Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
O “Espelho da vida monástica”
a partir de uma lectio divina
Ja me aconteceu usar o texto do “Espelho” como ajuda para animação de encontros ou de retiros nas comunidades. Pareceu-me importante, em cada uma dessas ocasiões, enraizar o debate numa partilha inicial de lectio divina, sobre cada um dos capítulos deste documento. Gostaria de partilhar aqui um eco a título de exemplo; outras pistas e outras referências são possíveis.
Introdução
O amor de Deus e do próximo está no centro da vida monástica cristã. É indispensável partir deste fundamento. Ao longo de toda a nossa vida, o Cristo nos revela este amor sob mil formas. Seu chamado nos tocou. Nós quisemos responder para sermos membros do seu Corpo, afim de ficarmos unidos a Deus e a todos, no Espírito Santo. O monge é aquele que não tem nada mais caro do que Cristo, e que faz tudo por amor do Cristo, para que todos possam saborear os frutos da sua paixão e da sua ressurreição.
Jesus disse: “Convertei-vos, o reino de Deus está próximo” (Mat 4,17 e paralelos)Um dos nossos maiores desafios é levar a sério este convite. Trata-se de uma mudança radical para viver a partir do coração profundo, de onde brota a vida em nós, no nível mais visceral. Trata-se de passar do intelecto para o coração, para vivermos juntos segundo a lógica do amor criador e para acolhermos todos os frutos desta disponibilidade na vida cotidiana, no coração das nossas sociedades. As principais dificuldades do nosso mundo, como na Igreja católica, estão ligadas à exigência desta conversão.
1) Comunidade
Nas véspera da sua paixão Jesus rezou: “Que todos sejam um, como tu, Pai estás em mim e eu em ti” (Jo 17, 21) Para sermos “um” em conjunto, é necessário ser “um” com Deus. O mandamento do amor é duplo, e o segundo é semelhante ao primeiro: “Aquele que diz amar a Deus e não ama o seu irmão, é um mentiroso” (1Jo 4, 20). É estranho que façamos belos discursos sobre o amor de Deus e que não consideremos que o amor dos outros faz parte da nossa vida espiritual.
2) Exercício da autoridade, a liderança
Quando fala de autoridade, o Cristo denuncia o poder de dominação. Ele diz: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mat 20, 28 e paralelos) O exercício da autoridade exige a tomada de consciência de tal disposição. Isto exige tempo e paciência para que o coração chegue a tal serviço junto de cada um dos membros da comunidade e da comunidade toda.
3) A Formação
Para Jesus, a formação tem a ver com o que ele disse na Ceia: “Dei-vos o exemplo, para que façais vós também, como eu fiz” (Jo 13,15) A formação não pode limitar-se à transmissão de um saber intelectual, está ligada à experiência. A partir de uma tal base a formação introduz no caminho da conversão no amor e permite fazer progressos.
4) Vocações
O próprio Cristo nos lança seu apelo, como diz São Bento no Prólogo da sua Regra - ”A ti, pois, quem quer que sejas, se dirige o meu apelo”: “Vem, segue-me” (Mar 10, 21) Assim não temos de nos preocupar com vocações. Deus chama e nós estamos disponíveis para acolher o seu apelo.
As pessoas que recebem o apelo de Deus devem ser encorajadas a encontrar o Cristo, para depois realizarem isso nas mais diversas formas de vida.
Nossos mosteiros não são centros de recrutamento para que a instituição viva a todo o custo. Nossos mosteiros são lugares onde o apelo de Cristo se faz ouvir de maneira forte e clara. Cada um poderá ver, depois, como responder ao apelo com o discernimento necessário. Há membros nas nossas comunidades que são capazes de ajudar.
5) Trabalho
O Cristo disse: “Ide trabalhar na minha vinha” (Mat 20, 4) Para São Bento toda a vida do monge é um trabalho, um trabalho de conversão. É a practiké dos antigos monges. A contemplação é vista como algo além desse trabalho de conversão. A liturgia, a lectio, o trabalho manual, ou intelectual são praticados para que se realize a obra do Senhor no mosteiro, que é um atelier e uma escola do serviço do Senhor.
6) Estabilidade financeira
Numa parábola o Senhor louva um administrador que fez amigos com o dinheiro desonesto (Luc 16, 1-13). Pode-se censurar o uso de tal parábola, para aprofundar a estabilidade financeira dos mosteiros. O que conta é não absolutizar o valor do dinheiro e pô-lo a serviço de uma fraternidade, que permite a comunhão. A boa gestão e a estabilidade financeira são necessárias para um desenvolvimento sadio da comunidade.
7) O mosteiro e o mundo
Os monges vivem como os outros cristãos segundo a palavra de Cristo: “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo” (Jo 17, 14-18). E diz também: “Eu vim ao mundo, mas eu não sou do mundo”. Os monges estão no mundo, mas suas referências não são as de um mundo sem Deus. É por isso que é preciso um certo recuo, afastamento, para discernir melhor que escolhas fazer.
8) Conclusão
É evidente que há outros campos da vida monástica e outros desafios. Cada comunidade, ou Congregação, deverá elaborar seu próprio programa de diálogo. Nós estamos no mosteiro para viver o mandamento do amor, convertendo nosso modo de ver e nossas decisões segundo o coração profundo. O grande desafio para hoje e para amanhã, está em trabalhar esta perspetiva para participar num mundo novo, que seja sinal do Reino que vem. Isto exige uma partilha séria em comunidade, para acolher ao mesmo tempo o fogo interior do amor divino e o que fazer concretamente. Nós esperamos que os pontos apresentados sejam úteis para favorecer este trabalho e estas tomadas de decisão em comunidade, para que sejamos realmente testemunhas da Boa Nova de Jesus Cristo para o mundo de hoje.