São Bento, um espaço de estabilidade obediente – quer dizer de silêncio, de escuta, na conversatio morum, num caminho de conversão de comunhão, que a torna viva, então tudo contribui para a sua formação, tudo se torna para ela e para cada membro que a compõe, ocasião para crescer, para aprofundar e se dilatar na forma perfeita de Cristo, o Filho bem-amado, que o Pai quer imprimir em nós, pelo dom do Espírito. Só uma comunidade que aceita ser um campo de construção pode tornar-se uma casa, uma morada e sobretudo um templo da presença de Deus. Sem isso, mesmo os melhores cursos e sessões, com os melhores mestres e professores, não conseguem formar e fazer crescer uma comunidade e seus membros.
Conheço comunidades pequenas e frágeis que não podem mais conseguir formadores externos e qualidade, mas que são tão unidas na humildade e no desejo de conversão, que cada migalha de verdade, de beleza vinda não importa de onde, nem de quem, se torna semente de formação e de edificação. Tudo nos forma se tivermos um coração humildemente aberto para a conversão, que a conversatio monástica e comunitária nos oferece e nos pede. Isto faz comunidades aonde se percebe o coração meditativo da Virgem Maria, vigilante para nada perder do acontecimento do Verbo-Esposo. Se falta esta atitude, uma comunidade pode dispor da formação mais abundante e refinada, sem que isso a forme verdadeiramente. A melhor semente fica estéril, se em vez de cair num campo lavrado, cair no mármore mais precioso e polido.
Para que qualquer formação seja fecunda, não se deve esquecer o humus, a terra. Quem não trabalha a terra, não terá frutos no tempo desejado. E aqui está a grande sabedoria da formação monástica: começa por baixo, para que mesmo que vem do alto, como a Palavra de Deus e o seu Espírito, possam achar acolhimento, abertura, quer dizer uma liberdade que pede e deseja, e que abre a porta quando o Verbo bate.
São Bento entendeu, na escola do Evangelho e dos Padres, que nada trabalha a terra melhor que a vida comunitária. Viver em comunidade torna a conversão verdadeiramente formadora. Sem um meio comunitário, que guia, cede-se à tentação, velha como o pecado original, de querer modelar-se com as próprias mãos. Mas as nossas mãos só fazem maquiagem, fazendo-nos olhar narcisisticamente ao espelho de nossas ambições e vaidades. Quando, pelo contrário, a nossa liberdade consente que a vida comunitária e a obediência nos trabalhem, para nos formar segundo o desígnio de Deus, então, lentamente, descobrimo-nos modelados, a partir do mais profundo de nós mesmos, para que o dom verdadeiro da nossa vida dê fruto.
Neste sentido, este tempo de pandemia é uma grande provacação para as comunidades monásticas. Por um lado, descobrimos, como toda a gente, os meios de formação partilhada à distância, que oferecem às comunidades mais frágeis novas oportunidades de formação. Mas esta oportunidade revela também um grande limite: favorece a comunicação formadora, mas não a comunhão formadora. A formação on line é excelente para nos informar, mas não consegue nos modelar. É como se aprendêssemos a teoria da olaria, mas sem sujar as mãos na argila. Mais ainda: é como se um oleiro mostrasse à argila os gestos que a modelam, mas sem a tocar. É preciso, então, que a argila encontre mãos que se encarreguem de a trabalhar. E aqui voltamos à necessidade de uma verdadeira conversatio comunitária, que aliás, se tornou particularmente sensível, quando o confinamento obrigou as comunidades monásticas a viverem numa verdadeira clausura.
Quando em 2020 fomos obrigados a fechar o Curso de Formação Monástica, que existia há 20 anos, durante um mês, na Casa generalícia cisterciense em Roma, nos perguntamos se não seria necessário substituí-lo por cursos on line. Mas à parte a dificuldade prática de reunir virtualmente alunos espalhados desde a Ásia às Américas, foi evidente, para nós, que não podíamos reduzir este curso de formação a simples aulas. Faltaria a dimensão comunitária que permite aos professores começar logo a fazer germinar na vida real dos participantes, ensinando-lhes a dinâmica integral da formação monástica, que não é somente semente, mas também terra que acolhe, que não é só palavra, mas também coração que escuta para viver em comunhão.
Quando se medita o primeiro capítulo da Regra de São Bento, sobre os diversos gêneros de monges, percebemos que a verdadeira diferença entre os dois bons modelos de monges, os cenobitas e os anacoretas, e os dois maus modelos, os sarabaítas e os giróvagos, está na escolha, ou na rejeição de se deixar formar por alguém, que não sou eu. Os cenobitas e os anacoretas confiam o desejo de plenitude de vida e de santidade nas mãos de Deus e de uma comunidade guiada por uma Regra e um abade; os sarabaítas e os giróvagos seguem a tendência individualista, que temos desde o pecado original, de não confiar a formação às mãos de um outro. Todos são barro destinado a ter uma bela e útil forma, mas os primeiros permitem que Deus e a comunidade os modelem, enquanto que os outros se deixam levar, tomando a forma, sem forma, da inclinação em que escorregam. Os primeiros confiam o seu desejo de vida e de alegria a um caminho que o realiza; os outros confundem o desejo profundo do coração com a tendência dos instintos e deixam-se guiar pelas próprias tendências, que não levam a lado nenhum. Pois a tendência dos instintos é um desejo deteriorado, que se fecha sobre si mesmo, renunciando ao infinito para o qual deveria estar tendido.
A formação monástica, como toda a formação humana e cristã, é um assunto sério, seu objetivo não é a perfeição do saber, incluindo o saber como fazer, mas a plenitude da vida, para a qual fomos criados pelo Pai, resgatados pelo Filho e animados pelo Espírito; plenitude para a qual nos é dado o Corpo do Cristo, que é a Igreja, até à pertença imediata à comunidade, que nos foi dada, para que a forma de Jesus se torne a substância da nossa vida em todas as suas relações.